Saúde e bem-estar

Dietas alimentares restritivas são fator de risco para transtornos alimentares

Comportamentos de participantes do “BBB dentro e fora do reality acendem alerta sobre dietas restritivas


Publicado em 02 de fevereiro de 2022 | 03:00
 
 
 
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As dietas alimentares, sobretudo as mais restritivas, estão na boca do povo dentro e fora da casa do “Big Brother Brasil” (“BBB). Na atual edição do reality, as queixas da influenciadora Maíra Cardi em relação à alimentação do marido dela, o ator Arthur Aguiar, repercutiram mal. Nas redes sociais, ela, que defende práticas alimentares controversas, como o jejum de sete dias, contraindicado por especialistas em nutrição, criticou o fato de ele ter comido purê de batata e pão. Mais recentemente, Arthur comentou que, fora da casa, é proibido de comer jujubas pela companheira. 

Agora, o comportamento alimentar de outra confinada, a modelo Bárbara Heck, que aflige público e brothers, faz engrossar o debate sobre riscos associados à excessiva preocupação com o que se come. Desde os primeiros dias no programa da Globo, a sister tem chamado a atenção por fazer jejuns e por se alimentar principalmente de ovos e frutas. Ela chegou a rejeitar o convite de Rodrigo Mussi para o almoço do anjo – quando participantes selecionados têm direito a pratos diferenciados – além de já ter saltado refeições, optando apenas por chupar um limão. E, ainda que se alimente de maneira restritiva, Bárbara, que já relatou sentir dores no estômago ao comer depois de jejuar, mantém uma rotina de atividades físicas. 

As escolhas da modelo têm repercutido e gerado questionamentos. Na madrugada de segunda-feira (31), a participante se viu confrontada por colegas de confinamento após ter dito que não se importaria de ceder sua cota de ovos para outro participante que também estivesse na xepa –condição em que a comida fica mais limitada e o cardápio, com menos opções. Em certo momento, Bárbara ficou irritada depois de conversar com a sister Laís Rodrigues Caldas. “Você quer me ensinar sobre jejum?”, questionou. “Quero, porque eu sou médica e eu entendo”, rebateu a colega, acrescentando que, em relação às escolhas alimentares, considera a participante irresponsável. 

Diante da preocupação do público, de participantes e até da produção, que chegou a chamar atenção da modelo em uma conversa no confessionário, a equipe de Bárbara reagiu alegando que o comportamento alimentar dela é normal. “As pessoas pegam fragmentos de falas dela, do que ela não curte comer lá, e distorcem isso em uma verdade, sendo que, no momento, as possibilidades estão limitadas, de acordo com o que ela gosta. E mesmo assim ela não reclama, ela se adapta. Se fosse numa situação normal, aqui fora, diríamos uma lista enorme de coisas saudáveis que ela adora comer. E as besteiras também, assim como vocês já devem tê-la visto comendo lá”, garantem os administradores do perfil da sister no Instagram. 

A nutricionista Fernanda Rech Rodrigues, especializada em transtornos alimentares, concorda que é preciso tomar cuidado ao rotular pessoas com base em uma percepção externa e superficial. “Os critérios para diagnóstico são sérios e necessitam de profissionais especializados no assunto”, pontua, reforçando que não é possível atribuir a Bárbara ou Maíra qualquer tipo de transtorno a partir das cenas vistas no reality ou expostas nas redes sociais. “As mídias podem auxiliar na divulgação desse tema cada vez mais latente em nossa sociedade, disfunções que podem ser negligenciadas ou vistas como ‘besteira, frescura, futilidade ou exagero’ por muitos. Dessa forma, divulgar com responsabilidade o tema pode ser essencial para promover maior conscientização sobre a gravidade do assunto e a necessidade de intervenção profissional”, pondera. 

A psicóloga Michelle Verneque, especialista em comportamento alimentar, segue na mesma linha. “Esse debate é importante e precisa ser feito. Mas precisamos fazê-lo respeitando as pessoas que se expõem, não personalizando o problema e falando sobre comportamentos que podem ser indicativos de transtornos e de comportamentos transtornados”, avalia, lembrando que, em sua primeira edição, o “BBB” pautou discussões sobre a bulimia, problema enfrentado pela participante Alessandra “Leka” Begliomini , que, quando saiu da casa, se viu chocada diante de tanta exposição e por ter sua imagem associada à doença. Hoje, contudo, ela reconhece que a Globo acertou ao levar as cenas ao ar, desmistificando um tema que permanece cercado de tabus. 

“É especialmente importante trazer informações sobre comportamentos adoecidos que ainda são reforçados pela sociedade, sendo interpretados como saudáveis, quando, na verdade, não são”, pontua a psicóloga. 

Ideal de beleza irreal é fator para desenvolvimento de transtornos alimentares 

“A pressão estética, relacionada à cobrança social para que as pessoas se adéquem, a todo custo, aos padrões de beleza, é um fator a ser considerado e que pode contribuir para o desenvolvimento de transtornos como a bulimia, a anorexia e comportamentos evitativos”, reconhece Michelle Verneque, ponderando que outros elementos também precisam ser avaliados. “Por exemplo, uma pessoa que já tenha predisposição genética e que esteja psicologicamente vulnerável terá mais chances de sofrer com algum desses distúrbios”, explica. 

