Não é preciso voltar muito no tempo para lembrar que os sonhos e projetos de vida de muitas pessoas envolviam o casamento e os filhos. Aliás, é bem provável que esse ainda seja o desejo de muita gente. Mas essa não parece ser mais a regra. É isso o que aponta um artigo publicado no “Jornal da USP”, no início do mês. Conforme o texto, a nova geração tem optado cada vez menos por compromissos como o casamento e filhos. Esse comportamento, inclusive, tem até um nome: “agamia”.
A palavra, que vem do grego – uma junção de “a” (“não ou sem”) e “gamos” (“união íntima ou casamento”) –, diz respeito, de acordo com o artigo, à falta de interesse de um indivíduo em firmar um relacionamento romântico com outra pessoa, o que inclui também a intenção de os casais não terem filhos.
A opção pelo não casamento, por exemplo, já tem ficado evidente em dados oficiais sobre a população brasileira. De acordo com o último Censo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de pessoas solteiras no Brasil já é maior do que o número de pessoas casadas. No país, são 81 milhões de solteiros e 63 milhões de casados. A opção por não ter filhos também deixa seus reflexos. A taxa de natalidade também tem recuado; conforme dados do IBGE, em 2022, o número de nascimentos caiu pelo quarto ano seguido e chegou ao menor patamar desde 1977.
Segundo a psicóloga Ana Amélia Nicácio, especialista em saúde mental e gestão de pessoas, alguns fatores podem corroborar para que a agamia se torne cada vez mais comum. O primeiro deles tem uma relação direta com uma maior conscientização e aceitação das próprias escolhas, mesmo que elas fujam dos padrões impostos.
Mas outras questões também podem motivar a opção pela agamia. “Cada indivíduo pode guiar-se por um ou mais fatores que levam a essa tomada de decisão, como, por exemplo, o foco na carreira, as experiências passadas, a preocupação com os custos ligados aos cuidados de um filho, a busca por uma independência financeira, geográfica e emocional”, lista a psicóloga, que também é mentora de mulheres.
Ana Amélia pontua também que a opção por se manter solteiro e não ter filhos é uma forma de evitar a sobrecarga de tarefas, principalmente no caso das mulheres. “Por anos elas assumiram o papel integral do cuidado da casa, dos filhos, do marido, dos pais idosos, entre outros, e até hoje sofrem com essa ditadura social, precisando diariamente posicionar-se e propor a partilha dessas tarefas”, explica.
A especialista observa ainda que a popularização da agamia caminha ao lado de outras transformações que já têm ocorrido nos formatos de família. “Nas últimas décadas tivemos mudanças significativas com relação ao modelo de estrutura familiar e à concepção de ‘família-padrão’. Alguns pontos que contribuíram para essa caminhada estão relacionados à própria diversidade social que vem sendo fortalecida nos últimos anos, seja com famílias que se ‘refizeram’ após separações; seja com o aumento de famílias monoparentais – compostas pelo pai ou pela mãe, por diversos motivos); ou a própria decisão de alguns casais de não terem filhos”.
(Não) é impossível ser feliz sozinho
Embora a adoção da agamia possa parecer diretamente ligada a uma vida mais solitária, Ana Amélia observa que é importante entender que existem dois sentimentos ligados ao fato de estarmos só: a solidão e a solitude. “Enquanto o primeiro é uma sensação de ‘abandono’, desconexão social e emocional, que pode vir acompanhada de um vazio, de uma tristeza, de desamparo, o segundo é uma experiência consciente, em que a pessoa escolhe estar em sua própria companhia. E muitas pessoas veem esse momento como um período de recarga emocional, um instante de reflexão e autodescobertas”, ressalta.
Para a psicóloga, essa compreensão ajuda a ver a solitude de maneira diferente. “Partindo desse ponto, de entender o significado da palavra, acredito que seja possível que passemos a vê-la como uma oportunidade de autoconhecimento, de reequilíbrio emocional e de redução de estresse, além de uma chance para a autovalorização, minimizando dependências emocionais, ajudando as pessoas a valorizar o tempo que passam consigo mesmas, aumentando a autoconfiança e independência. Esses momentos podem, inclusive, contribuir para uma melhor conexão com as outras pessoas a partir da reconexão consigo mesmas”, diz. “É importante lembrar que estamos falando de momentos de solitude, e não de isolamento social, que pode ser preocupante”, pondera.