Rio de Janeiro. Cientistas identificaram pela primeira vez um indivíduo que é um híbrido de duas espécies humanas arcaicas que dividiram a Terra com os humanos modernos (Homo sapiens) até cerca de 30 mil anos atrás.
Conhecidas como “neandertais” e “denisovans”, essas populações se espalharam pela Eurásia dezenas de milhares de anos antes de nossos ancestrais diretos saírem da África, sendo que a primeira se concentrou no oeste do continente e a segunda, só recentemente descoberta a partir de restos encontrados em uma caverna na região de Denisova, na Sibéria, mais ao leste.
Análise de DNA, no entanto, indica que ao menos um dos indivíduos da caverna de Denisova, na atual Rússia, tinha mãe neandertal e pai denisovan, confirmando suspeita dos cientistas de que as duas espécies se encontraram e se miscigenaram com certa frequência na pré-história.
O genoma, de uma garota com idade estimada em 13 anos na época de sua morte, há cerca de 90 mil anos, foi sequenciado a partir de amostras colhidas de um único osso longo achado na caverna por cientistas russos, em 2012, e levado para investigação pela equipe liderada por Svante Pääbo, no Instituto Max Planck para Antropologia Evolucionária em Leipzig, na Alemanha.
“Sabíamos a partir de estudos prévios que os neandertais e denisovans deviam ter tido filhos juntos ocasionalmente, mas nunca pensei que teríamos sorte o bastante de achar uma prole real dos dois grupos, foi algo incrível”, destaca Viviane Slon, pesquisadora do instituto alemão e uma das primeiras autoras de artigo sobre a descoberta, publicado nesta quarta-feira (22) na prestigiada revista científica “Nature”.
Genoma. “Assim, com apenas um genoma pudemos detectar múltiplas instâncias de interação entre os neandertais e os denisovans”, resume Benjamin Vernot, também pesquisador do Instituto Max Planck para Antropologia Evolucionária e coautor do estudo na “Nature”.
Diante disso, reforça Pääbo, é de se imaginar que a miscigenação entre neandertais e denisovans era mais frequente do que se pensava. “É extremamente notável termos encontrado esta criança neandertal-denisovan entre apenas uns poucos indivíduos arcaicos cujos genomas já foram sequenciados. Os neandertais e denisovans podem não ter tido muitas oportunidades de se encontrarem, mas, quando se encontraram, devem ter se cruzado frequentemente, muito mais do que pensávamos antes”, comemora o pesquisador.
Genética
Herança. Os Homo sapiens coexistiram com várias outras espécies humanas arcaicas e se misturaram com muitas delas, o que deixou uma herança genética de proporções significativas.
Achado ajuda a entender fluxo das espécies pela ‘Eurásia’
Rio de Janeiro. A descoberta vai ajudar os pesquisadores a entender a movimentação das espécies pela Eurásia. Ele vai permitir obter informações sobre a cronologia da movimentação de ambas as espécies pelo continente. O DNA mostrou que a mãe da menina era geneticamente mais parecida com neandertais que viveram mais ao oeste do que integrantes da espécie que habitavam há mais tempo a região da caverna, indicando que os neandertais migraram de um lado para outro da Eurásia muito antes de seu completo desaparecimento.
Já o pai denisovan teve pelo menos um ancestral também neandertal muito mais longe em sua árvore genealógica, entre 300 e 600 gerações antes de ter nascido, indicando que os grupos já tinham se encontrado outra vez muito tempo antes.