Comportamento

Heróis sem capa: o que move uma pessoa a se arriscar para ajudar outra?

Especialistas analisam os sentimentos que estão por trás de atitudes heroicas; indivíduos que já se colocaram em perigo para ajudar desconhecidos contam suas experiências

Por Jéssica Malta
Publicado em 29 de fevereiro de 2024 | 07:00
 
 
 
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No início de fevereiro, o empresário carioca Edilson Freitas da Silva, 47, visitava Minas Gerais pela primeira vez. A viagem, que era a trabalho, acabou ganhando rumos completamente diferentes quando ele se deparou com um acidente na lagoa da Pampulha. Um carro que levava apenas o motorista tinha caído dentro da água após o condutor sofrer um mal súbito e perder o controle da direção. Edilson, que passava pelo local para tirar uma fotografia da Igreja São José antes de seguir para o aeroporto de Confins, acabou tendo contato com o acidente quando buscou se abrigar da chuva que o tinha surpreendido no caminho. 

O cenário que envolvia o acidente chamou a atenção do empresário e também causou indignação. “Vi toda a cena, o carro dentro da lagoa, algumas pessoas filmando e outras tirando foto. Me aproximei e perguntei se havia gente no carro e me confirmaram que sim. Questionei algumas pessoas: ‘Você está filmando e tirando foto do cara morrendo?’”, lembra. A resposta foi que não sabiam nadar. Uma mulher, porém, pediu que ele ajudasse. “Minha reação foi ficar de cueca e tirar o cara de lá”.

Foi assim, quase num impulso, que o empresário se lançou nas águas da Pampulha para resgatar alguém que ele sequer conhecia. E, mesmo com as várias dificuldades, – que incluíam uma maçaneta do carro quebrada e um cinto preso e difícil de alcançar embaixo d’água –, ele e outro homem, que chegou depois, conseguiram retirar a vítima do veículo submerso: um jovem de 23 anos. 

Embora o homem não tenha sobrevivido – o motorista morreu no hospital, após sofrer três paradas cardíacas –, Edilson conta que não passou por sua cabeça não tentar salvá-lo, mesmo que toda a situação tenha colocado sua própria vida em risco. “Me falaram depois que tem até jacaré na lagoa. Mas poderia ter até dinossauro, que, para salvar uma vida, eu não mediria esforços. Naquele momento eu só queria tirar o homem daquele carro”, reitera o empresário carioca. 

Histórias como a de Edilson costumam ser surpreendentes e inspiradoras. Mas será que, diante de situações de risco, qualquer pessoa possa se tornar um herói? O que move alguém a arriscar a vida para salvar outra pessoa, mesmo que desconhecida? Segundo o psicólogo clínico João Gabriel Grabe, algumas perspectivas podem explicar essas situações. “Acredito que um primeiro entendimento seria sobre o instinto de preservação que todos nós temos, como uma herança evolutiva da nossa espécie, que nos faz ficar prontos ou alerta para determinadas situações de risco que nos envolvam ou que envolvam outras pessoas”, explica. João Gabriel acrescenta que essas atitudes também podem ser afetadas por sentimentos de empatia pelo outro. 

De acordo com o psicólogo, é nessa linha, também, que surge a ideia dos super-heróis e seus alertas instintivos, como o “sentido aranha” do Homem-Aranha. “Ele busca proteger aqueles com que se importa e, ao mesmo tempo, as outras pessoas que estão próximas e que correm risco, sendo familiares ou desconhecidos. De certa forma, todos nós podemos ter um herói dentro de nós mesmo, alguns mais ativos, outros nem tanto, mas que a qualquer momento pode ser ativado – espera-se que não, pois geralmente é uma situação de risco”, diz. 

Ser herói como rotina

Arriscar-se para salvar outras pessoas – ou, por exemplo, o meio ambiente – é parte do cotidiano do bombeiro Saulo Amaral há mais de uma década. Nascido na cidade de João Monlevade, na região do Rio Doce, ele fez parte de um serviço voluntário de resgate depois de acompanhar, ao longo dos anos, os inúmeros acidentes na BR–381. Agora, coordena uma brigada que combate voluntariamente incêndios florestais na região. 

“O que me motiva, antes de tudo, é que eu gosto de pessoas, gosto da minha profissão. Eu também gosto de ajudar as pessoas. Para mim, fazer isso é a maior riqueza que eu tenho. É um prazer e um orgulho poder amparar alguém que precisa de atenção, de um socorro. Dar esperança é a melhor coisa que existe”, diz. 

Entre as tantas vezes que já se colocou diante de situações arriscadas para resgatar pessoas desconhecidas, uma delas fica em sua memória. “Tive uma experiência resgatando uma criança. Ele estava com a família em um táxi, e o veículo bateu na traseira de uma carreta. O motorista morreu, e o Gabriel estava muito mal, com várias fraturas. Me coloquei como o pai dele, o tranquilizei, disse que ia dar tudo certo. Ele ia perdendo a saturação e eu, como sou técnico de enfermagem, fazia o controle conforme a orientação do médico. Entregamos para a equipe do pronto-socorro e ele foi transferido para o Hospital João XXIII. Ficou um ano sem falar, mas depois voltou. Essa foi uma experiência que marcou minha vida. Foi no Dia das Crianças, em 2011, ele tinha 12 anos na época”. 

Segundo a psicóloga Simone Alípio, atitudes de heroísmo são mais comuns e naturais quando as pessoas apresentam um perfil de salvadoras. “Esses indivíduos geralmente são muito altruístas, querem salvar o mundo, ajudar a todos e resolver o problema de todo mundo. Muitas vezes eles também são pessoas fortes, confiantes e com um poder de resiliência muito alto”, observa. 

Nem todo mundo quer o bem

Por outro lado, existem também pessoas que se dispõem a ajudar tendo em vista algo que poderão ganhar com a atitude. “Pessoas que buscam reconhecimento podem acabar ajudando aos outros para serem vistas como fortes e serem valorizadas pela sociedade. Nesses casos, elas buscam um reconhecimento social de que são importantes, de que são indispensáveis. Há uma necessidade de se sentir útil. Geralmente, essas pessoas podem sofrer de alguma carência, algum vazio, terem a autoestima baixa e não encontrarem satisfação nelas mesmas e na vida”, explica Simone. 

Em um mundo marcado pelo uso de redes sociais e por uma midiatização do cotidiano, esses atos também podem ser motivados pela busca por algum tipo de exposição. “Diferentemente do herói que faz apenas pelo próprio instinto, sem buscar nada em troca, essas pessoas vão buscar um ganho social ou midiático, inclusive na internet”, diz João Gabriel.

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