A nutricionista Fernanda Rodrigues concorda. “É importante compreender que transtornos alimentares são quadros psiquiátricos em que ocorrem alterações no comportamento alimentar, alterações disfuncionais no peso e no controle da forma corporal. Eles podem ter, sim, relação com fenômenos históricos, como a hipervalorização do corpo magro. Mas há de se considerar também interferências biológicas, clínicas e psicológicas que podem participar do desencadeamento da doença e de sua manutenção e levar a seu agravamento clínico”, resume. Sobre a influência sociocultural, ela lembra que o Brasil, ano após ano, oscila entre o primeiro e o segundo colocado, competindo diretamente com os Estados Unidos, no ranking de países que mais fazem cirurgias plásticas. “E esse ideal de beleza, que não respeita a individualidade, causa uma demanda de que o indivíduo não consegue dar conta. Então, de tempos em tempos surgem novas dietas, programas de emagrecimento e outras promessas milagrosas que alimentam o desenvolvimento de um comer transtornado e também de transtornos alimentares”, assevera. 

“Se a pessoa precisa parar de comer, fazer jejuns, grandes restrições, praticar exercícios até a exaustão. sem respeitar os limites do corpo, e se culpar todas as vezes que se permite ter um prazer alimentar (mesmo que mínimo) será mesmo que isso é saúde? Que esse é um objetivo de corpo sustentável, duradouro e gentil?”, provoca Fernanda. A mesma crítica é feita por Michelle. Ela lembra que, estatisticamente, pessoas que já seguiram dietas muito restritivas têm maior propensão ao desenvolvimento de transtornos alimentares. A adesão a esses modismos, portanto, é fator de risco para o adoecimento mental. 

Identificando o problema. “São vários os sinais de alerta a que familiares, amigos e professores podem estar atentos”, indica Fernanda Rodrigues. “Alguns demonstram culpa ao comer e chegam a definir o seu dia como bom ou ruim a depender do que comeu. Pode haver perda do interesse para outras atividades, focando energia e tempo em preocupações com o peso. A imagem corporal pode ser distorcida, sendo comuns comparações com outros corpos. A mudança brusca de peso e a interrupção do ciclo menstrual também podem ser sinais do problema. Outros indicativos são a prática de pular refeições, de ir ao banheiro logo após comer, de utilizar chás ou medicamentos com o intuito de emagrecer, geralmente sem acompanhamento médico. Por fim, também serve de alerta o fato de o sujeito estar sempre em dieta e de passar horas em exercícios físicos”, indica.  

Tratamento. “Idealmente, o diagnóstico e o tratamento são feitos por equipe interdisciplinar especializada, composta por, no mínimo, um médico psiquiatra, um psicólogo e um nutricionista com experiência em transtornos alimentares. Profissionais como fisioterapeutas e educadores físicos, preferencialmente especialistas no assunto, também podem ser grandes aliados”, avalia a nutricionista. 

Minientrevista 
Fernanda Rech Rodrigues, nutricionista especialista em transtornos alimentares 

1. Em que situações as dietas restritivas podem ser indicadas? Dietas restritivas podem ser necessárias em casos específicos, como intolerâncias ou alergias, e no auxílio ao tratamento de condições de saúde gastrointestinais, entre outras situações muito específicas. Porém, é necessário destacar que não se excluem grupos alimentares inteiros, como todos os carboidratos, todas as gorduras ou todas as proteínas, pois isso tem um impacto muito sério na saúde. Quando o objetivo for emagrecimento, não há essa indicação de restringir grupos alimentares inteiros, já que apresenta risco à saúde e possível efeito sanfona quando a perda de peso for drástica. 

2. Que tipo de prejuízos esse comportamento alimentar restritivo pode gerar? Um dos principais prejuízos das dietas restritivas é a perda da conexão interna com os sinais internos de fome e saciedade, já que, quanto mais dietas são feitas e mais regras externas são impostas, maior o nível de dificuldade de reconhecer esses sinais genuinamente, fazendo com que a pessoa se sinta cada vez mais presa a esse padrão de restrição e culpa. Do ponto de vista fisiológico, dietas restritivas podem excluir nutrientes essenciais a inúmeras funções orgânicas, o corpo tem a capacidade de se adaptar temporariamente, mas isso dura pouco, e falta de energia, alterações no sono, na atenção e no humor, queda de cabelo, perda de massa muscular e muitas vezes desidratação e outras situações ainda mais graves podem ocorrer. O efeito sanfona de “perde e ganha” de peso não é inofensivo, a estrutura corporal é capaz de ser modificada a cada restrição, por isso a cada nova dieta parece ser ainda mais difícil perder peso, pois o corpo se adaptou, acumulando assim mais gordura como forma de protegê-lo.

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