Dia das Mães

A vida sexual na gravidez e no pós-parto

Especialistas admitem que a perda de interesse pelo sexo no período subsequente ao nascimento do filho é um fenômeno frequente


Publicado em 07 de maio de 2021 | 03:00
 
 
 
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Meio escondida no cardápio da plataforma HBO, a minissérie espanhola “La Vida Perfecta” se destaca por levantar questões pouco abordadas sobre a gravidez, ao acompanhar a personagem Maria (Letícia Dolera) em sua primeira gestação – no caso, não planejada e fora de uma relação estabelecida. Entre elas, o desejo sexual que, em dado capítulo, grita em seu interior, mesmo com o barrigão já bastante avantajado e sem um parceiro em vista. Na mesma toada, Carmen, a melhor amiga da protagonista, ressente-se ao perceber que, após o nascimento das duas filhas, seu marido passou a vê-la apenas como uma figura materna, e não mais como uma mulher que, apesar dos cuidados com a prole e da agitada vida no escritório, quer, sim, e muito, manter a vida do casal ativa na cama. Carmem e Maria são personagens ficcionais, mas reverberam questões que muitas mulheres que já se tornaram mães (ou estão em vias de se tornar) compartilham. 

É fato que, na gravidez, ao sabor das alterações hormonais que caracterizam o período, algumas mulheres podem se deparar com a perda total ou parcial da libido, enquanto outras, ao contrário, veem-na se acentuar. Da mesma maneira, no puerpério – ou mesmo nos primeiros anos de vida das crianças – é comum o desejo sexual se arrefecer. Quem acompanha a vida das celebridades certamente se lembra de a apresentadora Sabrina Sato confessar o quanto foi difícil retomar o sexo com o marido, Duda Nagle, logo após o nascimento da primeira filha do casal, há dois anos e cinco meses. “(O prazo de) 40 dias para retomar o sexo, como recomendam os médicos, muitas vezes parece piada. É claro que demora muito mais do que isso para (a mulher) sentir vontade de novo. A maternidade real é uma mãe que passa a noite inteira sem dormir, amamentando, cansada, não tem como…”, declarou, à revista “Crescer”, citando como outro fator que costuma frear o desejo as mudanças ocorridas no corpo da mulher. 

Foi justamente esse somatório de fatores que a administradora hospitalar Tatiana Auxiliadora de Jesus vivenciou cinco anos atrás, quando deu à luz Sophia. “A minha gestação não foi planejada, e, como veio quando eu já estava próxima dos 40 anos, e com excesso de peso, digo que a minha libido começou a cair no exato momento em que eu soube (da gravidez). Além disso, pesou o fato de eu não estar em uma relação estabelecida há mais tempo, e, assim, o período foi mais de resguardo, inclusive para a segurança da criança”, conta ela, que pensa de modo similar ao expressado por Sabrina Sato, no sentido de que o tempo para a mulher retomar a vida sexual depende uma série de fatores, variando de mulher para mulher. “A verdade é que, tanto na gravidez quanto logo após se tornar mãe, a mulher sente medo, ansiedade, insegurança, desespero, cansaço. No meu caso e, mais uma vez, talvez pelo fato de a minha relação (com o pai) não ser sedimentada, além de pela própria questão do corpo, da aceitação de como você está se vendo, posso dizer que só depois de aproximadamente um ano eu consegui retomar a minha sexualidade”. 

Tendo vivido essa experiência, Tatiana não se furta a dar um conselho a quem está passando por situação similar. “Sim, o novo assusta, mas isso não deve ser motivo de vergonha, de esconder-se da situação”. Caso a pessoa não consiga por si só vencer essas barreiras, ela sugere a procura por uma orientação profissional adequada, “para saber como passar por esse momento de forma mais leve”. “Muitas vezes não é de fato possível avançar se não houver um apoio”. Mãe de Benjamin, a apresentadora Titi Müller nunca teve pudores em compartilhar detalhes de sua vida sexual durante a gravidez e no pós-parto, com o firme propósito de ajudar outras mulheres. Em entrevista ao VivaBem, do portal Uol, ela falou da perda de desejo na etapa final da gravidez, do sexo às vésperas do parto e do puerpério, admitindo: “É muito estranho ser os pais que estão transando no quarto ao lado”. 

 A sexóloga Sônia Eustáquia garante que, mais que comum, a perda de interesse pelo sexo no período subsequente ao nascimento do filho chega a ser “normal”. “Além de o corpo da mulher estar muito mais voltado a uma doação – física e psicológica – ao bebê, em um fenômeno que a gente chama de ‘simbiose’, há outros fatores em cena, como a variação hormonal, a nova rotina de vida estabelecida pela chegada do bebê, com o decorrente cansaço... Nesse momento, o sexo pode ficar em último plano – ou mesmo nem ter plano para ele. Na minha opinião, é preciso que os maridos tenham bastante compreensão nesse momento e que também se deixem entregar à paternidade, compartilhando com a mãe todo esse processo”, pontua ela, chamando a atenção para a palavra que escolheu usar. “Prefiro dizer ‘compartilhar’ a ‘contribuir’”. 

