Estresse crônico

Síndrome de Burnout: quando o trabalho vira doença

A partir de janeiro, a Organização Mundial de Saúde adotou nova classificação para a enfermidade e jogou luz em problemas relacionados às rotinas laborais


Publicado em 09 de fevereiro de 2022 | 04:00
 
 
 
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Em 1º de janeiro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a classificar oficialmente a síndrome de burnout como uma doença ligada ao trabalho. A decisão pela nova especificação foi tomada em 2019 e oficializada no primeiro dia do ano.

No texto da OMS, o burnout agora é categorizado como “estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso”. Os sintomas estão relacionados a esgotamento físico e mental, cansaço, sensação de exaustão, irritabilidade, insônia, perda ou exagero na alimentação, tristeza. Para a publicitária Marina Maria, faz todo sentido atrelar a doença ao trabalho. E ela fala isso por experiência própria.  

No ano passado, o quadro de esgotamento físico e mental começou em abril e se estendeu até junho, quando ela resolveu pedir demissão. Nesse intervalo, Marina já havia tirado dois períodos de férias de 15 dias para tentar minimizar a rotina estafante, mas de nada adiantou. “Era um cansaço que não passava, dificuldade de concentração, desânimo, ansiedade antes de começar o dia de trabalho, chorava durante as reuniões, fazia muita hora extra, até um dia que tive crise de pânico e precisei ligar para o meu psiquiatra me ajudar naquele momento”, relata Marina Maria.  

Após dois meses tratando de sua saúde mental, a publicitária, que chegou a estar em 14 grupos de trabalho no WhatsApp, se sentiu apta a voltar ao mercado. Agora, ela impõe mais limites e reflete sobre o papel do trabalho na sua vida: “Precisei eliminar os estressores para entender isso. A análise me ajudou muito a ter outra leitura do trabalho. Hoje, tenho muitas demandas também, mas consigo lidar melhor, consigo me desligar mais, colocar limites”.  

Aumento de queixas

O depoimento de Marina Maria não é um caso isolado. O psiquiatra Guilherme Rolim ressalta que passou a receber em seu consultório mais pacientes com queixas de esgotamento físico e mental por causa do ritmo do trabalho, sobretudo na pandemia.

O trabalho remoto, de acordo com o especialista, deve ser levado com cautela e limites. “O home office tem aspectos bons, mas as pessoas passaram a trabalhar mais, as empresas aumentaram a carga de cobrança. Há um cansaço generalizado e um excesso de trabalho”, comenta. A publicitária concorda: “Ficou mais estressante. O trabalho remoto faz com que seja mais difícil se desligar do trabalho, separar o que é trabalho e casa, e é uma demanda que não acaba”.  

Guilherme Rolim pontua que devemos assimilar a classificação da síndrome de burnout como uma doença ocupacional e perceber as repercussões nas questões trabalhistas e de afastamentos de trabalho. Há um nexo causal entre o burnout e a rotina laboral, mas o especialista diz que é fundamental analisar como o diagnóstico será feito. “Muitas pessoas realmente precisam, não estão bem, mas é preciso ver se terá certo abuso, se as pessoas vão se aproveitar de forma inadequada e usar de má-fé”, diz Rolim.

Por trás do diagnóstico de burnout, há sempre outras questões clínicas envolvidas. Bipolaridade e depressão podem estar nesse conjunto, por isso é preciso estudar caso a caso e não ignorar hábitos, traumas e adversidades das mais variadas, de financeiras a sociais.

Psicólogo do Sistema Único de Saúde (SUS) de Belo Horizonte e especialista em saúde mental, Arnor Trindade pondera sobre a nova classificação do burnout. Ele vê com preocupação a nova diretriz da OMS e diz que é preciso traçar um quadro mais completo da situação social do paciente, que, muitas vezes, convive com problemas ligados à infância, a relacionamentos familiares, questões de saúde e também adversidades causadas pelo trabalho. 

“Não vejo positivamente o burnout entrar agora como uma doença ocupacional. É doença demais, é a patologização da vida, e aí é difícil levantar critérios de diagnóstico. Vai gerar uma demanda de afastamentos em casos que são muito difíceis de dimensionar. Hoje há um excesso de diagnósticos, e isso pode ajudar a orientar um pouco, mas, por outro lado, confunde mais do que ajuda”.

Coordenadora do curso de psicologia da Faculdade Pitágoras, mestre em administração e especialista em gestão de pessoas, gestão educacional e política organizacional do trabalho, Andreia Bernardes diz que a OMS reconheceu um fato que já faz parte da vida dos trabalhadores e foi escancarado na pandemia.  Segundo a psicóloga, há algumas classes mais acometidas pela síndrome do burnout, e os jornalistas, os médicos, os enfermeiros e os professores são algumas delas.

Contudo, no geral, os trabalhadores são obrigados a cada vez mais focar a vida profissional, e isso acaba provocando um desequilíbrio emocional e da própria escolha de prioridades. Não raras vezes, há quem deixe de ter atividades sociais por causa da profissão. Agora, com a classificação da OMS em vigor, ela destaca que as empresas têm novas responsabilidades na missão de garantir qualidade de vida e condições para que seus colaboradores sustentem uma saúde mental adequada.

“As organizações têm que se humanizar e entender que seus trabalhadores são seres humanos e precisam ser respeitados como tal. As corporações precisam abrir um pouco mais os olhos para isso”, reforça Andreia, que também é professora de disciplinas relacionadas a recursos humanos.

Ela lamenta que a presença de um psicólogo do trabalho não seja obrigatória por lei nas empresas. “Entendo que seria muito interessante se as empresas tivessem esse profissional preparado, até mesmo para prevenir diversas situações, dar direcionamentos, informações. As instituições precisam se atentar mais a esse ponto para ter trabalhadores saudáveis e mais satisfeitos”, orienta.  

Precarização

Segundo Andreia Bernardes, as recentes reformas trabalhista, no governo de Michel Temer, e da Previdência, na gestão de Jair Bolsonaro, abriram as portas para uma maior precarização do trabalho, fator que potencializa o crescimento do burnout entre os trabalhadores. “Sempre falo para os meus alunos que precisamos ficar atentos a fatores internos e externos das organizações. Não temos políticas públicas que vão atender de forma adequada o trabalhador”, pondera.

 

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