Entrevista

Constelação familiar traz luz às armadilhas emocionais

Alex Possato Professor de constelação familiar sistêmica


Publicado em 15 de julho de 2014 | 03:00
 
 
 
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Você tem dificuldades de estabelecer uma relação construtiva, livre, harmoniosa, que lhe dê prazer e alegria? Caso tenha, pode ser que você ainda esteja preso a uma programação do passado, que atrai o jogo do sofrimento. Alex Possato, 47, fala sobre esse método que trabalha as emoções e energias inconscientes que influenciam nossas decisões.

O que é a constelação familiar sistêmica? 

Trata-se de um método terapêutico criado por Bert Hellinger, terapeuta alemão que está chegando aos 90 anos. Inicialmente foi desenvolvido em grupo, mas hoje também é aplicado em atendimento individual. É uma terapia que trabalha emoções e padrões inconscientes herdados do sistema familiar, e a dinâmica desse processo leva as pessoas a sentirem intensamente emoções, sensações físicas, acessar conteúdos de forma não lógica mas, muitas vezes, libertadora. Entendemos que essas emoções e padrões inconscientes acabam interferindo na vida do paciente de forma a atrair situações repetitivas, provocando, por exemplo, uma sequência de relacionamentos em que ocorreram traições. É comum encontrarmos o mesmo tipo de padrão no relacionamento dos pais, ou dos avós ou ainda mais para trás. Não importa exatamente onde se originou o padrão. Ao acessar as emoções que estão vinculadas a ele, raiva, medo, sentimento de abandono, a pessoa começa a se libertar da necessidade da repetição desses acontecimentos que trazem sofrimento e passa a escolher novos caminhos.

Qual a proposta do método?

A ideia principal é que todo ser herda do seu sistema familiar programações que lhe dão características físicas, emocionais, de comportamento e estratégias internas. Entendemos que a família possui algo como um grande inconsciente familiar, ao qual todos os membros estão ligados e possuem acesso. Tudo o que ocorreu no sistema familiar pode ser acessado por seus descendentes. Aquilo que não foi “bem digerido” emocionalmente no sistema familiar acaba se perpetuando e sendo sentido por um ou outro descendente. O sistema familiar, como se fosse um organismo coletivo vivo, busca a própria cura e, dessa forma, algumas pessoas acabam se conectando com as dores e exclusões do passado, podendo resgatá-las, curá-las. Dizemos que todos os descendentes que estão identificados com sofrimentos familiares amam o seu sistema familiar, seus pais e antepassados e, inconscientemente, reproduzem o sofrimento. Se transformam em “iguais” na dor. A constelação faz com que a pessoa consiga entrar em contato com a emoção inconsciente, entenda o lugar dela no passado, e, após isso, instantaneamente, ele sente uma força apropriar-se do corpo, das emoções, do pensamento. É uma força amorosa, que surge após essa compreensão profunda.

Quais os principais benefícios?

A pessoa que participa do processo percebe uma sensação de leveza interna. É como se tivesse tirado um grande peso da vida. Naturalmente, surge uma força, quando ela se entrega ao processo de perceber suas emoções e sentir o corpo, deixando a mente racional de lado, o que é necessário para esse tipo de terapia. Muitos clientes relatam que aprendem a se colocar no lugar correto, sem tentar se responsabilizar por coisas que não são delas, e também passam a não deixar mais ser invadidas por cobranças externas. Isso, às vezes, faz com que as pessoas percebam que estão em relações sem futuro, em que o jogo que existe é de sofrimento e culpa, e é normal haver rupturas. A autoestima melhora, pois ao compreender de onde veio, o passado dos pais e a história familiar, além (e principalmente) de sentir as emoções que estavam envolvidas no problema trabalhado, o cliente se percebe pertencente a uma família, sente suas raízes e isso lhe dá força.

Como você vê as relações afetivas?