Sônia pondera que, à medida que o sono do bebê vai adquirindo certa regularidade, o corpo da mulher se recupera do pós-parto e ela vai se adaptando às novas condições, a tendência é a de que esse interesse pela sexualidade vá paulatinamente retornando. “Esse processo (de reativação do interesse pelo sexo no pós-parto) é mais acelerado no homem muito em função do fato de que, nele, a mudança provocada pela gravidez acontece mais no nível emocional, psicológico, não no físico. A mulher, por sua vez, está ali, possivelmente amamentando, naquele cuidado que a gente chama de ‘maternagem’. Assim, demora um pouco mais a recuperar esse desejo – muitas vezes, pode levar até um ano”. 

Mesmo confluindo na opinião de que cada experiência com a maternidade e com a sexualidade é profundamente singular – “pois vai depender da história de cada mulher com a maternidade, com aquele filho, com o próprio corpo, com a própria sexualidade, com o seu relacionamento” –, a psicanalista Érica Toledo também acredita que a crise do desejo que sucede o nascimento de uma criança tem muito a ver com fatores de ordem prática. “O cansaço, o sono, o corpo que mudou, os papéis familiares que mudaram... Como é a presença, a participação, daquele companheiro na divisão das tarefas... Tem essas questões operacionais todas”. 

Mas, por outro lado, ela chama a atenção para um fenômeno importante, que vem percebendo nos tempos atuais. “A crise do desejo, atualmente, não está acontecendo só com as mães, que, sim, estão cansadas, muitas vezes sem o suporte dos parceiros e sem o suporte social para lidar com as crianças. Ela é mais profunda. Escuto muitas mulheres que não são mães, por vezes, nem sequer casadas, e que já estão abandonando a sexualidade”, adverte. 

Para Érica, as mulheres ainda estão, de certa forma, ocupando um lugar mais passivo em relação à sexualidade. “Muitas mulheres ainda estão muito acostumadas a encarnar o papel de desejável e, assim, se tornam objeto do desejo do outro. Tentam corresponder às fantasias de corpo que esperam da gente, da roupa que esperam que a gente vista e de todas essas coisas que transformam a mulher em alvo. Não são muitas as que estão no lugar ativo de dizer: ‘O que eu quero da sexualidade?’. ‘O que de fato o meu corpo gosta?’. ‘Quais as minhas experiências com a sexualidade (e aí desde que eu era criança) que construíram a minha fantasia?’. Muitas mulheres ainda não produzem esse pensamento, essa construção, e um significado para si mesmas. E, aí, o encontro não acontece”, constata. 

Construir uma relação com a sexualidade de maneira mais contínua, honesta, verdadeira e profunda é o que Érica propõe. “Porque em momentos como o pós-parto, (na lida) com crianças pequenas, acaba emergindo, vindo à tona, uma relação conflituosa, pouco saudável, meio abandonada da sexualidade de forma geral. Eu aconselharia essas mulheres a pensarem na relação delas com o próprio corpo, com o próprio prazer, com o próprio desejo. Possivelmente, ali, no pós-parto, o que ocorreu é que as questões que emergiram, na verdade, já estavam ali, mais fundas”. 

Conselhos de uma mãe e terapeuta 

Casada há 20 anos, após nada menos que seis de namoro, e mãe de um garoto de 12 anos, a instrutora de yoga e terapeuta quântica e de saúde integrativa Carol Kelmer acredita que os casais devem se esforçar para não perderem o tesão. “Minha dica é a de que tenham uma agenda para eventualmente estar junto, sem o filho. Escolher um dia da semana para jantar fora, fazer algum programa. Bem, agora, na pandemia, sem poder sair, separar um tempo para um vinho, práticas que os dois curtam... Eu e meu marido gostamos muito de usar o óleo essencial de ylang-ylang, que tem poderes afrodisíacos. Mas cada casal vai encontrar aquilo que conecta suas partes, saindo um pouco da rotina casa-filho-trabalho, de todas essas demandas que a gente tem que dar conta na vida. E, ainda, em datas comemorativas, como aniversário de casamento, reservar um final de semana para uma viagem sem os filhos”. 

Outra iniciativa que ela acrescenta é que cada um procure se cuidar para manter a autoestima elevada. “Com isso, digo: manter uma boa alimentação, a atividade física em dia, cuidar da mente, quem sabe meditar diariamente. Cuidar de corpo, mente e alma, porque, claro, primeiro temos que estar bem para nós mesmos. Sentir-se bem, estar com a saúde em dia e um corpo legal – não estou falando de estar com o abdômen trincado. Mas é se sentir bem com você mesmo para estar bem para o outro. E esse estar bem para o outro inclui relacionamento sexual, afetivo, relacionamento de amizade... Porque o casamento envolve várias facetas, além da sexual. Envolve também manter a parceria, a amizade”. 

Para Carol, nutrir todas essas áreas corrobora para o casal manter um relacionamento abundante de sucesso, mantendo acesa a chama do amor. “Porque, senão, acaba virando um relacionamento de dois amigos dentro de casa, ou irmãos, como acaba acontecendo em muitos relacionamentos. A paixão vai esfriando, e as pessoas ficam ali, apenas dividindo o lar, as tarefas, a família. Acaba aquela paixão, aquela relação homem e mulher, que é tão importante. Perde-se o brilho nos olhos”.

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