Um dos temas mais sensíveis e delicados para a humanidade tem em junho o seu mês mundial de conscientização, o que permite campanhas internacionais com o intuito de ampliar o debate e esclarecer pontos controversos. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a infertilidade dos casais é encontrada em 30% de homens e mulheres, enquanto em 20% ambos são inférteis e outros 20% apresentam origem desconhecida.
Especialista em reprodução assistida, Guilherme Primo Geber explica que um casal deve procurar assistência especializada no gênero “quando está tentando engravidar há 12 meses sem sucesso, mantendo relações sexuais frequentes e sem uso de métodos contraceptivos”. “No entanto, esse tempo deve ser reduzido para 6 meses se a mulher tiver 35 anos ou mais, ou se houver fatores de risco conhecidos, como irregularidade menstrual, endometriose, cirurgias prévias”, pondera.
Ele ressalta que essa investigação “deve ser feita de forma conjunta, pois a infertilidade é uma condição que pode envolver fatores femininos, masculinos ou ambos”. Esse é um aspecto, aliás, que vem sendo cada vez mais atingido pelo debate contemporâneo, em uma busca para desmistificar a ideia preconceituosa de que a infertilidade é de responsabilidade exclusiva das mulheres.
Guilherme se apoia em dados da OMS, da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA) e da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM) para reforçar que “as causas de infertilidade se distribuem de forma equilibrada entre homens e mulheres”. Para chegar a esse diagnóstico, os primeiros passos envolvem “uma avaliação clínica completa do casal, com coleta de histórico médico”. Enquanto o homem precisa se submeter ao espermograma, a mulher deve realizar avaliação de reserva ovariana e das trompas, além da dosagem hormonal.
Causas
Variando entre 35% e 40%, os fatores femininos para infertilidade incluem ovulações irregulares, endometriose, obstrução tubária e idade avançada; já os masculinos, entre 30% e 40%, estariam ligados à qualidade do sêmen. Quando há alterações tanto decorrentes do homem quanto da mulher, a taxa de infertilidade fica entre 15% e 20%, e o restante, entre 10% e 15% dos casos, é referido como infertilidade sem causa aparente (ISCA), mesmo com exames normais. O médico esclarece que “o estilo de vida exerce influência sobre a fertilidade, mas seu impacto isolado costuma ser moderado”.
“Mudanças como parar de fumar, controlar o peso, reduzir o álcool e adotar uma alimentação equilibrada podem melhorar a saúde reprodutiva e otimizar as chances de sucesso, principalmente em tratamentos como a fertilização in vitro (FIV). No entanto, essas medidas raramente são suficientes para reverter quadros de infertilidade estabelecida”, observa Guilherme. Ele salienta que uma avaliação médica precoce é fundamental. “Aguardar apenas mudanças no estilo de vida pode atrasar diagnósticos importantes, especialmente em mulheres acima dos 35 anos, quando o tempo é um fator crítico”, destaca.
Nesse sentido, a idade aparece como “principal fator isolado que influencia a fertilidade feminina”. “A partir dos 35 anos, a quantidade e a qualidade dos óvulos começam a cair de forma mais acentuada, e, após os 40 anos, essa queda se torna ainda mais evidente, com taxas mais baixas de gestação espontânea e maior risco de aborto ou alterações genéticas no embrião”, informa.
A atenção precisa ser redobrada porque “mesmo com ciclos menstruais normais, a reserva ovariana pode estar comprometida em quantidade e qualidade, e isso impacta diretamente no sucesso de tentativas naturais e também dos tratamentos como a fertilização in vitro (FIV)”, orienta o especialista. Ele aponta que, no caso dos homens, “a fertilidade também sofre efeitos com o avanço da idade, mas de forma mais lenta e menos limitante, havendo uma redução na qualidade do sêmen”.
Opções
O caso do ator norte-americano Robert De Niro, que, aos 79 anos, tornou-se novamente pai, é dado como exemplo. Guilherme atesta que o feito é “biologicamente impossível para uma mulher da mesma idade sem uso de óvulos doados”. “Esse contraste mostra que, apesar de ambos os sexos serem afetados pelo tempo, o impacto da idade é mais determinante e limitante para a mulher”, constata. Apesar disso, opções não faltam para casais com problemas de infertilidade que desejam engravidar, e têm se mostrado cada vez mais diversas e eficientes no cenário atual.
Guilherme explica que a Inseminação Intrauterina, também conhecida como Inseminação Artificial, é “o método menos complexo”, que consiste em preparar os espermatozoides no laboratório e introduzi-los diretamente no útero da mulher no período fértil. “A fecundação ocorre de forma natural, dentro do corpo”, diz, sendo indicada principalmente aos “casais jovens, com leve fator masculino, ovulação irregular ou infertilidade sem causa aparente”. Menos invasiva, ela, no entanto, apresenta taxas de sucesso mais baixas.
