FETICHE

Ingrediente para apimentar a relação, videos íntimos podem gerar transtornos

Saiba como agir quando esse tipo de material é compartilhado de forma pública na internet


Publicado em 03 de março de 2023 | 07:00
 
 
 
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Na hora do “bem-bom”, a câmera se transformou num acessório muito recorrente. Filmar o outro em situações íntimas, a partir de aparelhos cada vez mais modernos e acessíveis como o próprio telefone celular, se tornou uma forma de prazer, atrelada a fetiches como voyeurismo e exibicionismo. Mas o que era para ser um “caliente” e memorável desfrute a dois pode gerar uma “dor de cabeça do tamanho do mundo”, como define o advogado Jonatas Lucena, especializado em crimes cibernéticos.  

“Uma vez que caiu na internet, vira um problema sem controle”, registra Lucena. Por mais que vítima e advogado tentem remover o conteúdo, especialmente em sites de pornografia ou perfis de Instagram e Facebook, o dano emocional sofrido pela vítima é incalculável. Até porque as etapas jurídicas para isso acontecer demoram cerca de 90 dias. E, se o vazamento ocorrer por aplicativos de mensagens instantâneas, “não há o que fazer, sendo tecnicamente impossível descobrir a origem do compartilhamento”.  

Com a diversidade de maneiras de armazenamento de imagens, que vai de um pen drive à nuvem (arquivos públicos da internet), a chance de a vítima ser reiteradamente atormentada com a divulgação de suas imagens íntimas é muito grande. Lucena cita o caso de uma cliente que, há dez anos, o contratou para remover o conteúdo de uma imagem feita quando tinha 17 anos. “Esse vídeo passou a lhe perturbar a vida toda. Sempre quando ela faz uma pesquisa e o encontra, sou chamado para remover”, conta. 

O advogado atende a, pelo menos, dois casos de vazamento de vídeos íntimos por semana e, por sua experiência, já tem um perfil daqueles que praticam essa criminalidade. Segundo ele, em 80% das vezes são homens, especialmente pessoas próximas, como um ex-namorado, um cunhado, um sócio ou colega de trabalho. “São raríssimos os casos em que descobrimos ser uma pessoa desconhecida”, registra. Na maior parte das situações, o criminoso tem boa escolaridade e sabe muito bem todas as funcionalidades da internet e da tecnologia.  

O motivo para essa exposição sem permissão da intimidade alheia, segundo Lucena, geralmente tem como elemento principal a inveja. “Acabei de ter uma reunião com um infrator e uma vítima, e ele não soube me dizer o motivo, só admitindo que cometeu um erro. Mas, no meu ponto de vista, existe a intenção de fazer uma maldade devido à situação que o outro está”, exemplifica. No caso citado por ele, o disseminador de imagens proibidas foi um ex-subordinado, que expôs a vítima, em trajes menores, no Facebook.  

Em Minas Gerais, o Ministério Público criou, há um mês, o Grupo de Atuação Especial de Combate aos Crimes Cibernéticos, em resposta, de acordo com o promotor responsável por sua coordenação, Mauro da Fonseca Ellovitch, “à identificação do crescimento desse tipo de crime”. O Gaeciber substitui, com poderes mais amplos, a Coordenadoria Estadual de Combate aos Crimes Cibernéticos, passando a contar com mais promotores de Justiça, policiais e equipamentos sofisticados de investigação.  

A instituição iniciará, nos próximos dias, uma campanha de prevenção, já que o vazamento de vídeos íntimos “ainda é um tipo de crime pouco falado, apesar das consequências terríveis para a vítima”. A principal recomendação é: não permitir, em hipótese alguma, que se faça qualquer imagem dessa natureza: “Não quero fazer nenhum julgamento moral à pessoa que se expõe para o namorado, mas é uma medida que independe disso. Quando se faz uma foto ou vídeo de forma desinibida, não temos garantia sobre o que será feito depois com o material”. 

Segundo Ellovitch, “o ser humano guarda rancores, os relacionamentos acabam e pode haver a propensão para fazer alguma coisa impensada”. O coordenador compara a realização de um vídeo íntimo com a tentativa de se colocar de um gás de volta a uma garrafa recém-aberta. “Jamais vamos recolhê-lo de novo, em condições normais de temperatura e pressão. É abrir a porta para um risco que, a meu ver, é desnecessário”, analisa. Mas, se o pior cenário aconteceu, a vítima não pode deixar de agir.  

O primeiro passo é, de acordo com o Ellovitch, fazer um print da imagem, preferencialmente no lugar onde foi postado. No caso de aplicativos de mensagens instantâneas, a captura da tela tem que possibilitar a identificação do responsável. Se estiver na lista de contatos, é preciso tirar o nome para que possa aparecer o número telefônico. “Com essa medida, vamos poder provar ao juiz a necessidade de quebra de sigilo daquele terminal”, explica. Se a veiculação se deu em site, o print deve mostrar o endereço de internet no navegador.  

O passo seguinte é procurar qualquer delegacia para que se possa instaurar um procedimento criminal. “O caso incorrerá no artigo 218-C do Código Penal, sobre a divulgação não consentida de cenas de sexo. A pena é relativamente considerável, de um a cinco anos de prisão, que pode ser aumentada de um terço à metade se a divulgação tiver sido feita por quem mantinha algum tipo de relação íntima com a vítima, para fins de vingança ou humilhação. É o que acontece na maioria dos casos”, assinala.   

Além da responsabilidade criminal, há também o processo cível, onde a vítima pleiteia indenização. Em janeiro, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais condenou, na comarca de Contagem, o ex-companheiro de uma vítima a pagar R$ 60 mil devido a danos morais. É importante ressaltar que o Código Penal prevê pena também para quem distribui, transmite e divulga o vídeo. Ou seja,

o simples fato de compartilhar o conteúdo representa crime.  
Para Jonatas Lucena, o apenamento para esse tipo de crime ainda é muito brando. “Nesses casos, a pena é menor do que quatro anos, o que acaba sendo convertido em prestação de serviços comunitários. Não dá cadeia. Sem o medo da perda de liberdade, não há inibição do infrator, que continuará impune. No meu ponto de vista, é algo que até motiva o crime”, observa. O advogado lamenta que não há, no Brasil, “delegacias especializadas de verdade e varas judiciais específicas” para um problema que é crescente.

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