Panorama

Pessimismo com o futuro cresce entre jovens no Brasil, diz pesquisa

Estudo realizado pela Unicef aponta que apenas 31% dos brasileiros com menos de 24 acreditam que o mundo está melhorando


Publicado em 19 de janeiro de 2022 | 06:00
 
 
 
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“Brasil, país do futuro”. A célebre frase do escritor austríaco Stefan Zweig (1881-1942) – que originalmente dava título ao famoso livro do mesmo nome publicado em 1941 – sempre serviu como exemplo claro de toda a felicidade e esperança que a maior nação da América Latina sempre teve em seus anos vindouros. 

Mas a profecia sonhada por Zweig sobre dias melhores em terras tropicais parece não inspirar a mesma expectativa nas novas gerações de brasileiros.  

Pandemia, desigualdade social e desemprego são atualmente algumas das questões que têm deixado adolescentes e jovens cada vez mais desanimados e pessimistas em relação ao futuro do país, é o que diz uma pesquisa publicada em novembro do ano passado pela Gallup e pelo The Changing Childhood Project, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). 

O relatório revelou que apenas 31% dos entrevistados – todos na faixa etária entre 15 e 24 anos – acreditam que o mundo está melhorando. No ranking geral do levantamento, o Brasil ficou em penúltimo lugar, à frente apenas de Mali, país da África Ocidental.  

“É possível que essa descrença esteja diretamente ligada ao sentimento de desesperança que o mundo está vivenciando nos últimos anos”, avalia a psicóloga e psico-oncologista Adriane do Carmo Pedrosa.  

Ela explica que a sensação de insegurança, somada às catástrofes ambientais, cria em muitos uma sensação de que não há perspectivas.  

“Esses jovens não foram preparados para lidar com frustrações de nenhuma ordem e nem sequer sabem o que seja resiliência diante das ameaças. Isso pode ser desesperador”, esclarece. 

Embora já enfrentassem grandes desafios antes do novo coronavírus, o contato com as incertezas e perdas durante a pandemia acabou consolidando uma onda de tristeza e desconfiança entre os mais novos. 

“Não há dúvidas de que a Covid-19 acentuou mais ainda este quadro”, diz a psicóloga Gislene Maria Dias da Rocha. “Durante esse período, muitos jovens viram seus pais perdendo emprego ou tiveram contato com amigos que desistiram de estudar. Tudo isso trouxe para dentro de casa problemas que antes só existiam do lado de fora”, explica. 

Para a psicóloga, a redução do otimismo também pode estar ligada ao fato de que boa parte da juventude tem sido exposta excessivamente à internet e às redes sociais.  

“Por estar tão próxima dessas tecnologias, a nova geração costuma se inteirar de diversos assuntos e ter acesso a muitos assuntos sérios como a desigualdade social, as mudanças climáticas e os problemas sociais. Isso tudo contribui para o aumento da desconfiança e traz uma visão de mundo mais sombria para eles”, afirma. 

“A web pode ser um meio valioso de conhecimento e network, mas também uma fonte de ilusões na qual os filtros de fotos, por exemplo, trazem uma realidade fantasiosa, escondendo medos, angústias e ansiedades”, completa Gislene. 

O psiquiatra e terapeuta cognitivo comportamental Rodrigo de Almeida Ferreira concorda e acrescenta ainda que o uso desenfreado do universo digital pode prejudicar o bem-estar mental. 

“Já é bem documentada em diversos estudos a associação entre uso passivo de redes sociais e a piora da autoestima, o aumento da insatisfação com o próprio corpo e a probabilidade de se desenvolverem sintomas depressivos”, alerta o médico. “Maior tempo de tela também aumenta o risco de sedentarismo, que é um fator de risco importante para doenças mentais”, acrescenta. 

Do pessimismo à esperança 

Mesmo que a fé de muitos jovens esteja em xeque sobre o amanhã, especialistas afirmam que há fontes seguras para superar um mau prognóstico do futuro. 

“Lembra da história de que uma mentira dita um milhão de vezes vira uma verdade? Pensamentos negativos são isso, e uma visão de que o futuro só trará coisas ruins é míope, para dizer o mínimo”, opina a psicóloga Wanessa Fernandes.  

“É claro que não é possível manter o otimismo o tempo todo, emoções ruins são despertadas e elas precisam ser sentidas. Mas há também o momento de se experimentar a esperança, a alegria e a vontade de viver”, analisa.  

Para Wanessa, as incertezas, dúvidas e apreensões sempre vão existir, mas é importante não se concentrar somente para o lado ruim das coisas.  

“O exercício ativo de se colocar um olhar racional sobre o próprio pensamento e compreender a realidade às vezes é tudo que precisamos para mudar nosso ponto de vista”, ensina. “No fim das contas, o que permanece são os fatos, a realidade. Os nossos pensamentos vêm e vão, mas a realidade é o que fica. E isso, por si só, já é um motivo de esperança”, resume.

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