No caso da clássica Fertilização in vitro (FIV), é feito o estímulo ovariano com a posterior coleta dos óvulos da mulher. “Os óvulos, então, são colocados junto com preparo de espermatozoides, em laboratório para que a fertilização ocorra espontaneamente em um meio de cultura. Após a fertilização, os embriões podem ser transferidos para o útero da futura mãe”, detalha, indicando o método para quando há “obstrução tubária, endometriose, idade avançada ou falhas em tentativas anteriores de inseminação”. Apontada como a técnica mais eficaz, é utilizada nas causas complexas.
Já a Injeção Intracitoplasmática de Espermatozóide, conhecida pela sigla ICSI, “é uma variação da FIV, em que um único espermatozóide é injetado diretamente dentro do óvulo”. “A coleta de óvulos acontece da mesma forma que na FIV clássica”, sublinha o especialista, destacando que ela deve ser uma opção nos casos de “fator masculino grave, como oligospermia ou baixa motilidade, falhas de fertilização em FIV clássica ou quando há poucos óvulos disponíveis”. Atualmente é, inclusive, o método mais utilizado, especialmente nos casos com prevalência do fator masculino.
Desafios
Com sua larga experiência no ramo, o médico não ignora que “o tratamento para infertilidade, de fato, pode ser emocionalmente desafiador”. “As etapas são longas, muitas vezes imprevisíveis, e envolvem não só investimentos financeiros, mas também um forte impacto psicológico e físico. Por isso, é fundamental que o casal saiba que a infertilidade é uma questão de saúde e deve ser tratada com carinho, acolhimento e o máximo de suporte possível”, afiança.
Um ponto que ele destaca como essencial é “cultivar a resiliência emocional”. “O tempo até a gestação pode variar bastante, mas na maioria dos casos, com o tratamento adequado e persistência, é possível sim alcançar uma gravidez. Não se trata apenas de números ou estatísticas, mas de um processo que exige paciência, confiança na equipe médica e cuidado com o emocional do casal”, garante Guilherme, que estimula o acompanhamento com uma psicóloga especializada. “O ideal é que a paciente possa procurar esse apoio sempre que sentir necessidade, sem burocracia, sem julgamento. Acreditamos que quanto mais ajuda, melhor”, arremata.
Tecnologia a favor do sonho
O médico Guilherme Primo Geber é testemunha de que a reprodução assistida “evoluiu significativamente com o avanço de tecnologias que melhoram a qualidade da assistência e trazem benefícios reais para casos específicos”, auxiliando casais com problemas de fertilidade que sonham em engravidar.
Ele destrincha algumas das técnicas recentes mais promissoras, como o Teste Genético Pré-implantacional (PGT), que “permite analisar embriões antes da transferência, identificando alterações cromossômicas ou doenças genéticas hereditárias”, sendo especialmente indicado para casais com idade materna avançada, histórico de abortamento de repetição ou alterações genéticas conhecidas.
O monitoramento embrionário contínuo, conhecido como Time-Lapse, registra imagens em tempo real do desenvolvimento embrionário, sem necessidade de se abrir a incubadora onde os embriões estão sendo cultivados. “Isso permite uma avaliação mais precisa dos embriões e sua melhor seleção”, afirma o especialista. Os sistemas de inteligência artificial também têm ido a esse socorro, ao analisarem vídeos de Time-Lapse com algoritmos treinados em bancos de dados internacionais.
“A I.A. contribui com uma análise padronizada, objetiva e mais preditiva da viabilidade embrionária, servindo como apoio à decisão clínica, o que não substitui o olhar treinado de uma embriologista experiente”, repara. Na avaliação de Guilherme, esses recursos “melhoram a qualidade do processo, tornam o tratamento mais individualizado e, em determinados perfis de pacientes, podem aumentar as taxas de implantação ou reduzir o tempo até a gestação”.
“É importante esclarecer, porém, que ainda não há evidência de que essas tecnologias, isoladamente, levem a um aumento expressivo das taxas globais de nascidos vivos. O principal impacto é sobre a eficiência, a segurança e a personalização do cuidado, e não sobre uma elevação drástica do número final de bebês por ciclo iniciado. É preciso usar essas ferramentas com critério e ética, alinhadas com a realidade clínica de cada paciente. Tecnologia é uma aliada, mas o centro do tratamento continua sendo o cuidado humano”, finaliza.