Nos Estados Unidos, o aumento progressivo do número de partos de mulheres com mais de 40 anos e o declínio da taxa de fecundidade na adolescência levaram a uma inversão na relação entre os dois grupos, de maneira que, pela primeira vez na história norte-americana, mais bebês nasceram de mães 40+ do que de adolescentes.

Conforme dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), 4,1% dos partos nos EUA em 2023 foram realizados pelo grupo com mais de 40 anos, enquanto 4% foram de adolescentes. Uma realidade que já foi bem diferente. Em 1990, 12,8% dos nascimentos eram de adolescentes e apenas 1,2% eram de mulheres 40+.

No Brasil, essa balança ainda pende mais para a maternidade na adolescência na comparação com o grupo com mais de 40 anos, mas, no país, também há uma tendência para a aproximação entre esses percentuais – ainda que longe de uma paridade –, como indicam cálculos realizados pela demógrafa Raquel Zanatta Coutinho a pedido da reportagem.

Professora adjunta no Departamento de Demografia e Programa de Pós-Graduação em Demografia da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (Cedeplar/UFMG), ela explica que, no ano 2000, um em cada cinco filhos registrados eram de mães adolescentes (de 15 a 19 anos). Em 2010, essa proporção caiu para 18,4%, chegando a 11,4% em 2023. Já as mulheres com mais de 40 anos eram responsáveis por 2,2% dos nascimentos em 2010, chegando, hoje, à marca de 4,3%, conforme dados do ano passado.

“A gente vem caminhando no sentido de uma redução das adolescentes no percentual de filhos nascidos vivos e aumento da representação desse outro grupo, que é o de mulheres mais velhas”, situa a estudiosa.

Para ela, esse fenômeno representa, na maioria das vezes, um adiamento. Ou seja, as mulheres que teriam filhos mais jovens passam a ter em idade mais avançada. A decisão, porém, pode ter consequências, como a dificuldade dessa mulher de ter o número de filhos que, inicialmente, gostaria de ter tido. “Se ela está planejando ter dois, mas deixa para tê-los com mais idade, pode ser que ela não consiga concretizar esse desejo”, cita, alertando que a chamada “gravidez tardia” precisa ser acompanhada de perto, por estar associada a mais riscos – tanto para o feto quanto para a mulher.

Os apontamentos dela estão alinhados aos da ginecologista obstetra Mônica Nardy. Em entrevista a O TEMPO, ela destaca que pacientes que buscam tratamento para ter filhos após os 40 anos devem ser informadas que a chance de sucesso não é garantida. 

“Devemos lembrar que, geralmente, a gravidez tardia implica riscos. Estatisticamente, temos 50% de chance de perda gestacional no caso da fecundação espontânea depois dos 40 anos. Outros riscos devem ser observados. Para o bebê, temos as cromossomopatias, e, para a mãe, doenças relacionadas ao ciclo gravídico, como o hipotiroidismo, o diabetes e a hipertensão gestacional”, adverte.

A médica ainda ressalta que o histórico de vida da mulher também é um fator a ser observado. “Sabemos também que hábitos de vida saudáveis – como uma boa qualidade de sono, uma alimentação balanceada e uma rotina de atividades físicas e de controle do estresse – contribuem para a fertilidade, uma vez que beneficiam processos de ventilação celular, melhorando a qualidade dos embriões”, comenta, lembrando que, se a paciente já está no climatério (fase de transição entre a fase reprodutiva e a não-reprodutiva), pode ser indicada reposição hormonal ou o uso de fármacos, recursos que contribuem para que a gravidez transcorra com mais segurança.

Motivação

Para Raquel Zanatta Coutinho, um amplo leque de fatores estão por trás da decisão de adiar a maternidade. “Sem dúvida, o primeiro desses motivos está ligado ao prolongamento da trajetória educacional e do foco na carreira, uma vez que cada vez mais mulheres têm buscado e conseguido se inserir em níveis mais elevados de ensino e no mercado de trabalho, enquanto a maternidade é vista como um fator que compete com esses objetivos profissionais, acadêmicos e objetivos de vida”, avalia. “Então, na busca por essas outras realizações, ela acaba deixando a maternidade, que é para o resto da vida, para depois”, complementa.  

