Imagine a cena: uma criança, irritada por algum motivo, se joga no chão e começa a chorar; ou joga objetos no chão; ou somente chora sem parar. O cenário pode ser um shopping, um supermercado, uma festinha infantil, para o desespero de muitos pais e outros adultos, que não sabem lidar com a situação, enquanto são “fuzilados” pelos olhares de outras pessoas que estão no mesmo local e presenciam o ocorrido. Se você (ainda) não passou por algo parecido, com certeza já deve ter presenciado momentos de birras de crianças. Mas por que elas acontecem? E, principalmente, como lidar com essas situações? A psicóloga infantojuvenil Ana Luísa Bolívar afirma que a fase de birras na infância sempre vai acontecer. Ela também cita duas palavras que considera essenciais para lidar com esse tipo de situação: “Paciência e acolhimento”.
O que é a birra infantil?
A psicóloga Ana Luísa Bolívar define birra como uma “desregulação emocional”, que ocorre quando a criança tenta expressar seus sentimentos. “Durante a infância, algumas áreas do cérebro ainda estão em desenvolvimento, como o sistema límbico – responsável pelas emoções – e o córtex pré-frontal, responsável pela tomada de decisões e pelo controle das emoções”, explica. “A gente pode dizer que a birra é uma desregulação emocional porque a criança não nasce sabendo (lidar e expressar seus sentimentos). Esse processo de desenvolvimento depende de dois fatores: a questão biológica, do cérebro, e comportamental, que depende muito do ambiente, dos estímulos que essa criança recebe”, detalha Ana Luísa.
Segundo a psicóloga, a birra é uma forma que a criança tem para se comunicar, “porque, muitas vezes, ela não sabe falar”. Ou seja, por meio do choro, do grito ou da teimosia, por exemplo, as crianças conseguem expressar o que estão sentindo. “Se nós, adultos, temos dificuldades às vezes de nomear nossas emoções, mesmo entendendo o que elas significam, imagine para uma criança, que não sabe o que é. O adulto sabe o que é uma raiva, uma frustração; a criança não sabe. Então, às vezes, a criança jogar alguma coisa de forma muito brusca no chão ou ficar muito nervosa não necessariamente é uma raiva, não é essa raiva que nós, adultos, sentimos. Ela não entende o que ele sente quando a mãe sai para trabalhar, é uma tristeza”, exemplifica Ana Luísa.
Como agir diante de uma birra? Como evitá-la?
Ana Luísa Bolívar garante que não tem como fugir da birra: “Ela vai acontecer, não tem como não acontecer”. De acordo com a psicóloga, esse comportamento é mais frequente a partir dos 2 anos e vai até os 4 ou 5 anos, “quando a criança está desenvolvendo a linguagem verbal, a fala”.
A especialista afirma que não tem como evitar que a birra aconteça, pois “é uma forma de comunicação e faz parte do desenvolvimento da criança”. Porém, ela explica que há maneiras de tentar amenizar a frequência desse comportamento e também lidar com ele, um processo que começa pelo controle emocional dos pais ou responsáveis pela criança.
“Aprender a acolher o sentimento da criança, validar essas emoções; manter a hierarquia e não deixar a criança fazer o que quer. É importante ter essa regulação emocional para não entrar em situações piores; a falta de paciência pode gerar mais tensão”, explica. “É importante a criança saber que tem um apoio dos pais, dos cuidadores, de um modo geral”, frisa. A psicóloga também ressalta a importância de se estabelecer uma rotina com a criança, principalmente um momento dela com os pais, e, assim, tentar evitar que gatilhos que possam provocar angústia ou ansiedade. “Nós, adultos, somos responsáveis pelas crianças à nossa volta”, frisa.
O que não fazer
Para a psicóloga Ana Luísa Bolívar, o momento de birra requer atenção e não pode ser ignorado. “A birra é uma forma de comunicação, a criança está tentando dizer algo. Quanto mais você ignorar, ou esse comportamento pode piorar, ou ele pode se transformar em algo intrínseco para a criança. A criança pode, às vezes, parar de fazer birra, mas guardar sentimentos traumáticos. A gente tem muitas idealizações de que trauma é só aquilo que acontece, mas ele também é o que não acontece”, analisa.
Quando o comportamento é considerado um transtorno
A psicóloga Ana Luísa Bolívar alerta que, quanto a birra está muito frequente ou muito intensa, a recomendação é procurar a ajuda de profissionais, para identificar se a criança tem algum tipo de transtorno. Um deles é o Transtorno Opositivo-Desafiador (TOD), cujas características costumam ser confundidas com as da birra.
Com base em sua experiência pessoal, a psicopedagoga Luciana Brites e o neurologista infantil Clay Brites escreveram o livro “Crianças Desafiadoras” (Gente), lançado em 2019, em que apontam a diferença entre birra e o TOD e discutem os papéis da família e da escola, além das formas de tratamento.
“A criança com TOD não consegue elaborar bem situações em que é contrariada, e o quadro não se modifica com o tempo (sem intervenção), como ocorre com a birra – ela tende a piorar. São necessárias medidas preventivas, psicoterápicas e medicamentosas”, detalha Clay. “A reação emocional é extremamente exagerada. Eles chegam a quebrar objetos da casa, desestabilizar a família e a escola, porque as reações são desafiadoras. Chegam a tomar atitudes maldosas, usando palavras de baixo calão e fazendo chantagem emocional. Isso dos 3, 4 anos até os 8, 9 anos, que é uma fase em que as demais crianças já têm o pleno entendimento do não e das frustrações”, completou o neurologista infantil. (Com agências)