Era para ser apenas uma visita de rotina para a manutenção dos aparelhos odontológicos que a aposentada Carla Aparecida Ferreira, 49, usava. Mas, durante o procedimento, o profissional estranhou uma mancha escura na altura do nariz e perto dos olhos da paciente, fazendo de imediato um alerta para que ela realizasse uma consulta com um dermatologista. “Eu pensava que era só uma pinta. Então, não segui o conselho nesse primeiro momento”, admite Carla. Na semana seguinte, quando voltou a encontrar o dentista, a advertência se repetiu. “Depois disso, por causa da insistência, procurei ajuda. Fui a um dermatologista, que pediu que eu fizesse mais exames, entre eles uma biópsia. Eu ainda pensei que não fosse dar em nada, mas, quando peguei o resultado, para minha surpresa, estava com câncer de pele”, relembra.
Não foi por desleixo ou por não se preocupar com a própria saúde que Carla, a princípio, desconsiderou que aquela pequena mancha poderia significar algo mais grave. Ocorre que, como no caso dela, ainda são recorrentes os relatos de pessoas que negligenciam as manifestações de neoplasias cutâneas ou neoplasias dermatológicas por falta de informações e porque seus sintomas, em geral, são brandos e causam pouco ou nenhum incômodo. Entretanto, em um país tropical, em que há incidência de luz solar durante todo o ano e com altas temperaturas no verão, é fundamental estar em alerta: o contato direto com raios nocivos, além de causar o envelhecimento precoce, amplia em até dez vezes o risco do desenvolvimento de câncer de pele, variação mais incidente da doença entre brasileiros. Para se ter uma ideia, estima-se a ocorrência de 183.390 novos casos da enfermidade neste ano, o que corresponde a 30% dos diagnósticos de tumores malignos registrados no país, conforme estimativas do Instituto Nacional do Câncer (Inca).
Do total, 176.940 dos novos casos correspondem aos cânceres de pele basocelular e espinocelular, considerados menos agressivos e com menos chances de metástase, e 8.450 são casos de melanoma, mais agressivo e potencialmente metastático. Ainda de acordo com o Inca, em termos de mortalidade, 2.329 brasileiros morrem por complicações de tumores considerados menos perigosos, enquanto 1.791 vão a óbito por conta do tipo mais invasivo. Ou seja, 43% das mortes por tumores cutâneos acontecem por conta do melanoma, embora esse tipo de câncer de pele represente apenas 4,5% das ocorrências. “Em quaisquer casos, o melhor caminho é o da prevenção e da vigilância ativa”, crava a oncologista Carolina Cardoso, do Grupo Oncoclínicas, salientando que uma das principais ferramentas para reduzir a mortalidade pela doença é a informação.
Para a profissional da saúde, a campanha Dezembro Laranja, de conscientização e prevenção do câncer de pele, é especialmente importante neste ano. “É um temor (da comunidade médica) que as pessoas deixem de realizar exames por causa da pandemia. Diferentemente de outras doenças, a pessoa (enferma) pode não sentir nada, pensar que é só uma pinta e ficar tranquila porque ela não mudou de tamanho. Mas essa lesão pode crescer em profundidade, chegar à corrente sanguínea e ocorrer até mesmo uma metástase se não houver diagnóstico e tratamento adequado”, salienta, fazendo um apelo para que a população busque especialistas ao notar no corpo pintas do tipo “ABCDE” – isto é, que possuem características como assimetria entre as metades da mancha, bordas irregulares, cor variável, diâmetro superior a 5 mm e evolução da lesão, havendo, por exemplo, mudança no padrão de cor, crescimento, coceira e sangramento.
Diagnóstico e tratamento. O médico patologista da Sociedade Brasileira de Patologia (SBP) Gilles Landman também destaca ser crucial para o tratamento um diagnóstico precoce da doença. Ele lembra que, quando tumores são descobertos e tratados ainda na fase inicial, as chances de cura superam 90%. Foi o que ocorreu com Carla Aparecida Ferreira, que apenas precisou fazer a ressecção cirúrgica da lesão, sem necessitar de tratamentos complementares. Por outro lado, se o diagnóstico é tardio e a lesão está em fase mais avançada, o sucesso do tratamento fica comprometido. “Um melanoma com espessura de 4 mm, por exemplo, costuma ter um comportamento agressivo, com mortalidade se aproximando a 50% dos pacientes em cinco anos”, adverte Landman.
Em casos mais avançados e com metástase, especificamente de melanoma, a imunoterapia – uma medicação que ativa o sistema imunológico para que ele se torne capaz de combater as células malignas – tem provado ser uma alternativa com bons resultados para a qualidade de vida e bem-estar dos pacientes. Outro tipo de intervenção nesses cenários avançados, para um número limitado de pacientes cujo melanoma apresenta uma mutação nos genes BRAF, é o uso de medicamentos orais que inibem a proliferação celular anormal.
Campanhas educativas são essenciais
“No Brasil, somos acostumados, até culturalmente, a pensar que pegar sol faz bem, é saudável. Com a pandemia, muito se falou sobre a importância para a sintetização da vitamina D e para fortalecimento imunológico. Algo que foi muito falado até mesmo como forma de prevenção em relação a manifestações mais graves da Covid-19. Mas isso é muito controverso e é preciso ter cuidado”, sustenta a oncologista Carolina Cardoso, lembrando que há também o hábito de só se usar filtro solar em situações de lazer, e não rotineiramente, como é recomendado.
Rachel Guerra de Castro, presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia Regional de Minas Gerais (SBD-MG), concorda. “Os benefícios (da exposição à luz do sol) são os mesmos relacionados às atividades ao ar livre: sensação de prazer, melhora do humor e do sono, fortalecimento do sistema imune e síntese de vitamina D, que é importante para regular o metabolismo ósseo. Mas a gente precisa estar muito atento, porque, em excesso, teremos consequências, entre elas o câncer de pele”, analisa. Para reforçar que a exposição prolongada aos raios solares não é benéfica, a dermatologista lembra que mesmo as pessoas com deficiência de vitamina D precisam se expor no máximo 15 minutos ao sol e apenas três vezes por semana para a síntese do nutriente. Ela ainda lembra que, nesse caso, a orientação é que a pessoa pegue sol em partes do corpo que não ficam fotoexpostas de forma recorrente.
A presidente do SBD-MG lembra que a entidade realiza a campanha Dezembro Laranja há 30 anos, mas, pela primeira vez, mutirões de atendimento não acontecerão por conta da pandemia do novo coronavírus. “Em Minas Gerais estamos ampliando muito as iniciativas educativas. No ano passado, conseguimos incluir a campanha na programação de aulas para crianças da rede municipal de Belo Horizonte. No próximo ano, vamos voltar a estabelecer essa parceria, falando sobre os cuidados em relação ao sol”, pontua, lembrando que, geralmente, a maior parte da população fica exposta aos raios ultravioletas principalmente na infância e adolescência.
Neste ano, a presidente do SBD-MG cita ter realizado treinamento online com médicos da atenção primária da rede pública de BH. “Eles precisam estar capacitados a identificar lesões, encaminhando pacientes para especialistas e possibilitando um diagnóstico precoce e disseminando informações sobre a importância de se ter cuidado ao tomar sol”, acrescenta.
Dicas e recomendações