Justiça

Pets no tribunal: vitória em caso no STJ dá esperança a tutores

Em condomínios, conflitos que envolvem animais são frequentes


Publicado em 19 de maio de 2019 | 03:00
 
 
 
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Defensores de animais, tutores de pets e até aqueles que preferem ficar longe dos bichinhos, mas reconhecem sua importância para parcela da população, tiveram motivo para celebrar na última terça-feira: em decisão unânime, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a enfermeira Liliam Franco poderia, sim, à revelia da convenção do condomínio, viver em seu apartamento com a gatinha Nina, que está há quatro anos na família. 

Resultado, é verdade, que já era esperado por especialistas em direito imobiliário e que reacende esperanças em outros tutores de conseguir, pela Justiça, direito de conviver harmonicamente com seus animais domésticos em seus apartamentos. Situação vivida pela aposentada Jussara Drummond, 65. No prédio em que vivia, no bairro Buritis, não havia impedimento para que os condôminos tivessem cães, gatos ou aves. Mas, de forma velada, o conjunto de regras inibia que os moradores tivessem animais de porte maior. Por ali, a norma era que, ao passar pelas áreas comuns, os animais deviam ser carregados no colo pelos seus cuidadores. Na prática, Jussara ficava impedida de sair com seus dois cães, que pesam 16 kg e 9 kg.

“Mudei-me para o prédio em 2013, quando tinha três cachorros, todos resgatados. À época, não havia nenhum entrave. Eu sempre andei com eles presos em uma coleira, mas alguns moradores chegavam a andar com seus cães soltos”, lembra Jussara. Ela se mudou de lá, retornando ao mesmo apartamento no ano passado. Foi quando, confrontada por um porteiro antes de um passeio, se deparou com o novo regimento interno. 

A moradora até tentou alguma conciliação, mas nada funcionou. “Expliquei que não tenho condições de carregá-los, são pesados para mim. Me propus a não passar pela entrada principal, somente pela garagem”, explica. Todavia, continuou impedida: “Toda vez que saía, o porteiro vinha atrás e anotava em um bloquinho. Me sentia uma criminosa”. Em pouco tempo, ela recebeu uma multa. “Paguei e busquei advogados”, cita.

Enquanto aguarda que saia uma decisão judicial, Jussara preferiu colocar seu imóvel para locação e ir para o apartamento de sua irmã – onde os cães não são problema. “A única coisa que quero é ser respeitada, da mesma forma que respeito a todos”, diz.

Recomendação. Tanta intransigência contraria recomendação do Sindicato dos Condomínios Comerciais e Residenciais de Minas Gerais (Sindicon-MG). O presidente da entidade, Carlos Eduardo Alves, reconhece que são quase diários os relatos de conflitos por conta da criação de pets em condomínios. Pouco antes de falar com o Pampulha, havia intermediado mais um episódio. “Era o caso de um condomínio em que os cães devem circular sempre com uso de coleiras e focinheiras. Então, vizinhos se queixaram, pois queriam que uma cachorrinha filhote também usasse”, comenta.

“Devemos, em vez de notificar, dialogar, evitando que haja mal-estar”, comenta Alves, lembrando que, mesmo com impedimentos via convenção ou regulamento, há diversas decisões na Justiça que autorizam a presença de animais domésticos. Além disso, o presidente do Sindicon-MG sustenta que, ao estabelecer regras, que são necessárias para o melhor convívio, é preciso cuidado para não se impor normas vexatórias.

É por esse prisma que o especialista em direito imobiliário Kenio Pereira lê a situação de Jussara. Para ele, tais imposições estariam ligadas a uma linha de pensamento atrasada. “Antigamente, havia uma ideia de que a convenção poderia proibir a presença de animais. Mas, com o passar dos anos, à medida que os pets foram sendo mais e mais aceitos, houve mudança. Deixamos de falar que as pessoas são ‘donas’ e passamos a identificá-las como ‘tutoras’... E houve também mudança em termos de jurisprudência”, pontua.

Hoje presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG, após ter sido vice-presidente por quatro mandatos da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG, Pereira sinaliza que conflitos do gênero ainda são comuns, mas devem ser resolvidos caso a caso. “Se um só animal, em todo o prédio, está causando perturbação, seja barulho, risco à segurança ou mesmo problemas de higiene, o síndico deve buscar diálogo com o tutor – e pode chegar a pedir sua expulsão, diante de vastas provas e testemunhas. Mas não pode generalizar e pedir que os todos animais sejam expulsos”, comenta.

