Nascimento

Plano de parto: Detalhes da maior expectativa

Documento, uma ferramenta ainda desconhecida que fomenta diálogo entre gestante e equipe médica durante o pré-natal, gera polêmicas


Publicado em 10 de março de 2019 | 03:00
 
 
 
normal

A engenheira e empresária Natália Castro registrou no papel o desejo do parto normal do seu primeiro filho, Rafael. Detalhes sobre a luz e a música que queria no momento também estavam lá. Mas, no fim, nem tudo saiu como planejado: “Tive pré-eclâmpsia grave, fui internada, tentamos uma indução que não evoluiu e fomos para a cirurgia. Mas deixaram minhas mãos livres, pude tocar meu bebê, meu companheiro me acompanhou no procedimento, fiquei consciente, assim como tinha pedido no plano de parto se fosse necessária a cesárea”.

O plano de parto que Natália cita é um documento desconhecido da maioria das gestantes brasileiras. Feito com o apoio de uma equipe médica que dá à mulher as informações necessárias, ele tem como função dar as diretrizes das preferências da mãe para o momento do nascimento. É nele que a mulher aponta, por exemplo, se deseja manter-se sentada ou deitada na hora de dar à luz e quem gostaria que a acompanhasse. Orientações que devem ser levadas ao conhecimento dos funcionários da maternidade quando chega a hora e que serão seguidas na medida em que o parto transcorrer normalmente.

O plano de parto é uma declaração valorizada por especialistas e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mas que tem dividido a classe médica por, muitas vezes, ser entendido como uma ferramenta que limita a autonomia médica e que pode servir de argumento para tentar impedir alguma intervenção que se faça necessária.

Tanto que, no final de janeiro, o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) publicou uma resolução em que proíbe os médicos de aderirem “a quaisquer documentos, dentre eles o plano de parto ou similares, que restrinjam a autonomia médica na adoção de medidas de salvaguarda do bem-estar e da saúde para o binômio materno-fetal”. Acabou, assim, por colocar em lados opostos os que defendem a autonomia da mulher no parto e os profissionais que zelam pela saúde da mãe e do bebê.

O Cremerj não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem sobre a motivação da resolução. Ao jornal “O Globo”, o conselheiro Ra-phael Câmara alegou que a adoção se deu por causa de uma “minoria” (de mulheres) que provoca problemas nas maternidades com “planos propostos por pessoas leigas cheias de maluquices”.

Diálogo. Caso os procedimentos indicados para a montagem do plano de parto fossem seguidos, com mãe e médico dialogando, a resolução e o embate talvez nem fossem necessários. “Entender o plano de parto como um instrumento contra o médico é um erro. Atitudes como essas podem levar a uma relação de conflito entre o médico e o paciente. E o plano é um instrumento de união, não de separação. O Rio de Janeiro é um Estado com muita visibilidade, e a decisão do Cremerj abre um precedente perigoso para que conselhos de outros Estados se inspirem na medida, espalhando uma ideia equivocada”, diz o médico obstetra fundador do Instituto Nascer, Hemmerson Magioni.

“Um plano de parto adequado e sério mostra as opções e orienta sobre possíveis intercorrências que possam mudar o plano proposto inicialmente (sem traumas e frustrações). A resolução não contraindica o plano de parto, já que ele, feito de forma correta, orienta a paciente sobre as reais possibilidades da sua assistência ao parto. Mas não pode tornar-se um documento que impeça procedimentos importantes para a saúde da mãe e do feto. Se o plano assim o disser, ele é mais danoso que benéfico”, pondera o médico Gabriel Osanan, ginecologista membro da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig). 

A questão é que, certamente por uma dose de desconhecimento, o plano de parto tem sido elaborado como um documento de imposições. “O plano é uma ferramenta em que a gente consegue, no pré-natal, orientar a paciente do que esperar num parto, mas não significa que aquilo vá ocorrer, deixando claro que não é uma receita de assistência: esse é um conceito que tem sido usado de maneira equivocada. Há intercorrências, muitas vezes”, explica Osanan.

Entrevista com Hemmerson Magioni, médico obstetra fundador do Instituto Nasc

O plano de parto é um documento rígido? Quais os direitos e os deveres da mãe e do médico em relação a ele?

