O banheiro é o lugar predileto do cantor e ex-Beatle Paul McCartney para escrever suas canções. A escritora britânica Agatha Christie usava seus momentos na banheira para pensar nas histórias de seus mais de 100 romances policiais. É sentado no vaso sanitário que o músico e compositor alagoano Djavan costuma compor as suas melodias e letras. À primeira vista, pode parecer estranho que o lugar da casa com funções muito bem preestabelecidas — cuidar da higiene pessoal e fazer atividades fisiológicas — seja utilizado para outros fins, mas o hábito é mais comum do que se possa imaginar.
Além de um local para extravasar a criatividade, há quem use o banheiro para relaxar ou mesmo para escapar do convívio com o outro. Pesquisa realizada em 2018 pela Pebble Grey, marca inglesa de produtos para o cômodo, revelou que um terço dos homens britânicos usa o espaço para ter um pouco de “paz e sossego”. O levantamento apontou também que 25% dos homens entrevistados não saberia lidar com crianças e com a companheira se não pudessem escapar para o banheiro ocasionalmente.
O artifício, porém, não é exclusivo do público masculino. Psicóloga clínica especialista em terapia cognitivo-comportamental, Jaqueline Maia diz que é comum ouvir de mulheres o hábito de ‘fugir’ para o banheiro quando precisam de um tempo para si. “Muitas mulheres utilizam desses recursos, principalmente quando se sentem muito cansadas. Atendo muitas famílias, e com frequência ouço as mães dizendo que ‘fugiram’ para o banheiro por 10 a 15 minutos para dar uma descansada na mente, enquanto os filhos estavam com o marido ou com a babá”, exemplifica.
O cômodo também é escolhido por muitos para funcionar como o spa da casa. Não à toa, cada vez mais têm aparecido no mercado produtos que proporcionem relaxamento no local, como duchas com sistema de som integrado, banheiras desmontáveis e luminárias com cromoterapias — prática em que se usa cores variadas para harmonizar as energias do corpo. A professora e ceramista Valéria Salaz tem seus próprios métodos para transformar o banheiro de casa em um oásis de relaxamento.
“Acendo várias velas e apago todas as luzes do banheiro. Também coloco uma música: dependendo do meu humor, se preciso relaxar ou descansar, procuro uma música mais tranquila, acústica. Se quero um momento de diversão, coloco uma playlist mais animada”, indica Valéria, que explica quando começou a usar o cômodo para suas pausas. “Eu estava tendo pequenas crises de ansiedade e precisava de muito silêncio. Como moro com meus pais, funciona para mim também como um momento de privacidade, em que sei que ninguém vai me incomodar, especialmente durante o banho”, enfatiza.
Local para autorregulação emocional
Manter a privacidade, a propósito, é um dos principais motivos para que o banheiro seja o local de refúgio da casa ou do trabalho, segundo a psicóloga Jaqueline Maia. “O banheiro é um cômodo de qualquer ambiente que oferece maior privacidade, seja em casa ou no ambiente de trabalho. Ele pode servir como uma válvula de escape para autorregulação emocional, como, por exemplo, chorar sem ser visto ou criticado”, evidencia.
Na visão da especialista, o espaço é um local mais indicado quando não há outras opções de relaxamento instantâneo. “O banheiro é escolhido, pois oferece maior privacidade, sem que a pessoa seja interrompida ou vista de alguma forma. Isso dá a ela a sensação de conforto e tranquilidade, conseguindo relaxar e se tranquilizar mais rapidamente”, aponta Jaqueline.
A psicóloga, porém, faz um alerta: o espaço não pode ser utilizado como o único e exclusivo ambiente para descanso. Quando isso acontece, “significa que a pessoa pode estar sobrecarregada ou desorganizada em sua rotina”, diagnostica. “O melhor é reavaliar e reorganizar suas atividades diárias, para que elas sejam realizadas com tempo e lugar adequados”, aconselha.
Além disso, cuidar da saúde mental é fundamental para um relaxamento pleno. “Se a pessoa não cuidar da própria mente, não encontrará a tranquilidade que deseja ou precisa. Os espaços harmônicos e bonitos ajudam, mas não são eles os responsáveis por acalmar e harmonizar nossa mente. O cuidado com a própria saúde mental é que irá proporcionar isso. A partir daí, mesmo em meio a um caos, haverá paz interior”, argumenta.
Como saber se estou fugindo ou descansando?
Jaqueline enxerga como positivo escolher o banheiro como o oásis da casa, mas é preciso estar atento para entender se as idas intermináveis ao cômodo são apenas um mecanismo de fuga. “Diferentemente do recurso da autorregulação emocional, em que a pessoa dá uma pausa no momento da emoção forte de raiva ou ansiedade, para evitar uma reação negativa e depois resolver com calma e diálogo, na esquiva, há apenas o desejo de fugir do momento desagradável e voltar quando aparentemente a situação se encerrou. No entanto, o problema não se resolve e fica cada vez mais difícil de lidar, podendo gerar grandes problemas futuros”, pondera.
Para entender em qual das situações você se encontra, ela ensina uma técnica. “Em uma folha de papel, faça duas colunas. Na primeira, coloque como título ‘Uso convencional’, e, na outra, ‘Uso de escape’. Durante uma semana, anote as vezes nas quais utilizou o banheiro e marque a opção da coluna correspondente. Caso use um momento para as duas situações, anote nas duas colunas. Ao final, avalie o quanto você tem usado o banheiro como refúgio. Se for maior ou igual ao uso convencional, busque avaliar o motivo e busque soluções. Procurar um profissional pode ajudá-lo”, sugere.