Tutela responsável

Coelhos não são brinquedos de Páscoa

Criar esses animais em casa exige uma série de cuidados – em particular, a alimentação – e bom investimento financeiro


Publicado em 21 de abril de 2019 | 03:00
 
 
 
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Se há uma opinião unânime entre aqueles que resolveram eleger os coelhos como seus pets é a de que esses bichinhos não devem jamais ser encarados como opção de presente de Páscoa. “Coelho não é brinquedo”, frisa a educadora física Luziara Diniz, a Tia Lu, 53, reverberando a opinião de um time que reúne muitos adeptos. A ênfase é justificável. Embora seja um animal que arranca com facilidade o adjetivo “fofo”, o coelho, como todo ser vivo, demanda uma série de cuidados. E, ao se darem conta disso, não são poucos os que decidem descartar o animal. Foi com esse o cenário que o makeup artist Breno Toccafondo se deparou quando, ao adquirir seu primeiro minicoelho, a angorá Maria Laura, quis participar de uma comunidade virtual de “coelheiros”. “Foi frustrante: o que mais rolava no feed eram ofertas de doação”, lembra. 

Inconformado, Breno postou no grupo um gif do personagem Pernalonga chorando, junto a palavras que ecoavam seu estranhamento. “E, curiosamente, ninguém me agrediu. Mas acabei procurando outra comunidade”, diz ele, que, além de Maria Laura, hoje também é tutor de Beatriz e Letícia, essas, da raça Netherland Dwarf. A transformação de Breno em “coelheiro” foi fruto do acaso. 

Amante declarado de animais, ele tem em casa um santuário, com espécies distintas. Um dia, ao ir a um pet shop abastecer a despensa da “família”, se deparou com Maria Laura. “Até ali, nem sabia que existia raça de coelho”, diverte-se ele, que, na ocasião, pediu para segurar o bichinho. “E ela ficou absolutamente quietinha. Pensei: ‘gente, não tem condição!’. Fiquei horas sentado ali, elaborando a desculpa que daria em casa. Ao fim, resolvi que, sim, ia fazer aquilo por mim (tê-la)”, narra.

As duas outras foram adquiridas em criadouro certificado. Hoje, além dos dentuços, ele tem cinco aves, dois cães, reptéis, a chinchila Otávio e dois porquinhos da índia skinny (sem pelos).

Proveniência. Ao comprar seus coelhos, Breno fez o procedimento correto. A origem do animal é um ponto fundamental. Luziara, por exemplo, sofreu um trauma logo na sua primeira investida, ao comprar um coelho em um lugar de qualidade não certificada – o animal morreu logo na sequência. “Não pensei que iria sofrer tanto”, relembra, ainda traumatizada. A conselho do filho, procurou um criadouro certificado. Chegou lá aos prantos, mas já voltou para casa com Isabella, a Bella, que também tem sobrenome: o mesmo da tutora. Hoje, “mãe” também de Gabriel, o Bi, ela vê nos bichinhos um pilar de sustentação emocional na sua luta contra um câncer. Aliás, foi durante uma internação necessária para o tratamento que percebeu a necessidade de ter outro coelho: na ausência da tutora, Bella passou a comer o pelo do corpo. Hoje, os dois Teddy Dweg dormem com Lu, que ressalva: “Eles me dão vontade de viver...”. Justamente pelo amor aos animais, ela volta ao alerta dado no início dessa matéria.

“Coelhos exigem uma série de cuidados. Descobri que o Bi, por exemplo, tem oclusão dentária e, para se alimentar direito, precisa fazer periodicamente um desgaste do dente, com profissional especializado”, exemplifica. Outro investimento é na castração. A médica especializada em animais silvestres Marcela Ortiz conta que a dos machos é facultativa. “Opta-se mais pelo comportamento, já que marcam muito território, podem até querer copular na perna das visitas... Mas, nas fêmeas, é importante – e deve ser feita antes de um ano. Primeiro, por controle, dentro do conceito de posse responsável, já que um casal de coelhos pode gerar até cem filhotes por ano. E também porque, na natureza, as coelhas ou estão sempre procriando ou amamentando. Já criadas como pets, não, o que favorece a incidência de um câncer chamado carcinoma de útero”, relata.

