Saúde e bem-estar

Arte: com ela, dá para seguir adiante e ser mais feliz

Artistas e especialistas garantem que produtos culturais têm o potencial de promover bem-estar


Publicado em 01 de junho de 2021 | 03:00
 
 
 
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“Foram as artes dramáticas, a música, o cinema, a dança, a cultura em geral, que nos ajudaram a seguir em frente, tornando tudo um pouquinho mais leve”. Foi com essa reflexão que o humorista Paulo Gustavo encerrou o especial “220 Volts”, apresentado em dezembro do ano passado na Rede Globo. O trabalho foi o último realizado pelo ator, que morreu em 4 de maio deste ano por complicações decorrentes da Covid-19. Com palavras que ganharam o peso de uma despedida, Paulo Gustavo usou o espaço e o prestígio para fazer à sociedade um convite à reflexão sobre o papel da arte na vida de cada um e de todos, e sobre a necessidade de uma maior valorização do fazer artístico.

A mensagem do humorista ainda fez ecoar a crença de que a a arte salva. E é esse o sentimento que move o artista e ativista social Rodrigo Robleño, mais conhecido por seu trabalho com o Palhaço Viralata. “Os trabalhos artístico-culturais, desde tempos mais remotos, ajudam o ser humano a se relacionar com o mundo, a superar seus problemas e a desenvolver habilidades como as de resiliência, criatividade e cooperação. Agora, nos tempos em que tudo se faz remotamente, não vai ser diferente”, garante ele ao refletir sobre sua própria experiência prática e cotidiana à frente de projetos que exploram a interface social no trabalho com a palhaçaria.

No programa Sociedade do Riso, por exemplo, Robleño se junta a uma equipe de voluntários que são treinados para realizar apresentações e para interagir com pacientes em hospitais e com idosos em asilos. “É um trabalho que é bom para todos”, assegura, dizendo que, a partir desse contato frequente com a arte, plateias em situação de vulnerabilidade conseguem construir repertório para lidar melhor com suas aflições.

“E isso vai se desdobrar em toda a dinâmica de funcionamento desses lugares. Nós temos estudos que investigaram como, durante nossas visitas, essas pessoas mudam de postura e se colocam mais atentas ao momento presente. Mas não pense que essa mudança é passageira. São muitos os relatos de que, após esse trabalho, a relação com cuidadores, com cuidados médicos e com colegas de quarto se tornam mais amistosas”, situa.

“Ao mesmo tempo, se engana também quem pensa que os voluntários não ganham, pessoalmente, com essa iniciativa”, complementa Robleño. “Quando nos dedicamos ao exercício da arte, temos a chance de ampliar nosso campo de visão. É algo que eu presencio quando vejo médicos que, após participarem do projeto, contam que mudaram a forma como se relacionam com seus pacientes”, explica. 

 

Ir além

Devido à pandemia e às medidas de isolamento e de distanciamento social, o programa Sociedade do Riso precisou ser reeditado. No ano passado, experimentalmente, foram realizadas visitas por videochamadas e serenatas na porta de asilos.

A experiência foi positiva, de forma que, neste ano, a retomada das atividades, ainda por via online, está programada para junho. “Com o coronavírus, ficou ainda mais cristalina a necessidade de essas ações acontecerem. A arte, afinal, é um suporte para que a gente possa ir além, para que a gente possa mais do que apenas sobreviver”, defende Rodrigo Robleño.

 

Partindo desse mesmo pressuposto, a psicóloga Renata Livramento concorda que as produções artístico-culturais são fundamentais na vida das pessoas. Fato este que é posto em relevo em momentos de crise. “Essas iniciativas têm o potencial de promover bem-estar e saúde mental, seja para aqueles que as consomem ou para aqueles que as produzem”, assinala a fundadora e presidente do Instituto Brasileiro de Psicologia Positiva (IBrPP). E, de fato, não faltam evidências de que a arte tem funções terapêuticas.

Em 2019, um relatório produzido pelo Escritório Regional para a Europa da Organização Mundial da Saúde (OMS) já destacava que atividades artísticas podem não apenas ser úteis ao tratamento de problemas físicos e mentais, como também são um fator de prevenção. O documento – que examinou mais de 900 publicações globais, se tornando a análise mais abrangente sobre o tema até o momento – também apontou benefícios desse recurso para o apoio dos cuidados no final da vida.

Arteterapia. “A experiência que alcançamos por meio da arte, seja consumindo ou produzindo, nos tira um pouco da dureza da realidade e nos permite a conexão com nossas emoções, que podemos perceber refletidas nas expressões artísticas”, defende Renata. Não por outro motivo, essa possibilidade – de olhar para nossas próprias emoções e, então, nos entendermos melhor com nós mesmos – é explorada na arteterapia, um campo da psicoterapia que aplica técnicas como o teatro e a pintura no combate a transtornos de ansiedade e de depressão, por exemplo.

Cultura que ensina

Para além dos diversos benefícios que dificilmente podem ser mensurados objetivamente, o jornalista e produtor cultural Beto Feitosa, que há 25 anos está à frente do projeto musical Ziriguidum, lembra que os produtos da cultura foram fundamentais para salvar vidas à medida que possibilitaram que mais pessoas conseguissem ficar em casa, apesar do momento de angústia e incerteza. “Algumas décadas atrás, quando o acesso a esse acervo virtual era bem menor, seria muito mais difícil convencer as pessoas a não sair. Por isso, acredito que essa possibilidade de se conectar e de desfrutar de um cardápio extenso de produções – como filmes, séries e lives – salvou vidas”, avalia.

A análise está em sintonia com apontamentos da Organização das Nações Unidas (ONU). Em um relatório, a entidade ressaltou que, durante epidemias, as artes em geral cumprem papel importante para a conscientização da população. O documento menciona que essas manifestações foram importantes, por exemplo, para o enfrentamento dos surtos de ebola e HIV.

Falta apoio. Paradoxalmente, enquanto ajudavam milhões de pessoas a lidarem melhor com a situação de adversidade, os próprios artistas e demais trabalhadores da cultura passaram a sentir na pele os efeitos econômicos e sociais da pandemia. O setor é um dos mais afetados pela crise. Atento a esse fenômeno, Beto Feitosa rapidamente começou a elaborar planos alternativos para dar algum suporte a esses trabalhadores.

Foi assim que surgiu o festival “Ziriguidum em Casa”, que vem sendo realizado há um ano e três meses. A iniciativa foi uma das primeiras a buscar soluções para a remuneração de artistas, abrindo uma conta para colaborações espontâneas do público durante as transmissões. “A verba arrecadada é dividida entre uma instituição diferente a cada edição, os artistas que participam e a produção do festival”, explica Beto, detalhando que as doações podem ser feitas através de um QR Code que é exibido durante as lives ou por meio de um link. Mas o produtor ressalta que a iniciativa não é propriamente uma fonte de renda. “O valor, em geral, é mais simbólico. Nesse sentido, a exemplo da Lei Aldir Blanc, é crucial que a gente pense em políticas públicas para apoiar esses trabalhadores”, pontua.

 

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