Comportamento

Miss Japão ainda sofre com o preconceito por ser ‘diferente’  

Após vitória, Ariana Miyamoto luta para ser aceita pelos compatriotas


Publicado em 12 de junho de 2015 | 03:00
 
 
 
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Tóquio, Japão. Quando Ariana Miyamoto foi coroada Miss Japão 2015, as outras participantes disseram que ela roubou a cena com seu gingado, um sorriso contagiante e uma autoconfiança tranquila surpreendente para seus 21 anos, mas não foram só sua beleza e atitude que chamaram a atenção nacional.

A moça faz parte do pequeno grupo de “hafu”, ou japoneses birraciais, a ganhar um concurso de beleza importante no Japão, que tem orgulho de sua homogeneidade. E é a primeira mulher de ascendência negra a conquistar tal façanha.

Com a vitória, garantiu o direito de representar o país no concurso Miss Universo, que acontece em janeiro de 2016. E diz torcer para que sua aparência – e, melhor ainda, sua vitória – faça os japoneses aceitarem os hafu. Porém, sabe que há um longo caminho a ser percorrido.

Mesmo após a conquista da competição nacional, os jornalistas locais têm tido dificuldade em aceitá-la como japonesa.

“Os repórteres sempre me perguntam que parte de mim é mais japonesa e minha resposta é única: ‘Eu sou japonesa’”, diz Ariana, que tem as pernas longas de uma modelo estrangeira, mas a mesma timidez de suas conterrâneas.

“Eu esperava que o título de Miss Japão os fizesse perceber isso”, acrescenta.

Talvez essa percepção leve um tempo para acontecer. Depois que ganhou, várias pessoas foram à internet criticar o júri por escolher alguém que não parece japonesa.

“A Miss Japão não deveria pelo menos ter um rosto japonês de verdade?”, questionou um.

Só que um grande número de compatriotas também fez questão de defendê-la: “Por que uma pessoa nascida e criada no Japão não pode ser considerada nativa?”, perguntou outro.

Fruto do breve casamento entre um marinheiro negro norte-americano e uma japonesa, Ariana foi criada no Japão e conta que era desprezada por outras crianças por causa da pele escura e do cabelo enrolado.

Essa experiência a levou a usar a vitória no concurso como bandeira para conscientização das dificuldades enfrentadas por outros mestiços em um país que ainda se considera monoétnico.

“Até hoje não sou vista como japonesa; acham que sou estrangeira. No restaurante sempre recebo o cardápio em inglês e vira e mexe me elogiam por saber comer com hashi. Quero mudar o conceito do que é ser japonês”, afirma a moça, que usa sua língua mãe e é exímia caligrafista de ideogramas.

Vitória. Apesar da dificuldade em ser aceita, os especialistas afirmam que foi exatamente por ser meio-negra que ela chamou tanta atenção; para eles, sua vitória acabou com a hierarquia implícita entre os hafu, a qual reza que quem tem pele mais clara é mais bonito.

“Ariana é a Miss Japão mais comentada de todos os tempos. Sem contar que não deu chance às outras candidatas com sua dança, a elegância do vestido de noite e o corpo perfeito no desfile de biquíni”, afirma Stephen Diaz, repórter do Missosology, site que cobre concursos de beleza.

Vitória é encarada como prova de uma aceitação maior

Tóquio.
Muitos encaram a vitória de Ariana como prova de que, aos poucos, o Japão começa a aceitar uma imagem mais “colorida” de si mesmo.

Com a imigração ainda extremamente restrita, praticamente toda a diversidade japonesa vem dos filhos das uniões com estrangeiros. Esses hafu – termo que vem da palavra inglesa “half” (metade) – vêm ganhando cada vez mais destaque social, principalmente nos esportes e na TV.

Os mestiços também representam uma porção pequena, mas crescente, da população. De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 20 mil crianças com um dos pais nãojaponês nascem todos os anos, o que corresponde a 2% do número total.

“Ariana nos dá uma nova oportunidade de desafiar a antiga máxima de que é preciso ter cara de japonês para ser japonês”, diz Megumi Nishikura, a cineasta meio-japonesa, meio-americana que codirigiu o documentário de 2014 “Hafu”.

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