É quase folclórica a figura do puxa-saco. Presente nas escolas, nas famílias, nos grupos de amigos e, sobretudo, no ambiente profissional, essa personagem atravessa as mais diferentes circunstâncias, sempre a espreita de conquistar algum tipo de benefício a partir da bajulação, mesmo correndo o risco dessa atitude minar sua própria credibilidade. Nos produtos de entretenimento, esse perfil já foi vastamente representado e tem entre suas expressões mais icônicas o aluno Rolando Lero, interpretado por Rogério Cardoso no humorístico “Escolinha do Professor Raimundo”. É dele o bordão “amado mestre”, usado para iniciar cada interação com o educador, que, seguido de floreios elogiosos e exagerados, sempre levava à enrolação – e protesto dos colegas. Ou seja, por não ter competência para responder às inquirições, o “puxa-saquismo” surgia como alternativa.
Ainda que de forma menos escandalosa, é quase certo que, em algum momento da vida, todos já tenham convivido com pessoas vistas como verdadeiras bajuladoras. E, geralmente, o sentimento despertado por colegas, diante dessa atitude, é de repulsa, como se lançar mão desta estratégia fosse desonesto, fazendo do puxa-saco um sujeito pouco confiável – não por outro motivo, entre os sinônimos do termo aparecem diversas expressões jocosas, como “baba-ovo”, “lambe botas”, “sabujo” e “capacho”.
A psicóloga Graziela Alves, especialista em gestão de pessoas e negócios pela Fundação Dom Cabral e mestra em administração, porém, faz um alerta: é preciso cuidado ao taxar alguém com esse rótulo. “Existem pessoas que são naturalmente mais generosas, que têm mais facilidade em reconhecer o bom trabalho do outro”, comenta, indicando algumas pistas para diferenciar essa atitude do mero puxa-saquismo.
Essa distinção pode ser medida, por exemplo, por fatores como intensidade e direcionamento. “Enquanto quem faz elogios saudáveis reconhece com sinceridade e equilíbrio as qualidades alheias, podendo inclusive se manifestar de forma pública sem parecer forçada, o bajulador se revela por seu padrão seletivo e exagerado: ele tem um alvo, alguém a quem constantemente direciona elogios, independentemente da performance dessa pessoa. E não explica por que elogia, não descreve, não argumenta. Isso enfraquece sua credibilidade”, pontua.
Graziela prossegue ressaltando que o elogio sincero, portanto, se sustenta com fatos e dados, sendo feito não só de adjetivos, mas de justificativas. “O bajulador diz: ‘você é incrível’. O elogiador legítimo diz: ‘sua entrega foi valiosa porque utilizou tais ferramentas, seguiu tal metodologia e obteve esse resultado’”, compara. Ela reforça que outra chave para se fazer essa distinção está na recorrência e indiscriminação dos elogios. “Quando a performance ou entrega de alguém é sempre motivo para elogio por parte de uma pessoa, independentemente da qualidade real daquilo, coloca-se em dúvida os critérios e as intenções de quem elogia”, explica, ponderando que, sim, a linha entre generosidade e bajulação é tênue – e sua diferenciação exige atenção e maturidade emocional.
Perfis
A psicóloga e administradora Graziela Alves identifica três perfis principais por trás do comportamento lido socialmente como o de um bajulador. O primeiro é justamente o da pessoa espontaneamente generosa, que pode ser confundida com um puxa-saco em determinados contextos, mas que, de fato, tem empatia genuína. O segundo é o da pessoa insegura, que adota a bajulação como mecanismo de defesa por medo de rejeição, exclusão ou fracasso. E o terceiro é o da figura calculista, que sabe exatamente o que está fazendo e usa o elogio desmedido como instrumento para manipular situações e pessoas. “Ela age com objetivo claro. Manipula por meio da vaidade alheia porque sabe que terá êxito”, examina.
Já Vivian Wolff, especialista em treinamento e desenvolvimento humano, parte de uma lógica comportamental para analisar o fenômeno. “Todo comportamento só é mantido se houver recompensa. Se não houver, ele é naturalmente abandonado”, situa, acrescentando que, portanto, mesmo sendo um comportamento tóxico e prejudicial, o puxa-saquismo persiste porque, de algum modo, oferece um retorno – seja uma promoção, maior visibilidade diante da chefia ou acesso privilegiado a informações e decisões. “Por mais que o bajulador se queime com os colegas, ele pode estar colhendo os frutos do seu comportamento junto à liderança”, menciona.
Riscos
Ainda que o puxa-saco possa, em alguns contextos, conseguir benefícios a partir dessa atitude, é também verdade que os riscos associados a essa prática não desaparecem – sobretudo quando o bajulador conseguem, por esse expediente, ocupar espaços muito próximos aos líderes.
Graziela, aliás, considera esta uma das maiores armadilhas para quem ocupa posições de comando. “O líder é um facilitador, alguém que orquestra contribuições diversas dentro da organização. Quando ele se cerca de bajuladores, abre mão da crítica construtiva, do contraditório, e perde em efetividade”, analisa, asseverando que a presença constante de quem apenas valida e endossa sua visão pode comprometer a tomada de decisões e a própria legitimidade do cargo. “O bajulador está em um mecanismo de autoproteção. Ele não contribui, apenas adora o líder. E isso é extremamente danoso”, alerta.
Se é nocivo para o grupo, não significa que seja ineficaz para quem pratica. Vivian é taxativa: “Claro que em alguns contextos o comportamento pode ser estratégico. Do contrário, ele não persistiria com tanta frequência no mundo corporativo”. Mas ela também alerta para os prejuízos: o bajulador perde conexão e costuma ser evitado por colegas, uma vez que seu comportamento gera desconfiança e pode tornar o ambiente tóxico. Por exemplo, em situações de promoção, é provável que uma dúvida paire no ar: esse reconhecimento veio por mérito real ou por simpatia do chefe?
Essa dúvida, aliás, vai alimentar o receio dos colegas de fazer elogios e manifestações de reconhecimento público pelo trabalho dos colegas. Afinal, quem quer parecer puxa-saco?
Nesse cenário, o papel da liderança se torna ainda mais delicado. Não só por correr o risco de ser envolvida nesse tipo de jogo emocional que tende a apenas reforçar suas crenças, reduzindo as possibilidades de reflexão, mas também porque pode, inclusive, incentivar essa atitude. “Infelizmente, ainda há líderes que ascendem ao cargo com o desejo de serem servidos, e não de contribuírem ou deixarem um legado”, aponta Graziela. Nessas situações, o bajulador encontra terreno fértil. “Ele entrega exatamente aquilo que o líder espera: adoração, validação incondicional. E, assim, perpetua uma cultura tóxica”, conclui.