Já recebeu algum elogio e não soube como responder? Já sentiu que ser promovida no trabalho foi sorte? Ou já teve medo de descobrirem que você não é bom o suficiente como acham? Se a resposta tiver sido sim, você é mais uma pessoa que pode estar sofrendo da síndrome do impostor. Segundo especialistas, o problema apesar de ainda não ser considerado um transtorno psicológico pela Organização Mundial da Saúde (OMS), assombra mais de 70% das pessoas pelo menos alguma vez na vida.
A expressão ganhou visibilidade depois de um estudo realizado pela psicóloga americana Gail Matthews. A pesquisadora constatou que a sensação de ser uma fraude era mais comum do que se imaginava. De acordo com a pesquisa, publicada pela Universidade Dominicana da Califórnia, esse tipo de pensamento é ainda mais comum entre as mulheres.
Segundo a psiquiatra e professora Kelly Pereira Robis, da Faculdade de Medicina da UFMG, a síndrome do impostor acontece quando a pessoa tem a autopercepção de que é sempre menos qualificada para determinada função ou quando está constantemente comparando a própria performance com a outras pessoas. Para Kelly, as principais razões para se sentir assim estão relacionadas com a ansiedade e a baixa autoestima.
“Não é considerado um transtorno psiquiátrico, mas é um perfil de pensamentos e crenças disfuncionais que vêm de um padrão de vulnerabilidade individual. São características pessoais que foram moldadas pelo meio. A síndrome é marcada principalmente por uma necessidade de aprovação, então, às vezes, um contexto de rejeição pode fazer com que a pessoa reforce essa crença e se esquive de oportunidades, deixando até de tentar uma vaga de emprego, por exemplo, porque ela acha que não é boa o suficiente. Todos podem ter, mas sabemos que mulheres sofrem até três vezes mais que os homens não só por uma questão genética, mas principalmente pelo contexto social”, avalia.
Para a médica, o motivo de as mulheres serem o alvo maior da insegurança é simples e vem de muito cedo. “A mulher é vista e cobrada em uma gama de situações, ela precisa sempre provar e fazer mais do que os homens para serem reconhecidas. Ela precisa ser boa profissional, boa mãe, boa dona de casa, e essa sobrecarga de tarefa e exigência faz com ela tenha a impressão de que não faça nada direito”, completa a especialista.
Famosas. A atriz Jodie Foster, 57, é exemplo disso. Apesar de duas estatuetas do Oscar e ter seu nome na calçada da fama em Hollywood, a americana já admitiu que espera a qualquer momento que os membros da Academia a peçam de volta os prêmios que lhe concederam. A cantora Jennifer López também declarou que, apesar de ter vendido 70 milhões de discos, não se sente boa o suficiente. E os exemplos não param por aí: a atriz Emma Watson, uma das grandes estrelas da saga “Harry Potter”, também afirmou durante algumas entrevistas: “Parece que, quanto melhor eu me saio, maior é o meu sentimento de inadequação, porque penso que em algum momento alguém vai descobrir que eu sou uma fraude e que eu não mereço nada do que conquistei”.
Ou seja, a pop star, a CEO e a top model também não escapam disso, independentemente da idade, do dinheiro, do status e da profissão. Segundo a psicóloga e professora Andrea Barreto, do Centro Universitário Una, quanto mais conquistas, maior é a tendência de se autossabotar. Um estudo realizado pela Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos, mostrou que 70% das americanas entrevistadas – todas executivas de prestígio – sofrem do problema. “Na autossabotagem, as pessoas precisam da aprovação do outro. Falamos da mulher, mas minorias, pessoas negras ou pobres, por exemplo, também convivem diariamente com essa questão do julgamento, precisam provar desde criança que elas vão dar em alguma coisa”, ressalta.