Outro elemento a ser considerado, que dialoga com essa priorização da busca pela consolidação formativa e profissional, diz respeito a um desejo de, primeiro, alcançar alguma estabilidade para, depois, ter filhos. “Por isso, em momentos de crise, a tendência é que haja uma predisposição para segurar o comportamento reprodutivo”, situa. Neste espectro, o medo de cenários extremos provocados por crises econômicas, sanitárias e até aquelas decorrentes das mudanças climáticas entra na conta, assinala a estudiosa, acrescentando que, ainda no campo da incerteza, a qualidade dos relacionamentos também entra nessa equação: “Muitas enfrentam rupturas de união, que levam ao adiamento, e esperam ter certeza de que estão com os parceiros certos para, então, decidir ser mãe, o que pode levar tempo”.

Raquel situa que todas essas questões ganham relevo em razão das mudanças socioculturais quanto ao papel da mulher na nossa sociedade. “Se, antes, esse papel estava restrito ao da reprodução, hoje, ele é múltiplo, com a mulher inserida na esfera pública, participando do mercado de trabalho e se tornando participante ou até a principal responsável da renda domiciliar”, indica.  

Além disso, obviamente, a popularização e democratização dos métodos contraceptivos entra na conta. “As pessoas têm mais informações sobre o funcionamento do seu próprio corpo, sobre os riscos das relações sexuais desprotegidas, além de conhecer mais os métodos de contracepção – inclusive com entendimentos daqueles que são os mais eficazes – e de ter mais acesso a eles”, sinaliza, lembrando que, décadas antes, a falta de informações levava muitas a utilizar técnicas pouco eficazes, como a tabelinha e o coito interrompido, que ampliam as chances de gestações não planejadas.

Simultaneamente, é preciso considerar também o papel das técnicas de reprodução assistida. “Sem dúvida, são tecnologias que permitem a conciliação desses planos profissionais e reprodutivos, dando à mulher melhores condições de se planejar”, cita. Mas ela pondera que o congelamento de óvulos ainda é muito caro e está disponível de maneira ainda muito limitada no Sistema Único de Saúde (SUS).

Direito reprodutivo

Raquel Zanatta Coutinho lembra que mulheres com mais de 40 anos sempre tiveram filhos. “Só que, historicamente, nessa idade, elas estavam no seu sexto filho, não no primeiro”, contrasta, argumentando que, embora possa causar estranhamento, a decisão de ser mãe com mais idade não costuma representar uma estigmatização dessas mulheres. 

“Geralmente, estamos falando de mulheres de alta escolaridade, que têm autonomia e que tendem a não serem julgadas por seus pares”, observa, inteirando que isso não significa que essas mães não possam sofrer com episódios de preconceito, que não chegam a se converter, na maioria dos casos, em um estigma social a mais.

A análise ecoa um fato incômodo: em qualquer idade, mulheres tendem a sofrer penalidades ao serem mães. “O estado, o mercado e as instituições escolares não estão preparados para acomodar os planos reprodutivos e profissionais da mulher. Então, ao ser mãe, essa mulher pode perder seu emprego, ter sua carreira paralisada e perder chances de promoção, por exemplo”, explica. 

Por isso, a demógrafa defende que a sociedade – sobretudo os empregadores e os governos – devem agir para criar condições que permitam à mulher conciliar maternidade e carreira, sem necessidade de adiamento, criando programas como creches subsidiadas ou públicas de alta qualidade e adesão a uma rotina mais flexível, para que, por exemplo, essa pessoa possa acompanhar seu filho em consultas pediátricas. Incentivos fiscais e programas de crédito para tratamentos de fecundidade também ajudam.

E, claro, o dever de casa para a promoção de uma sociedade mais justa para as mães se estende ao papel dos pais. “É preciso pensar o papel dos companheiros nessa dinâmica, pois, se a mulher foi para a esfera pública, o homem não fez esse mesmo movimento em relação a assumir funções no trabalho doméstico e de cuidado. Então, é preciso também combater essa desigualdade de gênero nos cuidados com o lar e com os filhos”, conclui.