Esotérico

Sandplay: a areia desvela o inconsciente

Construídos com miniaturas, cenários revelam estados psíquicos de paciente


Publicado em 26 de março de 2019 | 03:00
 
 
 
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Duas caixas padronizadas e retangulares de madeira, pintadas de azul-celeste por dentro, guardam areia. Não qualquer areia. Uma delas abriga uma areia finíssima e mais sequinha, da Grécia, e a outra tem uma mais úmida, proveniente de um sítio arqueológico localizado em Florianópolis. Elas trazem em si pegadas de antiguidade.

Nada, absolutamente nada, está naquele contexto por acaso. Tudo funciona dentro da sincronicidade proposta pelo psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl Gustav Jung, que fundou a psicologia analítica.

Aliás, ele incorporou à grade curricular de psicologia analítica dois trabalhos que não eram seus: o estudo dos contos de fadas e as caixas de areia (sandplay), desenvolvidas por Dora Kalff e lançadas em 1985, por meio do International Society for Sandplay Therapy, criado por ela.

Bernardo Malamuti, psicólogo e psicanalista, foi fisgado pelas caixas de areia e fez sua formação em 2014, na Suíça, com Martin Kalff, monge budista e filho de Dora, que atende até hoje na simpática e acolhedora casa de sua mãe.

“Fiz minha análise na caixa de areia e percebi que ela trouxe aspectos que a terapia verbal não trazia. Ela foi mais fundo em mim, acessando aspectos mais primitivos por meio do não verbal, a profundeza do inconsciente, que é de imagens”, diz Malamuti.

O terapeuta de sandplay explica que a técnica é lúdica, muito profunda e divertida ao mesmo tempo. “A maioria das terapias que se apoiam em imagens trabalha com desenho, pintura e argila. Aqui usamos areia e água, dois elementos muito primitivos, que são a base de tudo”.

A areia, diz ele, “tem capacidade refinada de receber impressões e projeções e, quanto mais antiga e redonda, mais ela acolhe a projeção do paciente”.

A caixa de areia é um espaço livre e protegido, e a cor azul de seu interior tem uma função. É claro. “Essa cor é especial para a psique e cria a sensação de oceano, céu, horizonte”, diz Malamuti.

A sessão começa com o cliente escolhendo a areia com qual vai trabalhar, a mais úmida ou a mais seca. A partir daí, ele tem a sua disposição um universo incontável de miniaturas e objetos que ele escolhe e leva para dentro da caixa.

“Ele pode ou não usar as miniaturas, porque sua construção terapêutica não tem que ter sentido nem contar uma história. Na verdade, são as miniaturas que escolhem a pessoa”, revela o terapeuta.

Na caixa de areia, os conteúdos conflitivos ou traumáticos que estão nos subterrâneos do inconsciente emergem na areia, criando cenários expressivos e reveladores, desvelando para o terapeuta os estados psíquicos de seu cliente.

O analista a tudo assiste, tudo vê, mas não se manifesta em nenhum momento. Não interpreta nada. Quem descreve o cenário é a própria pessoa. “A imagem é inteira, não há necessidade de verbalização. Não queremos que a pessoa perca a experiência da imagem. A palavra é a morte da coisa”, infere Malamuti.

Após concluir o cenário, o paciente registra internamente a imagem. “Na terapia verbal, o processo acontece da consciência para o inconsciente. Na caixa de areia, o caminho é inverso”, observa o analista.

 

Construção de histórias que têm origem nos porões internos

No final de cada sessão, o terapeuta fotografa os cenários e vai arquivando-os. “A sequência de imagens vai me mostrando a evolução de uma história que vem do inconsciente. Eu analiso a posição das miniaturas dentro da caixa, o material escolhido (madeira, plástico, cerâmica, tecido), a cor e a representação das figuras. O cliente tem a sua disposição figuras humanas e não humanas, o mundo das mitologias e dos arquétipos, representações do mundo espiritual e religioso, desde o judaísmo até a umbanda, Smurfs, os pequenos homens azuis, casas e objetos do cotidiano”, comenta Bernardo Malamuti.

É a própria pessoa que se dá alta. “Ela entende que seu processo na caixa é concluído quando tem a experiência de união interna. Caso ela queira retornar e interpretar as imagens, ela precisa esperar cinco anos”, destaca Malamuti.

Essa terapia pode ser feita em crianças e é indicada para pessoas com dificuldade de expressão e de contato consigo, para aquelas que querem trazer à tona a própria criatividade, para quadros depressivos e de ansiedade e síndrome do pânico.

O analista ressalta que doenças psiquiátricas podem ser trabalhadas desde que o paciente não esteja em surto. “Essa terapia ajuda a organizar os conteúdos psíquicos e, durante o processo na caixa, o terapeuta pode identificar transtornos psiquiátricos ou distúrbios e traumas psicológicos que permaneciam inconscientes”, finaliza Malamuti.

 

Amiga de Jung criou o método observando as crianças

Dora Kalff (1904-1990) nasceu na Suíça e cuidava dos filhos de Carl Gustav Jung. Era extremamente culta, e ele aconselhou-a a estudar psicologia analítica.

Logo, ela tinha criado a terapia sandplay, que usava também com outras crianças e, mais tarde, com adultos. Em 1985 criou a International Society for Sandplay Therapy.

Ela constatou que os cenários eram a expressão tridimensional dos conteúdos inconscientes, criando um elo entre os mundos interno e externo e possibilitando o restabelecimento da conexão entre o ego e o self.

Dora Kalff impregnou essa metodologia com um dos postulados básicos de Jung de que há, nas profundezas do inconsciente, uma tendência autônoma para a psique buscar a própria cura.

Símbolo

Calystegia soldanellaEssa flor representa a técnica. Ela nasce na areia: é chamada de “efêmera” porque vive a maior parte do tempo como semente e pouco tempo como flor.

 

Benefícios

Acelera o processo psicoterapêutico;

Traz à tona emoções primitivas;

Desbloqueia a capacidade de elaborar e o potencial criativo;

Pode ser complementar à terapia verbal ou inteira em si mesma;

Ajuda a organizar os conteúdos psíquicos porque traz limites;

O paciente sente-se livre para criar a cena que quiser sem preocupar-se com o julgamento ou avaliação do analista;

Os pacientes conectam-se com a terra e com o céu, com as raízes mais profundas e com o sagrado de sua psique.

 

“Às vezes, as mãos solucionam enigmas que o intelecto lutou em vão por compreender.”

Carl Gustav Jung

“A areia representa um elemento que não usamos mais em nossas vidas hoje em dia: a terra.”

Dora Kalff

“Um cenário construído na areia pode ser visto como uma espécie de jardim da nossa alma, onde o dentro e o fora se encontram.”

Ruth Ammann

 

SERVIÇO: Para falar com Bernardo Malamui: (31) 99814-4166.

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