Marco regulatório

Anvisa aprova regras para terapias que alteram DNA

Medida abre espaço para pesquisa e tratamento de doentes sem cura


Publicado em 19 de fevereiro de 2020 | 06:00
 
 
 
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A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou ontem um marco regulatório para a oferta de terapia gênica, que inclui técnicas de modificação do DNA com fins medicinais e celular no Brasil. A norma traz critérios para que empresas possam obter o registro dos chamados “produtos de terapias avançadas”.

Na prática, a medida abre espaço para pesquisas e a oferta desse tipo de tratamento, considerado uma aposta em casos de pacientes com doenças raras ou sem alternativas terapêuticas disponíveis. Até então, as regras existentes visavam apenas o aval ao desenvolvimento de estudos clínicos. Agora, a agência cria uma nova categoria para registro desses tratamentos no país.

“É uma categoria que inclui tanto produtos de terapia gênica, que vem para revolucionar o tratamento de doenças genéticas, quanto os de terapias celulares. Podemos ter, por exemplo, uma célula que é modificada geneticamente para atacar diretamente um tumor, ou uma célula organizada para reparar um tecido lesionado”, afirma Renata Barca, especialista da agência que trabalhou na regulamentação. 

Atualmente, a Anvisa monitora ao menos três estudos clínicos com terapias gênicas e celulares avançadas. Dois produtos também já tiveram pedidos de registro protocolados, mas faltava a aprovação das regras para que a análise pudesse ocorrer. Um deles é indicado para tratamento de distrofia de retina hereditária, e outro é para distrofia muscular espinhal.

Para o relator da medida, o diretor Fernando Mendes, a norma permitirá o desenvolvimento, no Brasil, de terapias que podem ser aplicadas em casos em que não há outras alternativas. “Isso poderá trazer acesso para a população que não tem mais nada de arcabouço terapêutico”, afirma.

Segundo João Batista Silva Jr, da gerência de sangue, tecidos, células e órgãos da Anvisa, a aprovação das novas regras abre espaço para que o SUS e planos de saúde possam avaliar a oferta de possíveis terapias que forem registradas.

A aprovação foi comemorada por representantes de empresas farmacêuticas e pacientes com doenças raras que acompanharam a reunião. O grupo, porém, manifestou preocupação em relação ao acesso devido ao custo dos tratamentos. O preço é tido como um dos principais impeditivos.

Promessa contra o câncer: EUA usam geneterapia desde 2017

Um marco importante para a área veio em agosto de 2017, quando a FDA (agência americana que regula fármacos e alimentos) aprovou pela primeira vez o uso de uma forma de geneterapia nos EUA, no intuito de enfrentar um tipo de leucemia (câncer sanguíneo). Pouco depois, em outubro, a mesma agência deu aval a uma técnica similar, voltada para o tratamento de certos linfomas.

Essa é uma das grandes promessas da terapia gênica: ir à raiz dos problemas que desencadeiam o câncer. Todo tumor surge de mutações, ou seja, alterações nas “letras” químicas que compõem o genoma, ou conjunto de DNA das células. Tais mutações promovem o crescimento desordenado das células tumorais à custa do restante do organismo e, frequentemente, não são detectadas pelos sistemas de vigilância do corpo. 

Se fosse possível alterar geneticamente esses sistemas de defesa para que soubessem de antemão como atacar os tumores, ou se houvesse meios de corrigir o DNA das próprias células do tumor, a doença seria desarmada “por dentro”.

A tática tem potencial para ser menos invasiva do que procedimentos cirúrgicos ou radioterapia e mais específica do que a quimioterapia, que acaba afetando células sadias. 

Além disso, pode alcançar tumores que, por estarem localizados em áreas sensíveis, como o cérebro ou o entorno de artérias, hoje são considerados inoperáveis. O problema é que os estudos são muito recentes, e ainda não se sabe se a técnica pode trazer malefícios a longo prazo.


O que muda
- A medida abre espaço para pesquisas e oferta de terapias gênicas e celulares, consideradas um aposta.

- A técnica poderá ser usada em pesquisas clínicas ou nos casos de pacientes com doenças raras ou sem alternativas terapêuticas.

- Para receber o aval, empresas devem apresentar dossiês com dados de segurança, qualidade e eficácia.

- Em alguns casos, poderá haver autorização condicional para terapias com estudos de eficácia (chamados de fase 3) ainda em desenvolvimento.

 

Experimental
Os pesquisadores estão testando várias abordagens da terapia gênica, como:

- Substituir um gene alterado que causa doença por uma cópia saudável.

-  Inativar um gene mutante que funciona incorretamente.

- Introduzir um novo gene no corpo para ajudar a combater uma doença – usando, por exemplo, vírus.

- “Editar” o gene usando a enzima Cas9 junto com um RNA “guia” para “recortar” a parte que é de interesse no DNA (Crispr)

- A terapia gênica ainda é uma promessa para várias doenças hoje sem cura (incluindo doenças hereditárias e alguns tipos de câncer), mas a técnica permanece arriscada e ainda está sendo estudada para garantir que seja segura e eficaz. 

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