Luz no fim do túnel

Infectados de BH narram histórias de isolamento, solidariedade e preconceito

Na capital, pacientes que já se trataram e estão praticamente curados contam que não sabem como contraíram a doença e as dificuldades do período


Publicado em 30 de março de 2020 | 15:10
 
 
 
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Nem todas as notícias sobre o coronavírus são negativas. Enquanto o número de infectados cresce vertiginosamente no mundo inteiro, os casos de quem também se curou aumentam. De acordo com um levantamento da Johns Hopkins University, dos Estados Unidos, são cerca de 108 mil pessoas que conseguiram vencer a doença até o momento nos quatro cantos do planeta.
 
E este índice pode aumentar nesta semana já que muita gente se sente bem melhor após as recomendações médicas e o isolamento e está praticamente sem os sintomas. Em Belo Horizonte, pessoas que foram infectadas e já apresentam melhoras relatam as dúvidas de como contraíram a doença, a saudade da família durante o isolamento, a solidariedade de muitos, mas também o sofrimento por terem se tornado alvos de xingamentos e preconceitos.
 
Esse é o caso do vereador Gabriel Azevedo (sem partido) que, antes mesmo de saber que estava infectado, já começou a tomar medidas restritivas como home office e cancelar compromissos. Porém, o único evento em que acabou participando nesse período, na sexta 13, no Mercado Central, pode ter sido o responsável por sua contaminação. “Saber onde ou quem me transmitiu é o menor dos problemas. Eu e os funcionários do meu gabinete, assim como alguns familiares, já tínhamos agendado para fazer o exame no sábado (14), por precaução. Belo Horizonte ainda não tinha nenhum caso confirmado. E foi uma surpresa quando só o meu deu positivo”, revela.  
 
O vereador ressalta que buscou fazer tudo o que estava ao seu alcance para evitar a contaminação e, por isso, faz um alerta à população. “De acordo com os especialistas que consultei, eu tive uma atuação sem erros, irrepreensível. Mas o recado que fica é se mesmo tomando todas as medidas possíveis o risco ainda existe, imagina para aquelas pessoas que, neste momento, sentem que podem afrouxar as medidas. Não é hora de afrouxar, mas de redobrar os cuidados”, indica. 
 
Desde então,Gabriel ficou totalmente isolado em casa e contou com a solidariedade de várias pessoas, inclusive, desconhecidos. Seja através das redes sociais ou deixando algum presente na porta de sua casa. Por outro lado, não só ele mas outras vítimas da Covid-19 passaram a ser alvo de xingamentos e até de discriminação por estarem com a doença. “É surreal. Como se alguém quisesse ter esse vírus. As pessoas deveriam ter um pouco mais de empatia. Os sintomas foram terríveis. Cheguei a ter febre de mais de 40 graus, o pulmão parecia que estava pressionado e emagreci 5 kg”, relata.
 
No entanto, o pior da doença, segundo o vereador, é a possibilidade de ter infectado um ente querido. “No começo eu estava assintomático.E isso pode estar acontecendo com outros. Estarem aí com o vírus e espalhando. Mas ainda bem que ninguém da minha família pegou. Mas meu pai está internado no hospital com pneumonia e, infelizmente, não posso visitá-lo. Mas não tem nenhuma relação com o coronavírus”,afirma.
 
Nos últimos dias, o vereador se sentiu bem melhor. A febre praticamente cessou e ele está otimista. Provavelmente na quinta (2), Gabriel Azevedo vai repetir o exame para verificar se realmente está curado. “Já não sinto mais a tosse, a febre, e imagino que melhorei. De acordo com os prazos que os médicos me passaram, eu tenho que aguardar 14 dias a partir do início dos sintomas e ai vou me testar novamente para conferir se de fato o vírus não está mais no meu corpo”, declara.
 
Transmissão comunitária
O ortopedista pediátrico Bernardo Ramos, 41, e que vai ser colega de Gabriel Azevedo na Câmara Municipal - ele vai assumir a vaga de Matheus Simões (Partido Novo), que virou secretário geral do governo Zema -  também celebra a recuperação e, sobretudo, o fim do isolamento dentro da própria casa. “Minha maior preocupação é com minha mãe que tem 75 anos e tem histórico de cardiopatia. Sinto falta do calor humano, do abraço. Mas essa quarentena é o indicado. Não tem jeito. Por mais que seja difícil,  e que é temporário, o isolamento é necessário”, comenta Bernardo que não sabe precisar onde e quando pegou o coronavírus.  
 