De acordo com a especialista, é comum que as crises de autossabotagem se intensifiquem quando trocamos de emprego, ganhamos um novo chefe ou recebemos uma crítica. Segundo ela, a síndrome do impostor também pode ser um indicativo de outras patologias e, muitas vezes, mais graves, como a depressão e o transtorno de ansiedade. “Existem sintomas físicos, como problemas gastrointestinais, enxaquecas, dores musculares e insônia. Por isso é tão importante ressignificar esse lugar, mudar o mindsight. A terapia e o autoconhecimento são fundamentais para a pessoa entender a sua importância. Estar cercada de bons chefes é essencial, porque eles vão ajudar a direcionar sua competência. Relembre sempre também tudo que você conquistou até aqui”, pontua.
Geração
Alguns especialistas ainda associam o fenômeno a outro fator: à geração millenials. “Na síndrome do impostor, é preciso considerar o contexto familiar, porque tudo isso influencia. Atualmente, temos uma geração que não pode ser frustrada, tem tudo na mão. Os pais trabalham muito e, por isso, compensam a falta com o videogame e tudo aquilo que essa criança e adolescente quer. É legítimo, mas os pais querem sempre dar o que não tiveram para os seus filhos, então isso não permite que se tenha frustração, só que esse é um sentimento necessário para a maturidade social. Qual sociedade vai te dizer ‘sim’ o tempo todo?”, questiona a psicanalista e neurocientista Angela Mathilde.
Acreditar no próprio potencial para avançar
Por muito tempo a psicanalista e pós-doutora em neurociência pela Universidade da Flórida, nos Estados Unidos, Angela Mathilde acreditou que estava no lugar certo e na hora certa. Esse foi quase que um mantra durante toda a sua trajetória. No entanto, Angela teve muito mais do que acaso.
Autora de mais de 15 livros e incontáveis prêmios, Angela já deixou de ir a premiações por achar que não merecia tanto ou não deveria estar ali. “Eu sou negra, por muito tempo achei que tive a sorte de nascer em um ambiente rico, questionava se eu merecia ter as amigas brancas que eu tinha. Então, eu sempre deixei que minhas amigas brancas e dos olhos verdes falassem por mim, porque eu achava que não merecia estar ali. Para piorar tudo, eu ainda sou disléxica e custei a descobrir isso, então eu achava que era burra. Cresci com muita frustração e achando que seria barrada nos lugares, e já fui muito”, conta a especialista, que dá uma dica para quem está com dificuldade em acreditar no seu potencial.
“Aceite os elogios e entenda que ninguém é perfeito, todo mundo tem fragilidades. Hoje, eu tento usar isso ao meu favor: como posso me estimular a ser melhor? Quando estou na dúvida, entro no Lattes e vejo que eu sou muito foda”.
Minientrevista
Enylda Motta
Psicóloga e sexóloga
O que é a síndrome do impostor e a auto sabotagem? A síndrome do impostor é quando a pessoa sente que não é boa o suficiente, onde a pessoa duvida de suas potencialidades, capacidades e que vem associado ao medo, insegurança onde o sentimento de incompetência está muito presente. A auto-sabotagem é quando a pessoa cria obstáculos para não fazer ou enfrentar as situações, consciente ou inconsciente, atrapalhando crescer, enfrentar e desenvolver enquanto pessoa e profissional. A pessoa age contra si mesmo, criando problemas onde talvez não existam e os pensamentos são negativos fazendo com que a pessoa caminhe em sentido oposto ao que ela se propôs. Podemos pensar em uma compulsão por repetição, ou seja, a tendência em repetir comportamentos destrutivos. Geralmente vem de algum trauma, como na infância, onde são criados a partir de conversas, comportamentos, exemplos, fortalecendo os atritos, as brigas, que inconscientemente que acabam fazendo com a pessoa desenvolva ao longo da vida o processo de auto sabotagem. E essas experiências são sempre negativas, trazendo o sentimento de menos valor, onde o mínimo que a pessoa aceita é “bom”, sem atentar (muitas vezes) que está repetindo e está acostumada a viver assim e teme arriscar-se.
