Mãe de três, avó de nove e bisavó de três, Marli Vani, 71, garante que a relação com as noras só fez melhorar depois do nascimento dos netos e bisnetos dela. “Acho que isso aconteceu porque, na verdade, a chegada de uma nora foi, para mim, o equivalente à chegada de uma filha. Sempre nos relacionamos bem, em plena harmonia. E, com o nascimento das crianças, nos aproximamos ainda mais”, celebra.
Já o autônomo Ian Gomes Freitas, 24, diz não ter a mesma sorte. Para ele, a chegada dos netos costuma, na maioria das vezes, ser motivo de atritos entre sogra e nora. “Acho que as avós tendem a querer tomar conta da relação, a dar muitos palpites e, mesmo que com boa intenção, acabam passando por cima da autoridade da mãe, gerando conflitos”, sugere.
Quem diverge dele é Angela Fonseca, 74, que não é sogra nem tem netos. “Minha experiência é mais de quem olha de fora. Mas, desse ponto de vista, o que percebo é que os tempos mudaram. Antes, a relação entre sogra e nora era mais difícil, mas isso não é tão presente hoje. Inclusive, às vezes, um neto pode ser motivo de aproximação, e não de discórdia, desde que cada uma saiba seu lugar”, avalia.
Como denunciam as respostas ouvidas pela reportagem, como qualquer interação humana, as relações entre sogra e nora são complexas e diversas. Há casos onde as partes se davam bem até que o nascimento de uma criança se tornasse um fator estressor, revelando diferenças antes suprimidas. Há também situações em que, antes, elas até podiam não se bicar, mas que, com a chegada de uma criança, se reconciliaram, apoiando-se mutuamente.
Evidentemente, há ainda histórias em que a chegada dos netos apenas reforçaram uma tendência que já era percebida. Nesses casos, aquelas que se davam bem vão ficar ainda mais próximas, e aquelas não tinham boas trocas vão ver a relação azedar de vez.
Impacto negativo
Na hipótese de afetar negativamente a relação entre sogra e nora, o psicólogo clínico Rodrigo Tavares Mendonça destaca que a chegada de um novo membro à família pode gerar um tensionamento no que chama de “batalha de influência”. “Quando a nova família depende dos avós para cuidar dos netos, o conflito ganha um novo elemento, pois o poder dos avós sobre a família do filho e nora cresce, podendo intensificar o conflito”, considera ele, que é especializado no atendimento de casais e famílias.
A psicoterapeuta familiar sistêmica Mara Camargo concorda. Para ela, o nascimento do filho e neto pode tornar mais explícita a discordância entre as partes. “A sogra tem na cabeça dela o que é certo para a educação do neto, mas a mãe pode pensar diferente. Elas são de gerações diferentes, possuem visões distintas também sobre como criar uma criança. Óbvio que isso pode gerar um conflito, mas é algo que faz parte das relações humanas e que deve ser tratado com maturidade”, salienta.
Nesses casos, os desdobramentos podem ser graves, gerando, inclusive, o rompimento entre as partes. Para evitar esse tipo de situação, Mendonça recomenda a atuação dos filhos e maridos, que não devem se furtar à tarefa de mediar os conflitos. “São eles que devem estabelecer uma fronteira clara com sua família de origem. Isto é, devem construir as possibilidades de interação e impor limites entre uma interação aceitável e uma invasão. Se isso não for feito, sua companheira pode tentar fazer isso por ele, porém certamente suas tentativas serão vistas pela família de origem, especialmente a mãe, como uma tentativa de dominação do filho ou de afastamento dele da convivência familiar. A reação pode gerar uma batalha de influência sem fim”, assegura.
Impacto positivo
Por outro lado, é preciso também considerar a hipótese de a chegada do novo membro impactar positivamente as relações intrafamiliares. “Para que isso aconteça, é preciso aceitar que todos são responsáveis por si mesmos, que, se sofremos influência de uma pessoa, nós somos os responsáveis por aceitar essa influência, não o outro por exercê-la”, salienta Rodrigo Tavares Mendonça.
“Essa compreensão pode desestimular a entrada em uma batalha de influência, pois cada um é responsável por si. Aceitar as diferenças, especialmente na educação dos filhos e netos, é mais um caminho essencial para a paz. Aceitar que se pode estar errado, em vez de apenas responsabilizar os outros, estar aberto para uma autorreflexão individual ou com ajuda profissional, é fundamental para encontrar uma solução quando se vive um conflito”, aconselha o profissional.
