Sim, a economia foi um fator importante. Mas quando Gustavo Drummond, 34, resolveu arregaçar as mangas e tratar de fazer os próprios móveis para imprimir a sua personalidade à decoração do apartamento que alugou, ao fim da empreitada o que prevaleceu foi o efeito terapêutico da iniciativa. “Calculo que, se fosse pagar por tudo o que fiz, iria despender algo em torno de R$ 25 mil. E gastei uns R$ 7.000. Mas, para além disso, foi um passatempo divertido: furar paredes, pintar... Depois de pronto, dá muito mais prazer do que ter comprado. Quando alguém chega à sua casa e elogia, o ego agradece”, brinca o moço. 

Na verdade, foi quando morou por um período na Holanda que Gustavo se tornou um signatário do “Do It Yourself”, o célebre “faça você mesmo”, que, de tão em voga, já tem até a sua abreviação, o DIY. “Lá, tinha alugado um apartamento, situação que se repetiu agora, aqui no Brasil. Então, não fazia sentido fazer móveis sob medida, pois ia acabar perdendo o investimento”, salienta.

Além da economia, do citado efeito terapêutico e do fato de ter móveis personalizados, os defensores do DIY ainda citam a questão da sustentabilidade e da ressignificação. É que, no processo, a pessoa pode, por exemplo, utilizar materiais que iriam para o lixo ou mesmo dar um novo uso a um objeto.

A designer de interiores catarinense Karla Amadori, 31, que o diga. Nome à frente de um dos maiores canais de decoração nesse viés do YouTube no mundo (o DIYcore), ela conta que tudo começou quase que por acaso, quatro anos atrás, ao tentar dar uma nova cara ao quarto que ocupava na casa dos pais. “Queria algo mais acessível, então, pensei em usar pallets, caixotes de feira... Mas queria que tudo ficasse bem bonitinho. Os caixotes de feira, por exemplo, quis transformar em estante, e como meu noivo é designer gráfico e gosta de mexer com vídeos, sugeriu registrar esse processo, o que fez inclusive com o celular. Daí, surgiu o canal. E ele ficou tão empolgado que criou as demais redes. À época, ainda não havia essa febre, canais com essa pegada. E logo veio o reconhecimento: as pessoas começaram a entrar em contato – jornalistas locais, empresas – e tudo aconteceu muito rápido”, conta.

Hoje, Karla tem nada menos que 1,2 milhão de seguidores no YouTube, além de 290 mil no Instagram e cerca de 330 mil no Facebook. O quarto dela, onde tudo começou, claro, está prontíssimo, mas a moça sempre se habilita a ajudar amigos e parentes mais próximos com suas preciosas dicas. “E vou fazendo cada móvel. Mas, não só, também a pintura, luminárias, azulejo. Enfim, tudo que envolve a decoração do ambiente. Daí, vou mostrando tudo no canal, como se fosse uma websérie, do início à conclusão. A pessoa que assiste, claro, não necessariamente vai fazer tudo o que fiz, mas pode pinçar uma ou outra inspiração”, diz. 

No curso dessa trajetória, não foram poucas as pessoas que enviaram a Karla fotos do que fizeram inspiradas por ela. “E foi isso que me deu mais gosto. Elas contam as histórias, alguns falam que, se fossem comprar, não teriam condições...”. No entanto, ela ressalta que muitas vezes o móvel fruto do DIY pode, inclusive, ficar mais caro que um comprado pronto, pois, claro, tudo depende do material. “E há fatores incomensuráveis, como o trabalho, o tempo. Mas o bom é saber que foi você quem fez tudo nele (no móvel), você escolheu. E ter essa história para contar a quem chegar em sua casa”, conclui.

Na casa de Gustavo, como dito, as soluções foram pensadas também pelo viés econômico. Para a cabeceira da cama, por exemplo, ele usou telhas de metal. Já para a iluminação, apostou na inovação. “A minha sala é no formato retangular, e a minha mesa é de canto. Se eu colocasse qualquer lustre, ele iluminaria somente o miolo. Então, coloquei uma tela no teto e desci com luzes de LED, o que deu um ar mais rústico, mas, ao mesmo tempo, moderno, e com um custo acessível, pois o fio da própria lâmpada é o da energia, que desce”, explica.

Onde aprender

YouTube. Além dos canais de Karla Amadori e de Paulo Biacchi, há outros que se dedicam ao DIY, como o I Like To Make Stuff ou o Mad Stuff With Rob (em inglês).

Blog. Casa de Colorir, de Thalita Carvalho.

Instagram. Todos os nomes citados aqui têm perfis bacanas, mas vale passar também pelo @doedu.

Na telinha. No GNT, programas como o “Mais Cor, Por Favor” trazem ótimas dicas. O “Santa Ajuda”, de Micaela Góes, tem o quadro “Uma Coisa Vira Outra”. No Now, é possível rever as dicas dadas pelos participantes do “Missão Design”. 

Faça você mesmo

Confira abaixo como fazer uma estante útil e estilosa.

