Ciência

Drama histórico: Brasil chora a ‘morte’ de Luzia

Fogo em museu destrói fóssil de 12 mil anos


Publicado em 04 de setembro de 2018 | 03:00
 
 
 
normal

Das 20 milhões de peças do Museu Nacional do Rio de Janeiro, devastado por um incêndio no domingo à noite, os brasileiros lamentam em particular a perda de Luzia, “a primeira brasileira”, que viveu há mais de 12 mil anos nessa parte das Américas e foi descoberta em Minas Gerais.

“É como se fosse a perda da Monalisa para o Museu do Louvre. Ela era um ícone da nossa pré-história, no exterior todo mundo conhecia”, compara a coordenadora do laboratório de Estudos Evolutivos Humanos do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), Mercedes Okumura.

Mercedes trabalhou durante quatro anos no Museu Nacional e atualmente ocupa a cadeira que foi do arqueólogo e antropólogo mineiro Walter Neves, considerado o “pai” de Luzia, assim batizada por ele. Neves foi responsável por ter resgatado o fóssil de um sítio pré-histórico e por ter formulado uma teoria sobre a chegada do homem às Américas.

Os restos mortais de “Luzia” foram encontrados em 1970 em Minas Gerais pela antropóloga francesa Anette Laming-Emperaire. A partir de seu crânio, uma equipe da Universidade de Manchester, na Inglaterra, fez uma reconstrução digitalizada de seu rosto, que serviu de base para uma escultura. “Foi graças a Luzia que a arqueologia e a ciência brasileira foram parar nos holofotes. Não é uma perda para o Rio de Janeiro ou o Brasil, é uma perda para o mundo todo”, analisa Mercedes.

A pesquisadora que diz ter recebido e-mails de colegas do exterior questionando-a sobre a possibilidade de uma tragédia como essa ter ocorrido classifica o incêndio como “vergonhoso”, embora reconheça que o fato não deveria surpreender, diante do abandono dos museus e das instituições de ensino no país. “Os museus não são prioridade do poder público em termos de manutenção, reforma e recurso. Para um país que tem pouco mais de 500 anos, um museu de 200 anos é muito importante, mas claramente, não estava na prioridades. O clichê da tragédia anunciada se confirma”, afirma.

Para o curador da coleção paleontológica do museu da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Cástor Cartelle Guerra, é “piada” o governo falar em uma reconstrução de 200 anos de história. Ele propõe que as peças permaneçam destruídas, para lembrar do descaso, abandono e desprezo. “Conheci de perto todos os últimos cinco diretores, e o sofrimento deles, que batiam de porta em porta pedindo esmola para salvar o Museu Nacional. O prédio era cheio de gambiarras. Nesse país é muito mais fácil arrumar dinheiro para estádio de futebol do que para museus”, diz.

 

Pesquisador vira político para tentar resgatar a ciência do abismo

Quatro meses depois de se aposentar como professor titular da Universidade de São Paulo (USP) o arqueólogo e antropólogo mineiro Walter Neves se candidatou ao cargo de deputado federal pelo Partido Pátria Livre (PPL) para concorrer as eleições deste ano. Neves se uniu a outros cientistas na tentativa de que, se eleitos, uma “bancada da ciência” se forme na tentativa de resgatar a ciência brasileira do abismo. “Que ele seja pelo menos uma voz que grita no deserto”, deseja o paleontólogo Cástor Cartelle Guerra.

Em 2016, O TEMPO publicou uma série de reportagens mostrando como a burocracia e a falta de incentivos atrasa o desenvolvimento científico no Brasil. Na época, mais de 49 mil pesquisadores já haviam deixado o país em busca de condições melhores para desenvolver seus projetos. Com a posse de Michel Temer na Presidência, o Ministério da Ciência se fundiu com a pasta das Comunicações, levando pelo menos 13 associações científicas a publicar uma carta de repúdio à medida. Desde então, o setor vem amargando uma série de cortes orçamentários.

Minientrevista

Cástor Cartelle

Paleontólogo

PUC-Minas

Qual o impacto do incêndio para nosso acervo paleontológico?

É uma perda estratosférica. Todos os esqueletos que se perderam, toda a parte de invertebrados, de insetos, as coleções especialmente do Egito... tudo irrecuperável, não há como substituir. Arrasou com tudo.

Qual é a situação dos nossos museus em Minas Gerais, em especial o de Peter Lund?

A PUC está fazendo um esforço enorme. Mais de 30 mil crianças já nos visitaram. Passamos também por um incêndio e depois disso, tudo em relação a segurança foi reformulado. Mas não atingiu as coleções porque não colocamos os originais expostos. Nas exposições os esqueletos eram todos cópias.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!