Seleção

Recorde na compra de sêmen retrata o racismo brasileiro

Importação de esperma dos EUA cresce 3.125%, e maior preferência é pelo estilo ‘caucasiano’, de pele clara e olhos azuis; psicóloga vê busca pelo branqueamento


Publicado em 01 de abril de 2018 | 03:00
 
 
 
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Mulheres solteiras e casais homossexuais brasileiros estão recorrendo aos Estados Unidos para importar sêmen doado. Nos últimos seis anos, o envio do material genético para o país aumentou de 16 amostras em 2011 para 500 em 2017. Um crescimento de 3.125% em seis anos, segundo os dados levantados pelo “The Wall Street Journal”.

As características do material também chamam atenção. O esperma importado, quase sempre de doadores de pele clara e olhos azuis, vem sendo criticado por especialistas que analisam o racismo na sociedade brasileira.

No banco de dados do Seattle Sperm Bank – um dos três principais bancos norte-americanos com representantes no Brasil, ao lado do Fairfax Cryobank e California Cryobank – está o “doador 9601”. Com olhos azuis, cabelos loiros e leves sardas, ele não se parece em nada com os mais de 46% (95,9 milhões) de brasileiros que se declararam pardos na última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) 2016.

No entanto, ele é um dos provedores de esperma mais solicitados por mulheres brasileiras que importam as amostras seminais.

“Trabalhamos com casais de lésbicas, mulheres solteiras e casais heterossexuais no Brasil”, afirma o diretor financeiro do banco de esperma de Seattle, Fredrik Andreasson. A escolha pelo doador caucasiano, segundo o diretor, é uma preferência na maior parte do mundo. “Também temos uma disponibilidade maior de doadores caucasianos, já que essa é a etnia mais comum nos Estados Unidos”, diz.

O diretor de desenvolvimento de negócios internacionais do California Cryobank, Christopher Marino, confirma que olhos e cabelos claros também são características populares entre os brasileiros que o procuram. “Entendemos que houve uma escassez de uma variedade de doadores selecionados e de qualidade disponíveis para o brasileiro escolher”, afirma.

Segundo Marino, essa não é uma indústria tão “politicamente correta” no sentido da seleção de doadores. “Alguns países (como a Espanha) exigem que o médico escolha o doador para o paciente, para garantir que o doador seja semelhante aos pais. O fato é que muitas vezes as pessoas escolhem os doadores com base em uma altura ideal, cor de cabelo, cor dos olhos que eles têm em mente. Uma mulher solteira caucasiana pode escolher a etnia afro-americana para um doador porque ela tem essa opção, mas não estou certo de que ‘racismo’ seja a palavra correta para descrever o essa situação”, afirma.

Na análise do “The Wall Street Journal”, “em uma sociedade tão racialmente dividida, ter filhos de pele clara é frequentemente visto como uma maneira de proporcionar melhores perspectivas a uma criança, como um salário mais alto e um tratamento mais justo pela polícia”.

O primeiro Relatório de Importação de Amostras Seminais para uso em Reprodução Humana Assistida, divulgado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2017, mostra um aumento de 2.500% de 2011 a 2016. Quanto às características fenotípicas das amostras, também verificou-se a predominância de doadores com ascendência caucasiana (95%) e cor dos olhos azul (52%).

Para a psicanalista, psicóloga social e coordenadora da Comissão de Psicologia e Relações Étnico-raciais do Conselho Regional de Psicologia em Minas Gerais, Thalita Rodrigues, os dados refletem uma “política de branqueamento populacional de um segmento que tem mais condições financeiras” e demonstram como a sociedade brasileira ainda vivencia aspectos de colonização. “Isso aí de ter que comprar de fora é um aspecto da colonização também, essa compreensão de que tudo que vem de fora é melhor”, diz.

Depoimento

“Já fiz cerca de dez doações de sêmen em clínicas de reprodução humana. Também faço doação pelo método de inseminação caseira. É assim: combino com a ‘tentante’ o período fértil dela. Depois marcamos em um hotel ou casa. Aí faço a ejaculação do sêmen em um potinho desses de farmácia e depois a ‘tentante’ faz a indução no útero. Normalmente, deixo claro que não quero contato com a criança. Também faço um contrato falando sobre o não reconhecimento de paternidade biológica. O interesse nas doações surgiu depois de eu assistir a uma reportagem na TV mostrando um rapaz holandês que já havia ajudado mais de cem casais. Sou casado, tenho quatro filhos, e minha esposa aceita, mas não falo para meus familiares e amigos, pois cada um tem um entendimento a respeito da doação de sêmen. Para mim, é uma forma de ajudar a construir famílias. Não faço qualquer tipo de cobrança.”

Edson Nascimento

38 anos, advogado
Brasília (DF)

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