“Essa coisa de transmissão comunitária a gente acaba perdendo a referência, o fio da meada.  A gente está falando de uma doença em que a grande maioria dos pacientes é assintomática, ou seja, não sente absolutamente nada. Estamos falando de um inimigo invisível que pode estar do nosso lado. Pode ser o melhor melhor amigo, um familiar, um colega de trabalho ou até mesmo um desconhecido. Por isso a importância de reforçar essas medidas como lavar bem as mãos, evitar a proximidade com outras pessoas”, frisa.
 
O médico revela que assim que começou a ter sintomas como tosse, mal estar, dificuldade de respirar e a manutenção de uma febre, fez um raio -X e já notou algumas alterações. Antes mesmo do resultado oficial sair, Bernardo Ramos ficou recluso. Na última semana após passar a tomar uma medicação específica como azitromicina e hidroxicloroquina, começou a ter resultados bastante eficientes e assegura que está quase 100%. 
 
Segundo ele, os colegas infectologistas foram unânimes em afirmar que 14 dias após o início dos sintomas ele estaria curado e apto a voltar, inclusive, ao trabalho. “Os sintomas respiratórios, a febre e demais sinais de infecção praticamente desapareceram. E isso é muito bom.Tem vários dias que não vejo a minha mãe pessoalmente e quero muito poder revê-la. Mas antes de eu me expor às ruas, aos meus familiares, vou escutar as opiniões de diversos médicos e só saio dessa quarentena quando eu tiver a mais total e absoluta certeza de que eu não estou transmitindo a ninguém”, salienta.
 
Pai e filho
“Sabe quando parece que a gente vai começar a gripar”, comenta o empresário Gláucio Salgado, 55. Foi assim que ele percebeu que poderia estar com a Covid-19 e procurou um médico. Desde então, já ficou em alerta e passou a ficar mais isolado, inclusive, dentro de casa. “Na verdade, eu e meu filho (Pedro, de 27)  estávamos sentindo dor no corpo, um pouco de falta de ar. Ele ficou num quarto, eu em outro. Minha mulher e minha filha não estavam com nenhum sintoma. Mas elas também ficaram separadas cada uma em um quarto da casa, para não correr risco”,explica.
 
Quando o exame deu positivo para o coronavírus, tanto pai quanto filho intensificaram os cuidados. Passaram a tomar um antiexpectorante e um antialérgico. Gláucio conta que o filho ainda teve sintomas mais graves como a perda quase total do olfato.
 
“A gente não tem certeza de como fomos infectados. Provavelmente, eu peguei do Pedro porque ele foi em um churrasco de amigos onde tinha uma pessoa com o vírus. Num primeiro momento, fiquei meio em pânico e passei a fazer yoga para trazer mais equilíbrio. Até estou evitando assistir muitas notícias sobre isso. Mas continuei minha rotina dentro de casa, inclusive, com meu trabalho”, conta.
 
Há cinco dias, o empresário passou a notar uma sensível melhora em seu organismo e está confiante de que o pior já passou. “A medicação acertada fez muito efeito e vou repetir em breve o exame junto com meu filho para ver se realmente vai dar negativo.  Até o olfato dele já melhorou muito. Minha esposa e minha filha também vão fazer por precaução. Mas eu tenho quase certeza de que estamos curados”, celebra.
 
Recomendação
O infectologista do Hospital Biocor, Estevão Urbano, explica que o paciente pode ser considerado curado a partir do momento em que os sintomas clínicos forem resolvidos. “É um critério mais clínico do que de exame. Não necessariamente teria que repetir. O critério clínico de melhora é suficiente. Quem pega o coronavírus e melhora deve demorar de 10 a 14 dias após o início dos sintomas para voltar ao convívio social para exatamente evitar essa transmissão que poderia estar presente até o 14º dia”, informa.
 
Ainda segundo Estêvão, não se pode precisar exatamente se quem pega uma vez a Covid-19 está imune. “Tudo ainda é muito novo, recente. As pessoas ficam imunes por um tempo, mas não se sabe quanto tempo exatamente. Estamos aguardando mais evidências para ter uma resposta certa”.

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