Medição: Tire as medidas do espaço onde pretende colocar a estante. Decida qual a altura e a largura que você quer que ela tenha quando terminada. Estantes de livros geralmente tem 30 a 40 centímetros de profundidade; mas você pode customizar de acordo com suas necessidades. 

Material: Escolha a madeira. Você pode usar placas de madeira maciça que custam mais caro ou compensado de 2 cm de espessura, mais em conta, para as prateleiras. Para as “pernas”, use ripas. Você pode encomendar já na medida.

Montagem: Faça os buracos com a furadeira e, depois, com um prego mais grosso, encaixe as ripas. Em seguida, disponha as tábuas e pronto.

Detalhe: Na parte mais alta, onde as ripas mais longas encaixam, o degrau é menor. Além disso, para que fica firme e as pernas não abram, pregue três pregos, dando sustentação

Entrevista com Paulo Biacchi

Após três temporadas no “Decora”, designer mostra soluções criativas no “É de Casa”

Como surgiu o seu interesse pelo universo DIY?
Bem, eu vinha de um trabalho de oito anos em um estúdio de design lá em Curitiba, onde fazia projetos para a indústria de planejados. Foi uma superexperiência, mas, a certo ponto, fiquei um pouco cansado desse viés comercial. Então, decidimos, eu e a Carol (Armellini, sua sócia e esposa), partir para o estúdio Fetiche, pensando em produtos que tivessem uma espécie de sustentabilidade afetiva, ou seja, que as pessoas não quisessem se desfazer deles tão facilmente. Mas continuou incomodando o fato de nem todos terem acesso a essas peças, já que algumas ficavam com um preço final alto, decorrente até de mercado mesmo. Aí, veio a ideia de produzir conteúdo para internet, ensinando a fazer peças, mas com um superacabamento, como as que estão à venda numa prateleira de uma loja bacana, só que usando, sei lá, um pedaço de cano de PVC. E veio o Tente Isso em Casa.

E como foi o retorno inicial da empreitada?
Logo firmamos uma parceria com a revista “Casa e Jardim”: uma websérie mostrando como fazer alguns produtos. Depois veio o convite para o ‘Decora’ (GNT), onde fizemos três temporadas (com Maurício Arruda), e daí passei para o “É de Casa” (Globo), onde, aos sábados de manhã, entro ao vivo durante uns dez minutos, também mostrando como fazer coisas legais, acessíveis – mas agora para um público mais abrangente.

O Do It Yourself é um movimento sintonizado com os tempos atuais?
A gente entende que sim, que estabeleceu um link fortíssimo com tempos nos quais as pessoas buscam uma conexão mais ampla com a casa. Não mais apenas ir a uma loja e comprar algo pronto. Tem uma frase simples que eu acho forte e interessante: o “eu que fiz”. Você recebe uma visita que olha o móvel ou peça e diz: “Nossa que lindo!”. E você responde: “Eu que fiz”. E ao investir no “faça você mesmo”, você se desconecta e passa a se dedicar a uma atividade prazerosa, a do fazer – e um fazer muito rico, que ativa a criatividade.

Qual é o público do seu canal e, de quebra, do DIY? Bem abrangente. Há cada vez mais pessoas querendo fazer alguma coisa que estabeleça uma relação mais forte do que simplesmente comprar a peça pronta, que não tem o seu toque, a sua personalidade. Acho que o ‘mão na massa’ tem a ver com isso. Mas, no Brasil, ainda não chega a ser tão forte quanto nos EUA e na Europa. Aqui, ainda há a cultura de contratar alguém para fazer as coisas. Mas acho que é uma mudança que está para acontecer. No caso dos que já se interessam, é um público que vai desde quem está na sua primeira casa até quem já avançou a vida para uma fase mais tranquila e quer tirar um tempo para essas atividades. Um público de 25 anos pra frente.

Quais as peças que dão mais retorno?
Acho que as que dão mais engajamento, seja na internet ou na TV, são as relacionadas a ressignificação, ou seja, que trazem um novo olhar sobre um item industrializado – como por exemplo, um cano de PVC. A gente pega, lixa, entorta, aquece, deforma e transforma numa luminária. Ou alguma técnica mais complicada para a qual conseguimos uma alternativa mais simples e barata, como a parede de cimento queimado que mostrei no “É de Casa”. Em vez de comprar massa pronta, a gente usou uma corrida, e pigmentou. Mas tem também uma peça nossa, de 2010, do Estúdio Fetiche, que é icônica. À época, a gente queria inovar não só na forma, mas na função. Criamos um banco de balanço, o “R540” (foto à esquerda), pensando nas cadeiras de varanda dos anos 70, mas transpondo aquele conceito para os dias atuais, com um assento que fosse inovador e, claro, confortável. Após um ano de pesquisas, acho que chegamos a um resultado interessante, usando espaguete plástico. A peça foi divulgada mundo afora, em blogs e sites de arquitetura e design. E tem um fato curioso: a Renault (fabricante de carros francesa) comprou uma, e gente não sabia direito o porquê. Depois, descobrimos que ela serviu de inspiração para a parte interna de um carro-conceito lançado no Salão do Automóvel de Genebra.