Tudo aconteceu muito abruptamente. O psicólogo Fábio Teixeira, de 51 anos, foi para o apartamento da noiva como de costume, quando a companheira pôs um ponto final na relação deles de dois anos. Acontece que o término veio de uma maneira avassaladora. Ao chegar no apartamento dela, a noiva sequer deixou que ele entrasse.
“Ela colocou as duas alianças, de noivado e de compromisso, em uma caixinha e me entregou pela porta”, relembra Teixeira. Ainda de dentro do apartamento, a então companheira pediu para que Teixeira não a procurasse mais nem deu qualquer informação que explicasse o término repentino.
Atônito, mas decidido, o psicólogo saiu de lá direto para a Galeria do Ouvidor, no centro de Belo Horizonte. Ele vendeu as duas alianças por R$ 70 e partiu para o Edifício Maletta, onde bebeu algumas cervejas com o dinheiro. O ritual funcionou como uma espécie de exorcismo da relação, mas Teixeira não deixou de ficar angustiado pela falta de respostas.
Ainda assim, ele respeitou o pedido dela e não a procurou mais desde aquele fatídico dia. Apenas cinco anos após o ocorrido é a que então noiva revelou, em um encontro casual, o motivo para o rompimento abrupto. “Na verdade, não eram coisas horríveis, mas motivos que podem acontecer com qualquer pessoa, como questões de autoestima, de insegurança e de pressões da família e da sociedade em relação ao casamento”, conta o psicólogo.
O caso aconteceu há mais de 20 anos – hoje Teixeira é casado com outra mulher, e os dois têm uma bebê –, mas psicólogo passou por uma experiência que recebeu uma denominação recente: vínculo fantasma. O termo foi alcunhado pela psicóloga junguiana Tatiana Paranaguá, em livro de mesmo nome lançado em abril deste ano, pela Editora Record.
Na obra, ela determina que há vínculo fantasma “quando, na vida real, duas pessoas começam uma relação de crescente intimidade e convívio, com investimentos e atitudes concretas de ambas as partes [..], e, sem explicação, um dos envolvidos abandona o relacionamento de forma sumária, afirmando que nada foi relevante ou dando indícios disso.”
A psicóloga e sexóloga Carolina Pinheiro acredita que relações com esta têm se tornado mais comuns porque “o capitalismo transformou a nossa sociedade de maneira tão profunda, que as pessoas estão cada vez mais absortas no próprio eu.”
“Dessa maneira, o outro desaparece. Para o eu narcísico, o mundo é apenas um sombreamento de si próprio, que não se importa com o outro. É como se as pessoas funcionassem apenas como um espelho, servindo unicamente para ver o reflexo de si mesmo no outro”, analisa. Ela cita como exemplo o ator Leonardo DiCaprio, que se relacionava apenas com mulheres de até 25 anos. “É uma relação de consumo e descarte”, acentua.
Mas, se para quem termina repentinamente, a vida continua seguindo normalmente, para quem é deixado, a tendência é de que haja um sofrimento desmedido. Tatiana Paranaguá afirma, inclusive, que, ao ser vítima de um relacionamento fantasma, uma pessoa, “via de regra”, fica “abalada e confusa diante dos fatos, e, não raro, com sequelas psicológicas profundas.” De fato, a saúde mental de quem é abandonado é profundamente afetada. “Há uma sensação de medo e de desproteção muito grandes”, afirma Carolina.
Do ponto de vista neurológico, podem ocorrer alterações prejudiciais. “Quando uma pessoa passa por um relacionamento fantasma, pode haver impacto no córtex pré-frontal do cérebro, afetando funções de raciocínio, de interpretação e de percepção de mundo. Com isso, podem aparecer sintomas como ansiedade, medo e insegurança”, explica o neurocientista e hipnoterapeuta, Thiago Porto.
Quanto às reações neuroquímicas do cérebro, ele esclarece pode haver elevação de cortisol e de noradrenalina. “Esses são mecanismos do nosso corpo que ficam mais presentes quando estamos em alguma situação de alerta. Então, isso impacta a nossa circulação sanguínea e ativa uma parte do nosso sistema nervoso simpático, que diz respeito à luta ou fuga. E, por consequência, hormônios neurotransmissores são impactados, como dopamina e a serotonina, que geram sensação de recompensa. Quando alguém não tem mais acesso àquela pessoa, a dopamina e a serotonina caem, o que pode configurar depressão”, indica Porto.