O plano de parto não é um documento rígido. É apenas uma “carta de intenções”. Os direitos e os deveres da mãe e do médico são permeados pelo respeito à autonomia médica e pelo respeito à autonomia do paciente sobre seu próprio corpo. Esse talvez seja um ponto nevrálgico dessa questão: respeito. A autonomia do médico é muito clara no Brasil, onde o médico pode fazer tudo. Já o respeito à autonomia do paciente ainda é muito incipiente, ou seja, o paciente não pode nada. Isso é reflexo de uma sociedade imatura e jovem como a nossa e isso é sentido em outras áreas, onde o cidadão é pouco respeitado pelo governo. O plano de parto vem justamente estabelecer esse equilíbrio entre o que o médico orienta como caminho e o que a mãe deseja após ser orientada sobre todos os possíveis procedimentos a serem realizados antes, durante e depois do parto. 

Qual a importância da existência do plano de parto para o parto humanizado?

Existem três tipos de parto: o natural, o normal e a cesárea. O parto humanizado pode e deve estar presente em qualquer um deles. Toda mulher deveria escrever seu plano de parto, independentemente do tipo de parto que ela deseja. Parto humanizado não pode ser entendido como um “tipo de parto”, onde alguns detalhes externos o definem com tal, por exemplo: o parto sem anestesia, o parto na água, a posição do parto, a intensidade da luz, a presença de uma acompanhante ou qualquer outra variável. Parto humanizado deve ser entendido com o atendimento centrado na mulher e em suas escolhas conscientes, amparado sempre nas melhores evidências científicas e no respeito. 

As grávidas sabem desse direito delas em geral (de elaborar o plano de parto)? Que dúvidas elas trazem nas consultas?

A principal dúvida é sobre a questão da anestesia no parto: querem saber se podem escolher ter ou não. Além disso, perguntam se o marido poderá assistir ao parto, se terão que fazer o corte na vagina, entre outras coisas. Infelizmente, o plano de parto não é uma realidade no Brasil. Talvez 5% da população tenha feito um dia. Nos últimos cinco anos, as mulheres estão tomando consciência maior dos direitos sobre seu corpo e sobre seus partos. Mulheres mais envolvidas com o movimento pela humanização dos partos começaram a construir planos de parto. Mulheres bem informadas e conscientes, em função de se dedicarem à leitura de livros, cursos, sites, blogs e até mídias sociais, estão um pouco mais preparadas para construção do plano de parto. Como o Brasil é um país onde temos alta taxa de cesarianas desnecessárias e altas taxas de intervenções desnecessárias no parto normal, a construção do plano de parto pode ser uma ferramenta que gere questionamento por parte das mulheres sobre as práticas brasileiras cientificamente desnecessárias. 

Depoimento de Natália Castro, engenheira e empresária, mãe de Rafae

“Sempre foi claro pra mim que o plano de parto era uma diretriz, não uma rota sem outras possibilidades. E eu nem queria que fosse assim. Eu podia fazer uma playlist, mas quem podia garantir que na hora eu não ia querer silêncio? Era o que eu imaginava que me faria bem, o que eu gostaria de viver em uma situação ideal, como eu gostaria que fosse. 

No fim, eu não tive um parto normal, precisei de uma cesárea. Minha playlist preparada para o parto normal foi tocada. Rafa nasceu ao som de Rosa Zaragoza, ‘Sabemos Parir’. Meu bebê ficou comigo e só voltou pro berçário porque tive uma hemorragia.

Ter o plano de parto e uma equipe disposta a respeitá-lo me deu a tranquilidade de saber que eu não seria exposta a procedimentos desnecessários, que eu sempre seria consultada e informada. Que, mesmo em uma situação difícil, eu receberia meu filho de forma digna e respeitosa. Sinto que meu plano de parto foi respeitado no que era possível. Me sinto feliz por ter o privilégio de ter feito escolhas. Elas foram fundamentais para que a amamentação não fosse afetada mesmo com tantos imprevistos”.

Depoimento de Caroline Fonzar, servidora pública, mãe de Francisco

“Eu conheci o plano de parto através da minha fisioterapeuta, que estava trabalhando comigo a parte pélvica para o parto normal. Eu estava com umas 30 semanas de gestação. Elaborei o plano porque queria ser respeitada nas minhas decisões nesse momento, apesar de saber que isso poderia não acontecer dependendo do médico que fizesse o meu parto.

No plano de parto, falei sobre os procedimentos que aceitaria, como queria que meu filho fosse conduzido assim que nascesse. Eu não queria anestesia sem o meu consentimento, não queria episiotomia e queria que ele viesse para o meu colo e peito assim que nascesse.

Minha obstetra nunca falou sobre plano de parto. Não discuti meu plano com ela porque não tinha a intenção de fazer o parto com essa médica.

Meu parto foi realizado no Sofia Feldman porque meu bebê estava pélvico (sentado). Lá, meu plano de parto foi completamente respeitado. Meu filho nasceu em um parto natural como eu sempre quis".

 

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!