Inclusão

Legislação brasileira impede registro de bebês intersexuais 

Chile avança nos direitos humanos e proíbe que crianças passem por cirurgia de ‘normalização’


Publicado em 01 de março de 2016 | 03:00
 
 
 
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Em janeiro deste ano, o Chile deu um grande passo na direção da ampliação dos direitos das pessoas intersexuais (nascidos sem uma definição clara se são do sexo masculino ou do feminino). Por iniciativa de seu ministro da Saúde, Jaime Burrows, o país proibiu que cirurgias de “normalização” sejam realizadas em crianças. A ação do Chile representa nova vitória para ativistas em todo o mundo, pois somente o arquipélago de Malta, no Mediterrâneo, já havia proibido as cirurgias corretivas em crianças.

“Essa ordem do Executivo, que veio antes de qualquer legislação existente no país sobre o assunto, mostra um profundo comprometimento do governo chileno com os direitos humanos dos intersexuais”, comentou María Mercedez Gómez, coordenadora regional para a América Latina e para o Caribe da ONG OutRight, que luta pelos direitos dos LGBTI (sendo o “I” da sigla justamente os intersexuais).

Por outro lado, no Brasil, ainda não há uma legislação específica para o assunto. Mas o Conselho Federal de Medicina tem uma resolução que orienta sobre o tema. “A resolução 1.664 do CFM trata do intersexo e propõe, entre outras medidas, que a criança com intersexo seja considerada caso de urgência médica e social, cujo tratamento deve ser buscado em tempo hábil, de forma a garantir a dignidade da pessoa humana, princípio basilar dos Direitos Humanos”, explica a advogada especialista em direito civil Andréa Santana Leone de Souza, membro do grupo de pesquisa Direitos Humanos, Direito à Saúde e Família, da Universidade Federal da Bahia.

“Essa resolução justifica a necessidade de definição do sexo biológico, por não haver estudos em longo prazo sobre as repercussões individuais e sociais de uma pessoa que não definiu o sexo biológico e viveu anos sem um sexo estabelecido”, detalha Andréa.

Educação da sociedade. Na opinião da antropóloga Claudia Fioretti Bongianino, que pesquisa intervenções genitais femininas desde 2008, o Brasil precisa de uma legislação mais inclusiva.

“Fazer a cirurgia de correção genital em crianças intersexo é uma violência porque você tira do sujeito o direito de escolha. Não fazer a cirurgia é outra violência, porque eles vão sofrer uma grande discriminação social. A lei brasileira existe para evitar que haja esse segundo tipo de violência”, explica.

Em vez de adaptar os intersexuais às normas sociais vigentes, contudo, o que a pesquisadora sugere é que a sociedade seja educada para aceitar essas pessoas. “O gênero é muito mais maleável do que o que nós pressupomos que seja masculino ou feminino. Precisamos conscientizar a sociedade de que não há só ‘menino’ e ‘menina’”, avalia.

As burocracias a serem enfrentadas nessa lógica binária começam assim que a criança nasce.

“O primeiro e principal conflito jurídico é o registro de nascimento (que é um direito fundamental de todos e também uma obrigação legal dos pais, do Estado e da sociedade), pois, no Brasil, a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre registros públicos, em seu artigo 54, impõe, dentre os requisitos para o registro do nascimento, o sexo e o prenome”, esclarece Andréa.

A especialista ainda levanta a questão: “Como registrar, se hoje, no Brasil, vivencia-se uma lógica binária de registro civil?”. A situação poderia ser resolvida com uma lei como a da Alemanha, que, desde 2013 inclui a categoria “outro” nos formulários de registros dos nascidos no país.

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