“Spicy” quer dizer “apimentado” em inglês. Logo, uma literatura com esse nome deve conter cenas quentes, carregadas de tensão sexual. Mas não se iludam: esse subgênero que vem ganhando popularidade no Brasil é o mais “soft”, em termos de erotismo. Portanto, antes de encomendar o livro só pelo sabor da novidade, é bom saber direitinho as diferenças entre “spicy”, “hot” e “erótico”.

Autora de romances nesse segmento, Mhorgana Alessandra destaca que o uso da nomenclatura “spicy” acaba gerando confusão. “No Brasil, temos um tipo de definição que é mais generalista e, em nível mundial, há outras. Aqui a gente usa mais o termo ‘hot’, mas essa categorização vai depender muito do mercado editorial, que vai mudando os termos. Em alguns lugares você vai ver também ‘new adult’ (‘jovem adulto’)”.

Apesar de os nomes estarem relacionados muito à cultura de cada país, existem, sim, algumas distinções importantes, como aponta Alessandra. “Elas são muito semelhantes, tendo como premissa a sensualidade e a sexualidade, mas são categorias diferentes”, salienta a escritora e pesquisadora, doutoranda e mestre em literatura.

“Cada uma vai diferir na relação dos personagens com a abordagem, o fio da trama e a intensidade desse lado erótico. Eu costumo dividir mais em ‘spicy’, ‘hot’ e ‘erótico’. No caso da ‘spicy’, ela tem como características principais histórias que incluem cenas sensuais – apimentadas mesmo, como a própria tradução diz –, mas a sexualidade não é o foco central”, explica Alessandra, que já lançou dois romances do gênero.

“Ela combina enredos que são envolventes, que têm momentos de química, uma tensão no fio da narrativa entre os personagens. A sensualidade vem complementar o desenvolvimento da trama. É um romance de entretenimento, com uma narrativa romântica e um toque de sensualidade. A intensidade dessas cenas vai de leve a moderada e, em alguns momentos, ela pode ser explícita”, observa.

Alessandra cita como exemplo o livro “Corte de Espinhos e Rosas”, de Sarah J. Mass, que mistura fantasia, romance e instantes sensuais. “Ele ficou famoso no mundo todo justamente por conta desse tipo de narrativa. É diferente de ‘After’, de Anna Todd, que apresenta uma literatura ‘hot’, que tem uma quantidade e um detalhamento de cenas que são sexuais mesmo”, compara.

“Na ‘hot’, a sexualidade tem papel significativo. É um elemento essencial na construção do relacionamento dos protagonistas e entre os personagens, de forma geral. O propósito é ser um romance de entretenimento, mas com foco na excitação também. Ele tem um equilíbrio na narrativa romântica, mas com uma intensidade maior de cenas sensuais, com descrições mais explícitas e mais frequentes que na ‘spicy’”, diferencia.

Tanto na “spicy” quanto na “hot” há um atrelamento ao romance, como frisa a escritora, só que, na “hot”, a abordagem da sexualidade se faz necessária para o desenvolvimento da narrativa. “Em ‘After’, há cenas passionais e um apelo psicológico grande, além de muitas sequências descritivas”, comenta.

Já na literatura erótica, a sexualidade é o núcleo da narrativa. “O propósito dela é tratar desse tema, com o romance vindo por baixo disso. Geralmente se explora o desejo humano, a fantasia, o fetiche... São obras muito carregadas de cenas explícitas e frequentes e que, às vezes, abordam tabus e assuntos profundos, como violência sexual”, assinala Alessandra, citando “50 Tons de Cinza”, de Erika James, que foi adaptado para o cinema.</CW>

“O tema de ‘50 Tons’ é o BDSM (sigla que denomina um conjunto de práticas de estimulação sexual consensuais, como bondage, dominação, submissão e masoquismo), mas você tem um romance por trás. O erotismo é o principal”, registra. Alessandra não lembrou títulos escritos por mulheres por acaso. “Noventa por cento desse mercado é consumido e feito por mulheres”.

Ela destaca que é um mercado muito vantajoso, em termos de remuneração. Outro detalhe que chama atenção é que boa parte das mulheres é de autopublicação – ou seja, os próprios autores colocam as obras em plataformas para venda, sem intermediação de editora. “É um gênero muito popular e que pode ser vendido em qualquer rede social ou mídia hoje. Ele ficou conhecido porque vai falar de coisas que as pessoas têm muito interesse e têm vergonha de procurar. Na Amazon, está entre os mais vendidos”.

Para deixar o coração mais quentinho

Aline Damasceno já até perdeu a conta de quantos livros do gênero já escreveu. “Nem eu sei direito. Acho que são 19. Lá na Amazon, vai ter mais, porque tem os contos eróticos”, diverte-se. A autora mineira não se preocupa muito com categorizações. Ela tem uma concepção própria, formada por sua experiência como escritora e leitora do gênero. 

“A diferença que estabeleci na minha cabeça é que o ‘hot’ tem uma descrição mais picante, mas o objetivo dele é trabalhar com emoções na construção do relacionamento de um casal, ilustrando a história. No ‘erótico’, a relação do casal começa a ser construída a partir do sexo. Essa é a principal diferença”, afirma.

Ela mesma distingue a sua escrita de outras obras do segmento, chamando-o de “romance hot romântico”, sem se preocupar com a redundância. “A construção se dá como uma ‘slow burn’ (termo usado no audiovisual para romances construídos ao longo da trama). Eu sou bastante descritiva, mas não considero erótico porque meu foco é um romance mais doce, com poucos conflitos”.

Aline começou a se interessar pelo gênero depois de ver, numa gôndola de supermercado, alguns antigos romances de banca, como “Bianca” e “Julia”. “Gostei e fui comprando mais e mais. Uma amiga minha, Jessica Macedo, que é autora desse tipo de romance, sugeriu para eu escrever”,

O projeto foi engavetado, e Aline começou outro, baseando-se numa cena de romance de banca que tinha lido. “Ele foi publicado, e não parei mais de escrever essas histórias”, salienta a escritora, que se volta principalmente para o mercado digital, “que está bem em alta”, segundo ela. “As editoras nacionais preferem os livros de fora”.

O interesse feminino por esse segmento, de acordo com Aline, tem a ver com uma idealização de romance que acompanha as mulheres desde muito jovens. “Vem muito dos romances de banca, que as meninas liam de forma proibida, já que os pais não deixavam, por conta das descrições”, assinala.

“E tem muito o romance que deixa a gente com coração quentinho, que é meu foco”, define. E, bom que se diga, as histórias são majoritariamente em cima de  relações heterossexuais, muitas vezes com um domínio masculino. “Tem sim um destaque para romances com bilionários, que brinca com a questão da imaginação, de uma vida que a gente não conhece. Mas não é só fantasia, e sim não merecer estar naquilo que às vezes ela se encontra”.