Nas seleções de elenco para seus filmes, o cineasta italiano Federico Fellini (1920-1993) convocava, exclusivamente, pessoas de feições caricaturais, peculiares e exageradas, que empregavam a seus devaneios surrealistas a ludicidade que marcara suas memórias de infância. Não há exemplo melhor dessa prática do que “Amarcord”, clássico de 1973, em que, numa das cenas mais famosas, o alter ego de Fellini é seduzido por uma mulher de busto imenso, revalorizado por um decote generosíssimo.

Se o que interessava ao diretor era a extravagância e o poder do inusitado, atualmente a busca pela perfeição tem dado as cartas em nossa sociedade, fortemente impactada por “ideais de beleza inalcançáveis”, que nos chegam, principalmente, através da publicidade, hoje deslocada para o ambiente das redes sociais, como salienta a psicóloga Jaqueline Santos Maia, ao analisar a mais nova moda da harmonização de seios, que, segundo ela, “reflete uma sociedade que valoriza intensamente a aparência física, a busca da perfeição estética incentivada por padrões inatingíveis, através de uma realidade virtual ditada pelos filtros das redes sociais”. “Revela também os avanços tecnológicos, porém numa busca pela mudança instantânea, além de dinâmicas culturais que moldam as percepções individuais de beleza e identidade”, diz.

Cirurgião plástico e membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Leandro de Aquino explica que a harmonização de seios costuma ter como objetivo “o embelezamento da região mamária feminina por meio de procedimentos minimamente invasivos”. De maneira análoga ao que acontece na face, o preenchimento da região pode ocorrer “com o uso de ácido hialurônico ou dos bioestimuladores de colágeno”, conta.

Em ambos os casos, haveria um “resultado temporário de, no máximo, dois anos”. Aquino afirma que os principais riscos “são aqueles inerentes a todo tipo de procedimento, como infecção, sangramento e algum tipo de desconforto para o paciente”. Em relação ao ácido hialurônico, ele alerta ser “necessária uma quantidade grande do produto, o que deixa o tratamento caro para um resultado que é temporário”.

Por não se tratar de uma cirurgia, a sessão pode ser realizada em consultório, sem internação e com anestesia local. Aquino também ressalta que a harmonização de seios tem o potencial de “prejudicar o rastreio do câncer de mama”, um dos mais letais do país, “caso se forme algum nódulo” na região, apesar de “os mamógrafos de hoje em dia serem de alta qualidade”. “Esse nódulo poderia ser formado pelo preenchimento com ácido hialurônico, que, vale lembrar, é uma substância presente em nosso corpo, ou seja, não haveria o risco de rejeição e a absorção é garantida”, sublinha o cirurgião.

Em busca da perfeição

A psicóloga Jaqueline Santos Maia aponta que as motivações mais comuns para se recorrer a procedimentos estéticos como a harmonização de seios são “a busca pela simetria e proporção, uma tentativa de adaptar-se às tendências ditadas como padrão, melhorar a autoestima e autoconfiança por meio de um reconhecimento satisfatório da autoimagem, além da reparação ou reconstrução da área motivada por algum evento específico, como amamentação, emagrecimento ou processo de envelhecimento”, enumera. Ela ainda considera motivações “a respeito da atratividade sexual, de se sentirem mais atraentes para si mesmas e para os seus parceiros”. “Essas motivações são complexas e muitas vezes interligadas, refletindo a importância multifatorial que os seios têm na identidade, na autoimagem feminina”, diz.

Por isso ela sustenta que, embora menos invasiva dos que os tradicionais implantes de silicone, a harmonização de seios não elimina possíveis efeitos psicológicos, como “insatisfação com os resultados, dependência de procedimentos estéticos, buscando a próxima modificação para alcançar um ideal de beleza inalcançável, estigmatização ou julgamento por parte de familiares, amigos ou parceiros, o que pode afetar sua autoestima e bem-estar emocional, crise de identidade ou desconexão com a própria imagem corporal, como ocorre com pessoas que não obtém o resultado esperado, podendo levar ao desenvolvimento de algum transtorno, como o Transtorno Dismórfico Corporal”, informa a psicóloga, numa referência à doença mental que leva à obsessão.

“Para mitigar esses riscos, é crucial que as mulheres busquem profissionais qualificados, tenham expectativas realistas e considerem cuidadosamente os motivos por trás do desejo de modificar seu corpo. O suporte psicológico antes e após o procedimento também pode ser benéfico para garantir uma abordagem saudável e equilibrada a essa modificação”, complementa Jaqueline. O cirurgião plástico Leandro Aquino defende que a harmonização de seios é “variável a cada paciente, assim como todas as cirurgias plásticas, não tem fórmula mágica, vai de acordo com a anatomia do indivíduo”, refutando a ideia de uma padronização em torno desse controvertido tema…

Na opinião de Jaqueline, “em contraste com a moda do silicone, a harmonização de seios reflete uma busca por naturalidade e sutileza na estética”. “Essa tendência permite que as mulheres façam alterações que se alinham mais de perto com suas proporções naturais e expectativas pessoais, promovendo uma maior aceitação de diferentes formas e tamanhos de seios”, pondera.

“Por um lado, a colocação de silicone ajudou muitas mulheres a recuperarem sua autoconfiança, e, por outro, traçou um padrão de ideal de beleza irrealista, inatingível para muitas mulheres, que não puderam realizar a cirurgia por algum motivo”, compara a psicóloga. Aquino defende que, por já estar na “sexta geração de próteses”, a tecnologia da colocação de silicone vem melhorando. “Não é isenta de risco, mas tem resultados amplamente testados”, afirma.

Equilíbrio na hora de valorizar a aparência é fundamental, diz especialista

Para a psicóloga Jaqueline Santos Maia, não se pode ignorar o efeito psicológico que a busca incessante por uma aparência perfeita causa nas pessoas. “O equilíbrio é fundamental, é importante valorizar a aparência física de uma maneira saudável, sem deixar que ela se torne a única medida de valor pessoal”, pontua ela, que oferece algumas estratégias que podem ser adotadas para se alcançar esse equilíbrio, como “promoção à educação sobre os riscos e limitações dos procedimentos estéticos, foco na saúde e bem-estar, suporte de profissionais da saúde para avaliar as reais necessidades antes da realização do procedimento e promoção à aceitação e celebração da diversidade corporal”, que auxiliariam a reduzir a “pressão para alcançar um padrão de beleza único e idealizado, incentivando as pessoas a valorizarem suas características únicas”. O cirurgião plástico Leandro de Aquino exalta a nova tendência.

Segundo ele, a harmonização de seios com o uso de bioestimuladores traz, como um de seus benefícios, a “melhora da qualidade de uma pele que já sofreu com o efeito do sol”, além de aumentar a firmeza e diminuir a flacidez no local. A solução também atende àquelas mulheres que, no dia a dia de “uma vida corrida”, preferem um procedimento mais ágil e não cirúrgico, ainda que com resultados temporários. No final das contas, o essencial é a mulher sentir-se bem, e atendendo a seus próprios desejos.