O ano acabou de começar, e é natural que questões mal resolvidas venham à tona para serem olhadas com mais atenção. O perdão é uma delas. Desculpar alguém pode ser uma tarefa difícil, especialmente se o outro sequer se arrependeu pela falha cometida, mas para começar bem um novo ciclo é fundamental superar uma mágoa e seguir em frente.

Entretanto, nem sempre conseguimos fazer o mesmo conosco. Perdoar a si por erros do passado pode exigir certo esforço, uma vez que nos acostumamos a não sermos gentis com a gente mesmo. 

Desculpar o outro pode ser mais fácil porque conseguimos diferenciar o erro do ser humano. “Mas, ao perdoar a si mesmo, nos deparamos com a dificuldade de separar nossas ações de quem somos, o que pode gerar a sensação de inadequação e responsabilidade excessiva”, comenta psicóloga Jessica Silva.

Além disso, perdoar alguém é mais simples porque envolve olhar apenas para as atitudes do outro, explica a psicóloga Carolyne Costa Salvador. “Quando se trata de nos perdoar, enfrentamos o desafio de aceitar nossos próprios erros”, diz Carolyne. 

Vivemos em uma cultura que cobra perfeição e sucesso a qualquer custo, e isso pode criar a ideia de que o erro é algo passível de constante condenação, avalia a psicóloga Jaqueline Maia.

“Quando falhamos, acabamos sendo muito críticos conosco, como se a autocrítica fosse a única forma de crescer, quando, na verdade, o crescimento vem do processo de aprendizado, que inevitavelmente conterá erro. Olhar para si com gentileza é essencial, mas, para muitos, é como remar contra a maré, exige prática e intenção”, analisa Jaqueline. 

Uma das principais razões dificultam o autoperdão é a tendência humana de evitar o desconforto emocional, porque, biologicamente, somos programados para evitar ameaças e buscar a sobrevivência.

“Isso, no contexto moderno, muitas vezes se traduz em viver no piloto automático, evitando confrontos internos. Buscando então a nossa sobrevivência, a autocrítica serve um papel. No entanto, quando ela é elevada, ocorre a ativação do nosso sistema de defesa, liberando cortisol e gerando um quadro de estresse crônico. A dificuldade com o autoperdão, portanto, muitas vezes está vinculada a uma resistência em enfrentar nossas próprias imperfeições”, sintetiza Carolyne.

Além disso, temos a crença de que precisamos ser resilientes o tempo todo. “As pessoas acreditam que, se forem gentis consigo mesmas, estarão ‘passando a mão na própria cabeça’ ou ignorando a gravidade do que fez”, aponta Jaqueline.

E culpa, quando mal processada, pode se tornar um peso emocional que impede a aceitação das falhas. “Muitas pessoas, ao cometerem erros, internalizam a culpa de maneira tão profunda que acreditam que não merecem perdão, o que dificulta ainda mais o processo de se libertar dessa carga”, ressalta a psicóloga Jéssica Silva.

As raízes da dificuldade em se desculpar a si próprio podem estar na infância. Quando uma criança ouve ser mentirosa, incompetente ou má, ela tem a tendência de misturar esses comportamentos com a própria identidade.

“Como orientadora parental, sempre oriento os pais, por exemplo, a trocar esse tipo de palavra por: ‘você mentiu’, ‘você cometeu um erro’, ‘você fez uma maldade’. Enfatizar o comportamento que pode ser mudado ajuda nessa dissociação do que somos com o que fazemos”, explica a psicóloga Jaqueline Maia.

Por que praticar o autoperdão é importante?

Conseguir se perdoar delas pode ser um processo desconfortável, mas é libertador, uma vez que, ao praticá-lo, novas habilidades são desenvolvidas, como coragem e valorização do amor-próprio. “Para perdoar a si mesmo, é necessário cultivar a autocompaixão, tratando-se com a mesma gentileza com que trataria um amigo que tivesse cometido o mesmo erro. O autoperdão não significa justificar o erro, mas aceitá-lo como parte do aprendizado e crescimento. Ele exige paciência, prática e uma mudança de perspectiva sobre a imperfeição humana”, sustenta a psicóloga Jéssica Silva.

A autocompaixão, a propósito, é essencial para facilitar o autoperdão, pois envolve três aspectos fundamentais: autobondade, humanidade compartilhada e atenção plena, identifica a psicóloga Carolyne Costa Salvador.

“A autobondade nos incentiva a tratar nossas falhas com amor e compreensão, ao invés de nos criticarmos duramente. A humanidade compartilhada nos lembra que errar é parte da experiência humana e que todos enfrentam dificuldades, reduzindo a autocobrança. Já a atenção plena nos ajuda a observar e aceitar nossas emoções sem exagerá-las ou negá-las. Juntos, esses elementos criam um ambiente interno acolhedor que permite aprender com os erros e seguir em frente de forma mais leve”, indica a especialista.

Mas, afinal, como conseguir perdoar a si mesmo? A psicóloga Jaqueline Maia indica alguns passos. Confira:


1. Reconheça o erro: identifique o que aconteceu sem tentar minimizar ou exagerar a situação.

2. Separe o seu comportamento da sua identidade: as suas ações podem ser mudadas e um erro não define quem você é.

3. Entenda o contexto: considere as circunstâncias, suas intenções e suas limitações naquele momento.

4. Valide seus sentimentos: permita-se sentir culpa, tristeza ou qualquer outro sentimento, pense neles como algo passageiro que você sente, mas depois eles vão embora.

5. Repare, se possível: caso tenha prejudicado alguém, procure reparar o dano, seja com um pedido de desculpas ou uma ação positiva.

6. Pratique a autocompaixão: lembre-se de que errar faz parte da experiência humana. Trate-se com o mesmo cuidado que você ofereceria a um amigo em situação semelhante.

7. Reenquadre o erro: veja-o como uma oportunidade de aprendizado e crescimento, em vez de um reflexo do seu valor como pessoa.