Adestramento é alternativa para redução de conflitos

Há dois anos, a arquiteta Fernanda Righi, 25, foi duplamente surpreendida pelo administrador Pedro Henrique, 26: pedida em casamento, ela ainda ganhou Batman, um peludo cachorrinho da raça spitz alemão – que acompanhou o sensível e importante momento do casal. Depois do matrimônio, mudaram-se para um apartamento e, então, começaram as dores de cabeça.

“Foi deixado um bilhete, muito malcriado, reclamando que ele latia demais, que ele ficava sozinho a tarde toda, e isso seria uma forma de maus-tratos”, lembra Henrique, negando a informação. Fernanda, afinal, trabalha fazendo projetos em casa. Em resposta, o casal deixou um bilhete anexado à porta, deixando até o número de telefone deles ali. “Dialogando, pensamos que chegaríamos a um consenso”, diz. Mas nenhum contato foi feito.

O síndico passou a intermediar o conflito, que se prolongava. A vizinha chegou a ir até a porta do apartamento do casal e filmar enquanto Batman latia. “A gente tinha câmeras lá, com captura de áudio. Repassamos e notamos que ele não latia tanto. Mas, em situações de medo, como o que sentia quando notava a presença de alguém atrás da porta, sua reação era essa”, defende-se Henrique.

O casal chegou a recolher provas de que havia um exagero da vizinha, mas acabaram preferindo sair daquele imóvel. “Ficamos lá por seis meses. Agora, como vamos nos mudar para Portugal, decidimos ficar na casa da minha sogra até lá”, observa Fernanda. E, por lá, a vizinhança não tem se queixado da presença do Batman. Mesmo assim, eles optaram por buscar um adestrador. 

“Estamos na segunda semana de treinamento, que vai durar três meses, e já notamos que houve uma evolução. Ele já está começando a entender que não precisa responder ao medo assim”, garante a arquiteta, que levará o cãozinho para a Europa.

Educando. Assim como Fernanda e Pedro Henrique, são muitos os tutores que buscam ajuda com profissionais para que seus pets possam conviver em harmonia com a vizinhança. É por essa razão que, na maioria das vezes, o adestrador Augusto Lavinas é procurado. O especialista em comportamento animal reforça que não há idade para que um cão ou gato seja treinado – “mas, nos mais velhos, o aprendizado é mais lento”. 

Lavinas expõe que o adestramento será mais efetivo se acontecer em um ambiente calmo. “O processo deve ser efetivo, controlado e gradual. Veja: quando vamos aprender a dirigir, começamos pelas vias mais tranquilas, para depois percorrer as avenidas mais tumultuadas. No caso dos animais, primeiro devem aprender em casa, para depois ir para outros locais”, argumenta ele.

A bióloga Carolina Felipe, assim como Lavinas, defende o adestramento positivo – isto é, sem uso de choques, borrifos d’água ou estrangulamento. Embora seja mais comum que cães sejam treinados, ela lembra que gatos também podem aprender: “O miado, por ser baixo, muitas vezes não incomoda. Mas há outros problemas, como marcação de território, defecar em lugares inapropriados, agressividade...”.

Diante de qualquer quadro do tipo, Carolina pondera que “o ideal é procurar um profissional da área comportamental juntamente com um veterinário, pois, em alguns casos, esse problema pode ter origem ligada à saúde do animal”. De maneira geral, a bióloga defende que problemas do tipo tendem a ser menores se os animais têm suas necessidades básicas atendidas.

Dicas para uma boa convivência

Responsabilidade. Especialista em direito imobiliário, Kênio Pereira lembra que o tutor é responsável direto pelo seu pet – inclusive, legalmente: “Se alguém for mordido pelo seu animal de estimação, ele poderá te processar”. 

Coleira. O adestrador Augusto Lavinas reforça que, ao transitar por áreas comuns ou de passagem, mesmo que não haja normas internas, é recomendável que cães andem com coleiras – e, a depender do porte, com focinheiras.

Cuidados. Lavinas lembra que os tutores devem portar itens para recolher o cocô ou limpar o xixi que o animal fizer. Ele sugere, ainda, o uso de um borrifador com água e bicarbonato de sódio para diminuir o odor.

“Sob o meu sinal”. O especialista comportamental informa que é possível treinar um animal a fazer suas necessidades fisiológicas apenas depois de ouvir uma palavra de comando: “Ao perceber que o pet está com vontade, use a palavra-chave e, depois que ele fizer as necessidades, recompense com um petisco, ou ração. É uma dica ótima para os que frequentam áreas comuns”.

Comportado. Os bichinhos também podem aprender que não é pulando em uma pessoa que terão atenção. “Nesse caso, o ideal é ensinar a eles que, sentados, vão ter recompensas, como petiscos”, sugere.

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