Recuperar Senha
Fechar
Entrar

Entrevista

Abrir embaixadas em ilhotas é ‘megalomania diplomática’

Para o ex-ministro de Relações Exteriores Luiz Felipe Lampreia, os equívocos da política de abertura de embaixadas em pequenas ilhas do Caribe ficam evidentes

Enviar por e-mail
Imprimir
Aumentar letra
Diminur letra
Luiz Felipe Lampreia
Para o ex-ministro das Relações Exteriores, não há qualquer “sentido diplomático” para que o Brasil opte por ter embaixadas em países pouco expressivos do Caribe, como os visitados por O TEMPO
PUBLICADO EM 25/07/13 - 03h00

As ilhas que estão sendo alvo desta série de reportagens têm uma relação comercial irrelevante com o Brasil. No entanto, ampliar as embaixadas brasileiras no Caribe e na África faz parte de uma estratégia do governo petista. Como ex-ministro das Relações Exteriores, qual a sua avaliação?

Eu acho que não faz o menor sentido abrir essas embaixadas por duas razões principais. Primeiro, porque a abertura de uma embaixada e a sua instalação não custam menos de US$ 1 milhão. Isso é um dinheiro do orçamento para o qual o presidente não pode esperar nenhum retorno. Não há nenhuma possibilidade de que esses gastos voltem para o país. A segunda razão é que a presença brasileira nesses lugares – não contando com Trinidad e Tobago, que é um país estabelecido há muito tempo e com o qual nós temos relações diplomáticas e bilaterais já há muitos anos –, como você bem colocou, não faz sentido porque são países de pequena expressão diplomática e comercial, e de muito pouca relação com o Brasil. Não há motivo nenhum para que se tenha embaixadas nessas capitais. Geralmente, nesses locais, há uma embaixada ou duas, normalmente dos Estados Unidos, ou, às vezes, da Inglaterra. Causa, inclusive, uma perplexidade a esses países que o Brasil queira abrir uma embaixada. Eu te pergunto, qual é o motivo para se abrir uma embaixada? Não é claro nem para os que são beneficiados – os países lá do Caribe. Eu acho isso um absurdo. Não há nenhuma justificativa, nenhuma explicação.

A aproximação entre o Brasil e as cinco ilhotas retrata, na sua opinião, uma política externa ideológica?

Não sei se é ideológica, mas eu não consigo encontrar uma explicação assertiva para isso. Eu creio que há uma espécie de megalomania diplomática porque não há qualquer explicação racional para isso. Não vai afetar ou aumentar comércio algum, não vai acrescentar nada. Poderiam fazer aquilo que existia antigamente, que é uma embaixada cumulativa em que o embaixador de Trinidad e Tobago, por exemplo, era acreditado (termo que define que o embaixador foi empossado) também em várias dessas pequenas ilhotas e países do Caribe. Fazia-se um ato de presença brasileira e depois o país se retirava porque não há necessidade de gastar e se montar a estrutura de uma embaixada em todos esses lugares.

Durante o período em que o senhor foi ministro das Relações Exteriores (entre 1995 e 2001), quais foram os pilares que nortearam a política externa brasileira naquela época?

Os pilares foram basicamente dois: estreitar e consolidar o nosso relacionamento com os países vizinhos, na América do Sul, de um lado, e, por outro lado, fazer o possível para que o relacionamento com os outros países mais importantes fosse o melhor possível. Ou seja, estamos falando de países da Europa, da Ásia e da América do Norte, que eram os principais alvos da política externa que nós implementamos ao longo dos dois mandatos do então presidente Fernando Henrique Cardoso. E creio que obtivemos êxito nessa tarefa.

Alguns analistas que foram ouvidos nos últimos dias afirmam que há uma tentativa de países como Brasil, Venezuela e Cuba implantarem uma política bolivariana dominante na América do Sul e na América Central. O senhor acredita que isso possa acontecer?

Não, eu acho que isso é quase uma piada, não é? Um país apresentar essa justificativa seria até uma piada de mau gosto. Não há nenhum fundamento histórico, econômico, diplomático e racional para essa explicação.

O que um país precisa levar em conta na hora de pensar em abrir uma embaixada em território estrangeiro? Quais são os critérios e quais são os parâmetros?

Qualquer país do mundo, desde que foi iniciada a prática diplomática e que embaixadas começaram a ser abertas, cria os estabelecimentos a partir do interesse do que se tem por determinado local. Ou seja, são os interesses políticos, comerciais, de investimentos, de relações de ciência e tecnologia... Uma série de coisas básicas que justificam a criação de uma embaixada por parte de qualquer país. Ou, pelo menos, deveria se justificar. Nenhum desses itens aparece como motivos para se criar as embaixadas nas ilhotas caribenhas, uma vez que, repito, a nossa relação com essas nações é absolutamente incipiente e ainda insignificante.

Seria mais correta, por exemplo, a abertura de apenas um escritório de representação comercial, em vez de uma embaixada, que envolve uma infraestrutura maior e custos também consideráveis?

Exato. Essa é uma saída interessante, sem dúvida nenhuma. Eu acho que o correto seria atuar como sempre se atuou. Seria, sim, uma boa criar escritórios ou as embaixadas cumulativas, como eu disse anteriormente, com um embaixador acreditado em diversos países. Seria uma forma criativa de se aumentar a representação brasileira lá fora sem ter como consequência um dispêndio fora da nossa realidade, como vem ocorrendo de 2003 para cá.

A abertura de embaixadas indiscriminadamente numa série de países, de uma década para cá, na sua opinião, significa falta de cuidado com a máquina pública? O governo está despreocupado com uma gestão mais eficiente e profissional dos recursos públicos?

Eu creio que sim. Isso é um desrespeito ao contribuinte que paga impostos e que sustenta o país. Sem dúvida, é mais que uma falta de cuidado com a máquina pública. É um verdadeiro desrespeito, na minha modesta opinião. Essas embaixadas todas acabam sendo, para os embaixadores que as chefiam, uma espécie de velejatura (prática de esporte com barco à vela, no mar) porque eles não têm absolutamente nada o que fazer. Então, o embaixador fica lá sob velejatura, com a casa paga, com tudo pago pelo dinheiro do contribuinte brasileiro. Mesmo se houvesse mais alguma coisa para fazer, seria pouco, uma vez que a relação com essas ilhas é pequena demais. É desperdício.

Diante desse quadro, é preciso se fazer uma reformulação na política externa brasileira, do ponto de vista da expansão das embaixadas nesses locais?

Creio que agora não sobrou nenhuma embaixada para ser aberta, não é (risos)? Já abriram em todos os locais do mundo. Agora, só se for juntar os pinguins da Antártica ou uma coisa assim. Fora disso, eu acho que já fizeram em todos os lugares. Se fechar também, se torna um problema tremendo porque, uma vez que você abriu, se resolve fechar, é uma espécie de ofensa ao país que recebeu aquela embaixada. É uma constatação de que aquele país não tem importância nenhuma, que o embaixador não tem nada o que fazer. É muito difícil – para não dizer impossível – fechar um estabelecimento desses. Ou seja, é uma coisa grave, complicada. Não podemos comparar a nossa presença em outros países com a de potências, como os Estados Unidos, e de ex-potências coloniais, como a Inglaterra. Eles têm razões históricas para atuar de forma massiva.

Rádio Super

O que achou deste artigo?
Fechar

Entrevista

Abrir embaixadas em ilhotas é ‘megalomania diplomática’
Caracteres restantes: 300
* Estes campos são de preenchimento obrigatório
Log View