É raro encontrar alguém que não queira se relacionar bem. Ter uma pessoa ao lado que traga sensação de segurança, apoio, carinho, prazer. Alguém que você admire e que admire você. E ao mesmo tempo permitindo que o outro seja como ele é, com seus defeitos, dificuldades, esquisitices, assim como você espera ser aceito como é. Mas o que se vê nas relações afetivas é cada vez menos tolerância e mais cobrança. Um jogo em que um tenta mudar o outro. Um parceiro se sente no direito de querer mudar o outro, porque vê nele coisas que não entende e não aceita. Na fantasia dele, a atitude do outro é “contra ele” e o outro também quer mudar você. Como é um jogo, às vezes um assume a postura do “coitado” e não abre a boca, e o outro assume a postura do inquisidor, da pessoa que sabe o que é o correto e tenta impor sua vontade a ferro e fogo. Essa brincadeira, que pode ser extremamente dolorosa e até violenta, não tem fim. Até que um dos dois, como uma criança emburrada, resolve “pegar a sua bola” e ir embora. Quando a relação chega a um nível desse, todos são feridos.

O adulto vai repetir esse comportamento infantil?

Uma “criança emburrada”, na fase adulta, pode fazer coisas extremamente duras, cruéis, violentas. Não há vencedores, e, muitas vezes, os filhos da relação “aprendem” que uma relação é uma competição insana entre homem e mulher. Mesmo que não haja brigas aparentes, eles sentem a falta de harmonia do casal. E depois que crescem, repetem a mesma história, pois a mente humana reproduz e atrai os modelos gravados dentro de si. Sendo vítima ou agressor, ou às vezes se revezando nos papéis, o jogo é o mesmo: o jogo da raiva, da mágoa e incompreensão entre o masculino e o feminino.

Nossas dificuldades de relacionamentos são consequências das amarras do passado?

Se na sua vida existe dificuldade de ter uma relação construtiva, livre, harmoniosa, que lhe dê prazer e alegria, é simplesmente porque talvez uma parte de você ainda esteja presa, inconscientemente, a uma programação do passado, que atrai o jogo do sofrimento. Pela constelação familiar sistêmica, descobrimos que essa programação vem de muitas e muitas gerações. É comum uma pessoa olhar para os pais, e ver que eles não tinham uma relação tão ruim. Porém, a questão é que talvez a competição e intolerância na relação estavam embutidas, como um vírus no sistema que não se manifesta totalmente. E aí, na sua vida, este vírus eclode, vem com tudo, trazendo situações problemáticas e difíceis.

Existe uma saída?

Olhe para si. Perceba quais são os reais sentimentos que você tem em relação ao sexo oposto. Veja como você vê o homem e a mulher dentro de si. Também não importa se você é heterossexual ou homossexual, porque o problema com o masculino e o feminino interno irá se manifestar na sua relação afetiva. O que você espera de um parceiro? Você confia a ponto de entregar o seu corpo, a sua segurança, o seu espírito àquele ou àquela que você ama? Você está pronto para servir, apoiar e amar incondicionalmente o outro? E como está a sua autoestima? As relações afetivas só entram em crises profundas porque não olhamos para nossas emoções dolorosas que são herdadas da nossa infância, e também dos nossos pais e do nosso sistema familiar. Exatamente por isso atraímos parceiros que irão fazer com que essas emoções venham à tona. Para quê? Para serem curadas.

Uma pessoa que toma consciência dessa rede de amarras pode esperar o quê?

Ao tomar posse da própria vida ela percebe que o medo, a insegurança, a dúvida, o conflito, estavam dentro de si e, aos poucos, vai desativando esses mecanismos que detonam qualquer envolvimento sadio. De posse dessa maturidade emocional, quando o parceiro apresenta medo, insegurança, vontade de brigar, você sorri e acolhe. Não vê como pessoal. Porque já criou amizade com suas emoções doloridas. E como uma mãe acolhedora, pode receber em seus braços o amado, que temporariamente se descontrolou. Não há necessidade de perfeição, de fingimentos. A relação é transparente, honesta e livre.

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