Em um texto capaz de sacudir até o leitor mais distraído, a escritora Marina Colasanti faz uma reflexão sensível sobre como nos habituamos a coisas às quais não deveríamos. “A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia”, diz ela, em um dos trechos.

O texto também aponta como nos deixamos ser atropelados por uma rotina automática, sem nos dar conta da própria existência no mundo. De maneira semelhante, a fim de provocar uma reflexão em quem atende, a psicóloga especializada em terapia cognitivo-comportamental Simone Miranda Felipe faz um questionamento aos pacientes no primeiro atendimento clínico. “Eu sempre pergunto: ‘Por que você está fazendo o que está fazendo?’. Muitos dos meus pacientes ficam paralisados, porque nem sempre estão alinhados com seus objetivos de vida”, revela.

De fato, na maior parte do tempo, devido à famosa correria, torna-se natural não fazer uma reflexão aprofundada sobre os próprios dias. Mas, para que a existência encontre o mínimo de sentido, uma vez por outra é importante se perguntar: “O que eu estou fazendo da minha vida?”. A resposta para esse questionamento está diretamente relacionada à forma como lidamos com o tempo. Ou seja, a quantidade de energia que gastamos com algo diz respeito ao valor que damos aquilo. A reportagem de O TEMPO foi às ruas para entender se as pessoas têm aproveitado o dia com qualidade ou apenas se deixado levar pelo correr das horas. 

A dona de casa Edith Almeida Lacerda, 85, afirma que aproveita ao máximo o seu tempo. “Tenho um dia a dia normal, levanto cedo, preparo meu almoço e depois vou para a academia. À noite, vejo novela. Sou muito feliz, e isso que é importante. Minha vida é maravilhosa”, celebra. Com a mesma energia, o aposentado José Matos Muniz, 72, conta que, depois de ter trabalhado muito ao longo da vida, agora curte a aposentadoria. “Faço caminhada e não tenho que cumprir obrigações. Aos domingos, faço um trabalho voluntário de assistência social a pessoas carentes. Só tenho a agradecer a Deus”, diz.

Já a analista comercial Maíra Alves Costa e Silva, 31, revela que precisa se desdobrar para dar conta de tudo. “Trabalho, estudo e ainda sou mãe em tempo integral. É complicado, porque em alguma das coisas você vai falhar. Ou você escolhe fazer tudo porcamente, ou decide por algo para fazer bem-feito”, reflete. O garçom Erick Régis, 27, conta que boa parte dos seus dias é dedicada ao ofício. “Trabalho muito, sobra pouco tempo para fazer o que eu gostaria, como estudar ou praticar atividades físicas. Além disso, sou muito desorganizado”, admite.

Por que não temos consciência sobre a própria vida?

A psicóloga Simone Miranda Felipe avalia que a sociedade enxerga que uma pessoa sobrecarregada está comprometida com o próprio sucesso. “Por conta disso, as pessoas ficam muito ocupadas, fazendo várias coisas ao mesmo tempo. Dessa maneira, elas não conseguem parar para pensar nos próprios desejos. O resultado disso são pessoas desconectadas com seus valores, e, consequentemente, mais deprimidas e ansiosas”, pondera.

Além disso, existem outros fatores envolvidos em uma rotina exaustiva, como questões de gênero e econômicas. Pesquisa encomendada pela Nubank Ultravioleta apontou que mulheres gastam mais do seu tempo livre do que os homens com a limpeza da casa (49%), com trabalhos domésticos (29%) e com cuidado com os filhos (26%). “Muitas vezes, a sociedade espera que as mulheres desempenhem múltiplos papéis, como cuidar da casa, dos filhos e da carreira e ainda manter a aparência física. Isso pode impactar negativamente o tempo de qualidade que elas têm para si mesmas, para descansar, se cuidar e realizar atividades que as fazem felizes”, avalia a psicóloga clínica com mais de 30 anos de experiência Alessandra Assis.

A falta de recursos financeiros também pode afetar o tempo de qualidade do ser humano. “Isso faz com que as pessoas se envolvam com o trabalho mais do que o adequado. Vejo pessoas com poucos recursos trabalhando 18 horas por dia para conseguir suprir as contas básicas da casa. Por outro lado, temos pessoas que ganham muito dinheiro, mas que têm uma relação disfuncional com ele. Elas tentam suprir necessidades emocionas supérfluas e acabam se afastando de emoções reais, como estar com a família, cuidar dos filhos, descansar e se divertir”, avalia Simone.

Dicas para se organizar

Para conseguir gerir melhor o tempo, a psicóloga Alessandra Assis recomenda que “devemos refletir sobre as nossas prioridades, gerenciar o tempo que passamos procrastinando com as redes sociais e refletir sobre o que agrega ou não”. “É importante saber se organizar”, indica. Para conseguir ajustar a rotina, ela aconselha usar a tabela de Eisenhower, que ajuda a distinguir tarefas urgentes das importantes. 

“Alguns hábitos de autocuidado são importantes para quem deseja ser mais produtivo e ter uma longevidade saudável. Ter um olhar atento ao que te faz bem pode fazer total diferença em uma rotina cheia de compromissos”, aponta Alessandra. “É importante ressaltar que, se não cuidarmos da nossa saúde mental e física, ninguém fará isso por nós. Por esse motivo, é importante conseguir tempo para se cuidar e se reconectar com sua essência e valores, independentemente de qualquer contexto”, complementa a psicóloga Simone Miranda Felipe.