Saiba mais

Limpos. Marcela lembra que, como os gatos, os coelhos fazem a própria higiene se lambendo.

Especificidade. Ela acrescenta que, devido à microbiota específica, a eles não são dados vermífugos.

Crepusculares. Respeitar os hábitos do animal é fundamental. Os coelhos não são animais diurnos. 

É preciso atenção aos alimentos

A veterinária Marcela Ortiz conta que o erro que as pessoas que decidem ter um coelho como pet mais incorrem tange à alimentação. “O coelho pet é outro mundo, outra filosofia. Na criação para abate, dá-se ração de produção, sem se preocupar com o colesterol do animal, por exemplo”. O pet, precisa, entre outras coisas, de uma montanha de folhas. Podem ser as mesmas que humanos consomem: “Inclusive o alface”. </CW><CW-30>Ela lembra ainda que eles dispensam banhos, mas precisam que o pelo seja escovado todos os dias – do contrário, tal como os gatos, podem se formar bolas de pelo que, ao serem lambidas, vão para o organismo. “E a taxa de sobrevivência em cirurgias para retirá-las é abaixo dos 10%”, adverte. 

A castração, por sua vez, já é mais habitual, como pontua a médica veterinária e cirurgiã Júnea Maria Cordeiro Menezes. Ela salienta que a operação exige do anestesista um protocolo bem particular, visto que o metabolismo dos coelhos é mais rápido e, portanto, pode absorver mais rapidamente a sedação. Mas afiança que o pós-operatório costuma ser bem tranquilo. “A gente toma um cuidado especial para garantir que o animal volte a se alimentar em pouco tempo. Normalmente se faz um suco com itens como maçã, couve e feno para estimular a volta do apetite. Geralmente, em 48 horas ele já está readaptado. Eventualmente, a roupa cirúrgica é colocada (para evitar que a coelhinha tente morder a região dos pontos)”.

Tutores ressaltam a interação e a personalidade

A universitária Renata Rocha, 25, sempre sonhou em ter a companhia de um cão ou gato. Por ainda morar com os pais, recebeu sucessivos nãos. Ao se deparar com uma postagem de minicoelhos no Facebook, não resistiu. Foram seis meses para convencer os genitores, mas, com o esperado consentimento, partiu em busca de um coelho, que seria branco ou bege. Quis o destino, porém, que a cinza Lolita aparecesse à sua frente – e foi paixão à primeira vista. “Superou minhas expectativas. A gente pensa que coelho não interage, mas ela é engraçada, geniosa... parece até um gato!”, compara.

Hoje, Renata integra o grupo Coelhinhos Mineiros Uai, que nesta época do ano, espontaneamente, trata de fazer soar o alerta para que as pessoas não façam dos bichinhos presentes de Páscoa. “Eles são animais muito sensíveis, exigem uma série de cuidados. A ração pode até ser mais barata, mas o animal requer acompanhamento de veterinário especializado (em animais silvestres), tem a castração, cuidados para evitar a formação de bolas de pelo...”, enumera ela, que, no entanto, hoje não trocaria a sua Netherland Dwarf de 3 anos e alguns meses por um cão ou um gato.

O mesmo acontece com Breno Toccafondo, que faz tudo para garantir a qualidade de vida de seus bichinhos: a alimentação inclui damascos, uva-passa, linhaça, quinoa, alface e outras hortaliças e complementos vitamínicos. Ele conta que, quando Laurinha procriou, a prole foi doada mediante uma série de exigências. “Fiz até contrato com cláusula proibindo que fossem destinados a consumo ou outras funções, pois vejo-os como meus netos. E, ainda, exigi que, se desistissem do animal ao longo da vida, o devolveriam a mim”.

Na casa de Breno, os coelhos são ativos. Os bichos têm à disposição um bom espaço, com atrativos como rampas. Não bastasse, Maria Laura também virou estrela no Instagram. “Os stories dela têm mais views que os meus (risos). Muita gente acompanhou a gravidez dela – inclusive, filmei o parto”. E não, Maria Laura nunca estragou os móveis de seu tutor. Quem se incumbe dessa função, vale dizer, é o buldogue Antonio.

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