Esotérico

'M’Kumba' reafirma resistência das religiões africanas

Exposição mostra o trabalho do premiado fotógrafo Gui Christ, que reflete sobre o momento de fé dos terreiros


Publicado em 17 de janeiro de 2023 | 03:00
 
 
 
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“M’Kumba” é o nome da exposição fotográfica de Gui Christ, que fica até 25 de março, no mês em que se celebra o Dia de Combate à Intolerância Religiosa, no Instituto Pretos Novos, no Rio de Janeiro, que tem mais de 500 anos de história. Tudo na obra desse artista premiado internacionalmente e filho de Ogum e Iemanjá revela seu engajamento no combate ao racismo religioso. 

“Há séculos a palavra ‘macumba’ vem sendo usada de forma pejorativa e foi desvirtuada pelos colonizadores. ‘Kumba’, no dialeto kicongo, falado na região centro-africana, quer dizer ‘curandeiro’, ‘senhor da palavra’, ‘homem sábio’; e ‘ma’ é ‘coletivo’. Então ‘macumba’ é o encontro de curandeiros. ‘M’Kumba’, a exposição, revela como as pessoas reafirmam sua fé num país em que os praticantes das religiões de matriz afro sofrem um ataque a cada três dias”, define Christ, que traz pela primeira vez para o Brasil seu trabalho premiado internacionalmente. 

A exposição, com 15 fotos e curadoria de Marco Antonio Teobaldo, já rodou o mundo, passando por Alemanha, Suíça, Argentina, Inglaterra e Índia, onde ganhou o Indian Photo Fest, foi finalista do Lensculture Portrait Awards 2022 e selecionado para a edição com as melhores imagens do fotojornalismo mundial segundo o Pulitzer Center. 

A National Geographic Society e o Pulitzer Center for Journalism financiram o projeto. O fotógrafo acaba de receber o título de National Geographic Society Explorer pelo seu trabalho documental sobre a religião africana no Brasil, tem vários prêmios internacionais e é colaborador de veículos como “Time Magazine”, “The National Geographic Magazine”, “The Washington Post”, entre outros. 

“O trabalho do Christ expõe os líderes religiosos com beleza e desmistifica esse preconceito”, diz o curador Marco Teobaldo, que percorreu centenas de fotos para escolher as 15 desse projeto. Expostas em ampliações de 80 cm x 60 cm e um lambe-lambe de 2 m x 1,5 m. O trabalho é tão forte que dez fotos já foram selecionadas pelo curador Paulo Herkenhoff para o acervo permanente do Museu Nacional de Belas Artes. 

“Durante a pandemia, a National Geographic abriu bolsas para projetos de fotos sobre a pandemia. Sonhei que Obaluaê, orixá da doença/cura, falava que eu deveria mostrar como minha religião estava sendo impactada, como as pessoas estavam fazendo para se ajudar e como os rituais de cura estavam acontecendo. Acordei e, em quatro horas, escrevi o projeto que foi aprovado dois dias depois”, conta o fotógrafo, que é iniciado no candomblé e na umbanda e registrou, a partir da sua própria vivência, como afro-religiosos exercem sua fé. 

Christ conta que escolheu esse título da exposição “para reafirmar quem são os kumbas hoje, como os afro-religiosos se portam e como resistem frente a essa intolerância religiosa”. “É um resgate da nossa religiosidade. Essa exposição se apresenta como um instrumento eficaz de ação afirmativa no combate ao racismo religioso. Esse é o melhor termo para se usar, porque seria intolerância se acontecesse em mesmo nível e grau com todas as religiões, e vemos que isso não acontece”, conta. 

 

AGENDA: A exposição “M’Kumba” fica até o dia 25 de março, de terça a sexta, das 10h às 16h, e aos sábados, das 10h às 12h, no Instituto Pretos Novos, na rua Pedro Ernesto, 32, Gamboa, no Rio de Janeiro. A entrada é franca. 

Igreja Católica chancelou a escravidão 

Gui Chris foi batizado, estudou no Colégio Salesiano, mas sua mãe era kardecista. “Frequentei grupos de jovens e sempre fui muito estudioso, gostava de história, e o kardecismo me fascinou porque apresentava uma abordagem científica. No entanto, ouvia as pessoas falando sobre o baixo espiritismo e que os espíritos dos pretos velhos eram moralmente muito evoluídos, mas intelectualmente muito atrasados, porque eram africanos. Os jornais da época traziam manchetes do tipo: ‘pai de santo mata criança e rouba seu coração’. Minha avó dizia que a mãe dela havia abandonado a família porque estava metida com macumba, arrumou um homem e foi embora”, relembra. 

O fotógrafo considera que, “por meio de um processo de construção secular, há um consenso muito negativo na sociedade hegemônica sobre as religiões de matrizes africanas”. “Quando analisamos o processo colonial no Brasil, entendemos que a questão da escravidão envolvia não apenas a raça, mas a chancela dada pela Igreja Católica para que as potências europeias pudessem escravizar os africanos e os ameríndios”, conclui. (AED) 

Macumbeiro e fotógrafo 

O primeiro contato de Gui Christ com as religiões afro-brasileiras se deu há 20 anos, quando fotografava um grupo folclórico e foi parar em frente a um centro de umbanda. “A convite do sacerdote, assisti ao ritual e passei a questionar se tudo que eu havia ouvido sobre as religiões afro não estaria equivocado. Depois visitei uma exposição do fotógrafo Pierre Verger que documentou as religiões de matriz africana na Bahia dos anos 50”, rememora Gui Christ. 

Foi definitivo. “Costumo dizer que virei macumbeiro por causa da fotografia ou que virei fotógrafo por causa da macumba. Tenho dupla pertença. Na umbanda, há o culto aos ancestrais (influência bantu); no candomblé, temos o culto a um orixá divinizado. Essa dupla pertença e meu processo fotográfico me permitiram entender essa diversidade e desconstruir meu racismo”, conclui Christ. 

 

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