Enquanto pesquisava as festas de orgias entre homens, que reúnem grupos de até 200 participantes, o antropólogo Victor Hugo Barreto esbarrou no que parece um dilema: por um lado, para estar nesses eventos, na maioria das vezes, o esperado era que os frequentadores se adequassem a certo padrão de corpo – no caso, um corpo que, no imaginário popular, está associado à figura do “espartano”, ou seja, um homem que performa uma masculinidade demarcada pela virilidade, pela macheza; por outro lado, na observação de campo, o que o pesquisador percebeu foi que aqueles que não estavam propriamente alinhados aos ideais de beleza eram os que mais desfrutavam do prazer – em quantidade e intensidade.
A situação, descrita no livro “Festas de Orgia para Homens, Territórios de Intensidade e Socialidade Masculina” (ed. Deviris, 2021), fruto da tese de doutorado de Barreto, embora restrita a um universo específico, é emblemática de uma encruzilhada comum à prática do sexo também em outros grupos sociais e dialoga com a crença de que pessoas que se aproximam mais dos intangíveis padrões de beleza e físico corporal teriam vantagem quando o quesito é nutrir uma vida sexual mais prazerosa e até concorrida.
Como já explicitado, na prática, não foi isso o que o doutor em antropologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) percebeu. “Bem ou mal, existe uma hierarquia de corpos na nossa sociedade, que obedece a uma lógica constituída a partir da reprodução de um modelo ideal. E, quando você gasta muito tempo construindo aquele seu corpo, moldando-o – o que demanda um significativo investimento de tempo e dinheiro –, a tendência é que você passe a querer se relacionar só com quem também se dedica a construir um corpo assim. Daí aquela frase tão comum em aplicativos de quem busca sexo informando que só fica com quem se cuida, com quem tem corpo definido etc.”, menciona.
“Quando estamos falando de espaços coletivos, como as festas de orgia, essas pessoas acabam escolhendo demais, sendo mais criteriosas e não fazem tantas coisas como aquelas que não se encaixam tanto nesses moldes idealizados, que tendem a aproveitar mais”, assegura. Cenário análogo pode ser observado também nas festas tradicionais, nas quais pessoas que se destacam pela aparência nem sempre são as que mais flertam e se divertem com ficantes.
Mas Barreto pondera que o tipo de troca que o grupo mais “padrão” deseja talvez prescinda das interações sexuais propriamente ditas. “Não é por ser a mais bonita, a mais gostosa, que a pessoa vai transar mais. E pode ser que o que essa pessoa deseje seja justamente ser olhada, ser desejada, mais do que chegar ao sexo. Então, talvez a gente esteja falando de um prazer mais narcisista”, reflete. “Se isso vai ser suficiente, vai de cada um”, conclui.
Ansiedade
A preocupação excessiva com a própria aparência tem ainda outros desdobramentos, como aponta um estudo publicado pela revista científica “Body Image”, que relaciona questões de imagem corporal ao namoro.
Tendo ouvido cerca de 500 pessoas com idade média de 21 anos, a pesquisa, encabeçada pelo departamento de psicologia da Anglia Ruskin University em Cambridge, na Inglaterra, sugere que os jovens adultos que se importam muito com a própria imagem estão mais suscetíveis a maiores níveis de ansiedade e de estresse social quando vão ter um encontro.
Os resultados do estudo não surpreendem o psicólogo Matheus Alves. Especialista em análise de comportamento, ele nota ser comum que toda a expectativa gerada por um “date”, somada à pressão estética – fenômeno relacionado à expectativa social para que todos se adéquem, a todo custo, aos padrões de beleza vigentes, que é universal, mas afeta principalmente as mulheres e os jovens adultos – e à noção equivocada de desempenho – segundo a qual deve-se, obrigatoriamente, alcançar excelência em toda e qualquer atividade e em qualquer circunstância –, tende a gerar certo desconforto, principalmente em pessoas que demonstram uma preocupação excessiva com a própria imagem.
Alves ainda ressalta que a ansiedade antes de um encontro, relacionada à expectativa de aprovação, é algo perfeitamente natural e até esperado. “Isso se torna prejudicial quando a pessoa começa a se autossabotar. Ou seja, se gera um prejuízo social, se esse sujeito deixa de ter a oportunidade de uma troca social com uma parceria em que ele tem interesse unicamente por questões estéticas e de insegurança, então temos um problema”, destaca.
Mais bonitos e liberais
Ainda que cultivar um corpo mais próximo dos padrões de beleza socialmente desejados não represente necessariamente mais satisfação sexual, há indícios de que pessoas consideradas bonitas, mesmo sendo mais seletivas, tendem a ser mais permissivas quando o assunto é sexo. É o que se pode inferir de uma pesquisa conduzida pelo cientista social Robert Urbatsch, da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos.
Conforme o levantamento, pessoas classificadas como “muito atraentes” pelos seus pares geralmente tinham opiniões moralmente menos rígidas do que as consideradas “nada atraentes”. O primeiro grupo tende a ser mais favorável ao sexo antes do casamento e ao sexo gay, por exemplo.