Comportamento

Dividir o mesmo teto com um homem é sinônimo de casa bagunçada?

Por trás da aparente inabilidade masculina com atividades domésticas, está uma estrutura machista que pode acabar por adoecer as mulheres

Por Laura Maria
Publicado em 11 de março de 2024 | 06:00
 
 
 
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A contadora Thais Nogueira de Souza, de 32 anos, perdeu as contas de quantas vezes solicitou ao pai para auxiliá-la nas tarefas domésticas. “Ele até me ajudava a arrumar a casa, mas eu sempre tinha que pedi-lo”, relembra. Quanto ao irmão, depois de um tempo, ela simplesmente parou de se esforçar. “Ele não me ajudava em nada”, recorda.

Thais viveu essa rotina por anos a fio enquanto morava com os dois na mesma casa até que, no fim do ano passado, se casou com o noivo. A contadora se mudou de residência, mas os hábitos não foram completamente abandonados. “Mesmo com divisão de tarefas, eu ainda fico com a maior parte, mas acho também é porque quero, já que sou chata com limpeza, e meu marido não faz tão bem”, revela.

A contadora não está nessa sozinha. Segundo dados do IBGE, obtidos pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua 2022, as mulheres dedicaram 21,3 horas semanais aos afazeres domésticos, enquanto os homens,11,7 horas.

Levantamento realizado pela Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, apontou que, quando se casam ou passam a dividir o mesmo teto com um homem, as mulheres somam sete horas extras de trabalho em sua jornada semanal, uma vez que elas passam mais tempo cuidado dos afazeres domésticos que eles. 

Os dados e o relato da contadora servem para dar uma dimensão de como é viver com um homem. E por trás da aparente inabilidade masculina com atividades domésticas, está uma estrutura machista que pode acabar por adoecer as mulheres.

Na avaliação do psicólogo Cláudio Paixão, o acúmulo de atividades pode desencadear uma série de problemas na saúde feminina. Antes de entrar nesse assunto, porém, o especialista faz um adendo. “A psicologia social entende que não existe nada de ordem biológica entre homens e mulheres que justifique que certas atividades sejam desempenhadas somente por um gênero. Qualquer argumento que fale algo parecido com ‘o homem funciona dessa forma’ é falacioso”, elabora.

Dito isso, Paixão expõe como esse desequilíbrio no cuidado com a casa pode impactar na vida da mulher como um todo. “O estresse, angústia e cansaço podem resultar em depressão e ansiedade. Uma das situações mais desagradáveis que existe é quando uma pessoa suja algo que você acabou de limpar, simplesmente porque é desleixada”, indica.

“Quando uma pessoa está em situação de ansiedade, ela entra em estado de alerta. E isso afeta não somente a saúde mental, como a orgânica. Há uma sobrecarga no sistema cardiovascular, por exemplo, que pode resultar em problemas de coração ou até um derrame”, exemplifica. 

Dificuldades na comunicação

Além dos problemas na divisão das tarefas, outra reclamação frequente entre mulheres que convivem com os homens é a falta de diálogo da parte deles. Thais, por exemplo, conta que mal papeava com o irmão, porque “ele é muito na dele e não gosta de conversar.”

Em relação ao marido, ela enxerga que um dos principais entraves no relacionamento é “não querer dialogar e sempre ter que pedir as mesmas coisas.” De fato, um estudo encomendado pela Ladbrokes revelou que os homens de distraem facilmente na conversa com mulheres e que param de escutá-las após seis minutos de bate-papo.

A comunicação é fundamental para um relacionamento saudável, na visão do psicólogo. “Se a gente não falar o que nos desagrada, a outra pessoa vai continuar fazendo a mesma coisa. E a outra pessoa, ao não saber do que me incomoda, não vai mudar. Então a gente precisa falar abertamente e se posicionar. Muitas vezes, as pessoas seguram isso para preservar o casamento. Agora, essa relação é boa para quem?”, acentua.

Encontrar as raízes do problema para solucioná-lo

Na percepção da contadora, a forma como o pai, o irmão e o companheiro foram criados interferiu diretamente na maneira como enxergam os afazeres de casa. “Meu parceiro é filho único e sempre recebia tudo na mão, não precisava fazer nada em casa. Já meu pai cresceu em uma família que entendia que o serviço doméstico era feito somente por mulheres, e ele acabou passando isso para o meu irmão”, detalha.

O psicólogo amplia a questão e evidencia que, por trás desse tipo de comportamento, há um sistema machista reproduzido, inclusive, por mulheres. “Existe uma estrutura que diz: ‘é papel das mulheres cuidar da casa.’ Isso é um mecanismo que vai se repetindo, e as mulheres começam acreditar nele. Paralelamente a isso, como os homens nunca são cobrados, acabam se tornando relapsos, desorganizados e porcos”, assinala o especialista. 

Quebrar com esse tipo de comportamento passa, necessariamente, por uma mudança comportamental na educação das crianças. “Eu acho que os pais têm que se ensinar as tarefas domésticas aos meninos, quando ainda estão pequenos para que, quando crescerem, não terem dificuldades em seus relacionamentos”, esboça Thais.

Mas e quando esse relacionamento já está estabelecido? Para responder à pergunta, Cláudio Paixão faz uma analogia. “Da mesma forma que se educa seu cachorro, você pode educar uma pessoa, especialmente quando ela se comporta como um bichinho de estimação mal-educado. Você quer que seu marido seja um bom pet ou mau pet? Para ser bom, você precisa treiná-lo, já que veio da fábrica mal instruído. E depois que você treinar seu marido, você pode pensar em fazer o mesmo com seus filhos. Suas noras vão agradecer”, finaliza o psicólogo.

 
 

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