Mara Camargo segue na mesma linha e sugere bom senso para que as dinâmicas familiares não esmoreçam em um momento que deveria ser de celebração. Ela menciona que, para a construção de uma estrutura harmoniosa, é fundamental que a avó não queira se sobrepor à autoridade materna. Contudo, lembra que, se os pais precisam que a sogra fique com a criança para que, por exemplo, possam trabalhar, então devem ter tolerância e entender que ela terá seus métodos.
Nesse cenário, se tudo correr bem, a verdade é que a relação entre as partes pode ser muito proveitosa e saudável para todos.
“Se estamos falando de relações familiares saudáveis e funcionais, sem dúvida é importante que os avós se façam presentes na vida de seus netos. Assim, eles podem auxiliar no desenvolvimento da criança, que passa a conviver com novas referências, além dos pais, aprendendo com a sabedoria que um idoso pode transmitir”, opina a psicóloga Gabriella Cirilo, mestre pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Aliás, a partir dessas relações, é possível uma interação de ganho mútuo, dado que o idoso também pode aprender e experimentar novas vivências junto dos seus netos”, avalia.
Ela ainda cita que as avós costumam ser importantes para a constituição de uma rede de apoio, prestando auxílio às mães – sobre quem, geralmente, recai a maior parte da responsabilidade em relação à criação dos filhos. De maneira crítica, a psicóloga lembra que esse fenômeno está atrelado à ideia de que, culturalmente, as faculdades de cuidado com o outro são atribuídas às mulheres, que, por isso, sofrem com grande sobrecarga ao se tornarem mães. “Por isso, é como se fosse natural que as avós também se engajem nesse processo, sendo consideradas, em diversos lares, figuras-chave nele”, observa.
Desvalorizadas
Apesar de as avós serem notavelmente importantes, Gabriella Cirilo lembra que a dedicação delas costuma ser pouco valorizada. “Estar presente e ativo no cuidado de uma criança é trabalhoso e não é algo que possa ser diminuído. Pelo contrário, é necessário que os pais valorizem o papel das avós educadoras”, aconselha, dizendo que esse tipo de atitude se desdobra em ganhos para a autoestima e para o bem-estar da pessoa idosa. “A velhice, infelizmente, é muito associada ao sentimento de ‘não ser mais útil’. Portanto, quando há esse reconhecimento, invertemos essa lógica”, diz. “Mas também é necessário estar atento ao fato de que a idosa pode ter suas debilidades e não ter aquela energia toda para cuidar de uma criança”, adverte.
Minientrevista
Rodrigo Tavares Mendonça,
Especializado no atendimento de casais e famílias
1. Como a chegada de uma criança pode influenciar a relação entre sogra e nora?
Uma criança pode desencadear mudanças profundas nas relações dentro de uma família. Assim como o casal pode ser muito afetado pela chegada de um filho, a relação entre nora e sogra pode modificar consideravelmente também. Uma sogra que via a nora apenas como uma espécie de concorrente que estava roubando o filho dela pode passar a vê-la como uma excelente mãe que cuida bem do seu neto, ou essa mesma sogra pode começar a apontar todos os pequenos erros que uma mãe pode cometer na criação do seu filho e se tornar uma crítica incansável. Acredito que seja impossível uma previsão exata, mas o que não deve acontecer é os pais esperarem que um filho possa salvar uma relação familiar conflituosa, seja entre sogra e nora, seja entre o próprio casal. Um filho não pode carregar essa responsabilidade.
2. Em caso de uma relação atribulada, como as partes podem trabalhar pela harmonia familiar?
Um ponto importante na relação entre sogra e nora, especialmente quando um filho está no meio, é que o casal deve se proteger de interferências externas, e são eles os responsáveis por isso. Assim, se uma sogra interfere nos assuntos da família é função do casal colocar um limite, e essa função recai sobretudo no marido. É ele quem deve, primeiro, colocar um limite em sua mãe, especificar o seu papel na sua família, o que se aceita e o que não se aceita. É comum noras e sogras entrarem em conflito enquanto o marido busca esfriar os ânimos das duas. Parece-me claro que ele precisa assumir a defesa da sua família de quaisquer interferências externas e formar uma frente unida com sua esposa.