Como identificar uma insegurança comum de um problema mais sério? Como perceber que você está se autossabotando? Quais sintomas? Para identificar essa questão, o ideal passar por um processo de psicoterapia, onde a pessoa passa descobrir esse processo de auto sabotagem com acompanhamento profissional. A pessoa pode identificar, a partir da insegurança, como a pessoa está paralisada na vida, sem evoluir, onde o medo, a angústia, a tristeza, ou seja, algum sofrimento está presente. A partir do momento em que a pessoa identifica e percebe os sentimentos ela pode identificar o que está paralisando. A pessoa pode perceber como age na vida, como reage as dificuldades, como compreende o que está acontecendo a sua volta. O comportamento mais comum é a procrastinação. Mas temos outros, como comer demais, trocar de namorado com frequência, sentir medo excessivo de falhar, não ser bom o suficiente e até mesmo criar situações para que não dê certo.
Existe um perfil mais comum de pessoas em que ela se manifesta? A sabotagem pode acontecer em qualquer idade, sexo. Na adolescência, quando tem alguma prova, por exemplo, sabe a matéria, domina o assunto, mas o processo de insegurança, onde o adolescente vai bem e vai receber elogios, de alguma forma ele sabota. E assim vai na vida adulta, terceira melhor idade.
Existe gatilhos para que a síndrome do impostor se manifeste? Um dos gatilhos da síndrome do impostor pode ser o sucesso. Ter sucesso da medo, uma vez que a pessoa terá que se expor e de alguma forma, ou paralisa ou sabota. Portanto, desenvolve mais quando a pessoa está crescendo profissionalmente ou quando é colocada a prova. Auto cobrança excessiva que não acontece somente no meio de trabalho, mas no social também é um gatilho. A obrigação de que tem que dar conta, que precisa ser perfeito. As pessoas geralmente não identificam o gatilho, mas pode vir como depressão, ansiedade, medo.
Quais prejuízos a auto sabotagem pode trazer? Pelo fato da pessoa focar na maioria das vezes no que não está bom, a pessoa deixa de acreditar no que faz e tem mais, nunca comemora conquistas. A pessoa pode deixar de ter uma promoção, pode perder pessoas queridas como em um namoro, pode perder amigos, aumento salarial, afetar a saúde mental e psicológica, pode trazer o isolamento, ansiedade, depressão, medo, angústia, viver na zona de conforto que na realidade não está tão confortável assim.
Existe uma forma de controlar e tratar? Uma das maneiras de vencer e controlar a auto sabotagem é vencer os antigos traumas e buscar, a partir disso, novos caminhos, se permitindo. A pessoa deve perceber o que está acontecendo e que pode ou já está insustentável. Cada pessoa tem dentro de si potencialidades para desenvolver e superar a auto sabotagem e a síndrome do impostor. As palavras, aprender, permitir, agir, melhorar, se cobrar menos, se permitir fazer, são palavras que a pessoa pode colocar na vida, no dia a dia. Reconhecer a dificuldade e fazer diferente para poder vencer essa barreira. A pessoa tem a crença limitante e deve pensar no que já conseguiu superar. Resumindo, é permitir sem buscar a sabotagem, ou seja, de que está fazendo errado ou de que não merece determinada coisa, pessoa, promoção, sucesso. É ter consciência do padrão de comportamento.
Você considera que estamos vivendo em uma era em que está cada vez se cobrando mais? Com a pandemia, a internet é o ponto de acesso e a imagem está em evidência, ou seja, a busca pela perfeição, pelo sucesso está imenso e as possibilidades estão acontecendo. A cobrança com certeza está imensa, mas ela sempre existiu.
Sintomas
Você se encaixa em algum desses comportamentos?
- Tem ansiedade, dúvida, insegurança quanto à própria capacidade
- Experimenta sentimentos de não merecimento pelo posto ou cargo ocupado
- Possui dependência de aprovação externa
- Acredita que os outros são mais capazes e mais inteligentes que você
- Evita fazer coisas que possam desafiar suas habilidades e, por isso, procrastina
- Acha que tudo é sorte e acaso