O que leva alguém a terminar repentinamente?
Quando uma pessoa encerra um relacionamento de maneira brusca, uma das principais perguntas que paira sobre a cabeça de quem foi deixado é: por que ela fez isso? Segundo a psicologa Carolina Pinheiro, um dos aspectos diz a padrões estabelecidos na infância.
“Se você cresceu em um ambiente onde viu seus pais tendo um relacionamento abusivo, por exemplo, esse padrão pode se tornar familiar para você. Consequentemente, quando você entra em um relacionamento saudável e funcional, pode sentir estranhamento, pois não está acostumado com essa dinâmica. Essa sensação de estranhamento é chamada de ‘química esquemática’, é como se o seu cérebro estivesse mais acostumado com o padrão de relacionamento abusivo que aprendeu na infância”, indica.
“O que leva uma pessoa a abandonar o relacionamento repentinamente? Ou ela está sentindo que aquele relacionamento representa uma ameaça, em que algo ruim que pode acontecer. Ou ela simplesmente achou algo melhor, e, como ela entende que ainda não há vínculos, pode deixar aquele relacionamento, mesmo que tenha alguma conexão afetiva. De repente, uma pessoa percebe que a relação não é tão relevante assim e entende que não precisa mais preservá-la”, elabora o neurocientista e hipnoterapeuta, Thiago Porto.
No caso do psicólogo Fábio Teixeira, depois de tanto tempo, ele percebeu que a relação não acabou “do nada.” “A comunicação entre um casal é a chave para um bom relacionamento. Mas não se engane, é muito difícil comunicar todas as coisas. É preciso estar aberto a também dizer dos problemas, falar das fragilidades. E quando estamos amando e apaixonados, não queremos criar problemas numa relação. E é aí que nós cometemos o erro, porque é importante falar do que é difícil, porque senão você vai engolindo e suportando, esse peso aumenta, e chega um momento que desaba”, afirma.
O que fazer para sair dessa?
Para superar o término repentino, o psicólogo Fábio Teixeira recorreu à prática da ioga e da meditação, além de começar a fazer terapia. “Toda despedida é dor, como diz Shakespeare. Todo rompimento traz sofrimento e trouxe sofrimento para mim também. Só que ao invés de entrar em desespero, eu fiz uma opção de continuar com as minhas práticas e perceber o que estava estou sentindo. Isso tudo contribuiu para que eu atravessasse o momento turbulento”, recorda.
É isso o que indica a psicóloga Carolina Pinheiro. “É importante também se acolher, sentir o que está passando, chorar… Mas é fundamental não fazer isso sozinha, contando com uma rede de apoio tanto profissional quanto familiar e de amizades”, sugere. O neurocientista Thiago Porto indica a hipnoterapia.
“É um dos métodos mais controlados para lidar com um relacionamento fantasma. Mas não é qualquer hipnoterapia: é a apenas a baseada em neurociência, porque conseguimos rastrear de onde está vindo o problema que coloca uma pessoa em um relacionamento fantasma. Depois, a hipnoterapia ajuda a entendê-lo, e, por fim, resolvê-lo, não apenas com estímulos positivos, mas também com estratégias”, afirma Porto.
Diferença entre vínculo fantasma, ghostinge e orbiting
Os termos vínculo fantasma, ghosting e orbiting podem ser semelhantes, mas têm diferenças entre eles. Confira:
Vínculo fantasma
É um relacionamento com conexão emocional intensa, que se quebra repentinamente por uma das partes, uma vez que esta não acredita naquele vínculo da mesma forma que o outro.
Ghosting
O ghosting ocorre quando uma das partes desaparece e deixa de responder mensagens do outro sem motivo aparente. Mas diferentemente do vínculo fantasma, a relação ainda não estava consolidada ou sequer tinha começado fisicamente.
Orbiting
Este é um comportamento que acontece no mundo virtual em que uma das partes orbita diante da outra como um fantasma. Ou seja, pode curtir fotos ou stories, mas nunca iniciar uma conversa. É como marcar uma presença sutil, mas sem nenhuma conexão.