Três meses após passar por um transplante de medula, Chris Long, morador de Reno, cidade no estado americano de Nevada, descobriu que o procedimento alterou o DNA de seu sangue. Seu material genérico havia sido totalmente substituído pelo de seu doador, um homem alemão dez anos mais novo, com quem ele havia trocado apenas algumas mensagens.
De acordo com o “New York Times”, Long fez o transplante após receber um diagnóstico de leucemia mielóide aguda e síndrome mielodisplásica, condições que afetam a produção de células sanguíneas saudáveis. Ele fizera o teste por incentivo de uma colega de trabalho na estação policial do Condado de Washoe, no Oeste de Nevada, onde atuava na área de TI.
Amostras retiradas dos lábios e da bochecha trouxeram vestígios do material genético dele e do doador. Mais surpreende ainda foi a análise do sêmen, cujo DNA era totalmente composto pelo do homem alemão. “Eu achei impressionante o fato de que eu posso desaparecer e alguém surgir (no material genético)”, disse Long.
O americano sofre da chamada quimera, termo técnico para as pessoas com a rara condição de compartilharem duas configurações de DNA. A palavra remete à criatura mitológica grega de mesmo nome, composta por um leão, um bode e uma serpente.
Pesquisadores e cientistas forenses já identificaram determinados procedimentos médicos que causam quimerismo há anos, mas os componentes do corpo onde o DNA do doador aparecem têm sido pouquíssimo estudados no recorte de aplicações criminais.
Dezenas de milhares de pessoas realizam transplante de medula óssea todos os anos para o tratamento de doenças como leucemia, linfoma e anemia. Embora seja improvável que qualquer uma delas se torne a vítima ou a autora de um crime, a mera possibilidade intrigou os amigos de Long no laboratório criminal do departamento policial. Por meio de testes de DNA, fizeram dele uma espécie de cobaia humana.
Renee Romero, a colega que incentivou Long a fazer os testes e coordenava o laboratório criminal do departamento de Washoe, viu uma oportunidade científica quando ele contou que seu médico havia encontrado um doador compatível em um site para seu transplante.
“Nós temos que rastrear você inteiro antes do procedimento para testar como o DNA se comportará no seu corpo”, Renee lembra de ter dito a Long.
Com a concordância do colega de trabalho, quatro anos depois, a coordenadora do laboratório conduziu o experimento com a ajuda de outros funcionários.
Quatro meses após o transplante, o sangue de Long já havia sido substituído pelo de seu doador. O material coletado de seus lábios, bochechas e da língua indicaram a presença do DNA do doador em quantidades flutuantes. De todas as amostras, apenas o cabelo e o peito estavam inalterados.
A maior surpresa, no entanto, veio do sêmen, cujo material genético havia sido inteiramente substituído pelo do homem alemão que doou a medula para Long.
“Nós ficamos chocados ao perceber que Chris não estava mais presente”, relata Darby Stienmetz, criminalista no departamento policial de Washoe.
Cada criminoso deixa pistas de um código, e não dois
As implicações do caso, apresentado na Conferência Internacional de Ciência Forense, em setembro, levaram o interesse em torno da história de Chris Long muito além do pequeno estado de Nevada.
Médicos, no geral, não precisam identificar onde o DNA do doador se concentrará no paciente, especialmente pelo fato de esse tipo de quimerismo não ser danoso para sua saúde – tampouco mudar suas características. “O cérebro e a personalidade permanecem os mesmos”, explica Andrew Rezvani, diretor médico da unidade de Sangue e Transplante no centro médico da Universidade de Stanford, reforçando que nem mesmo a diferença de gênero traz reflexos.
No entanto, para um cientista forense, o panorama é outro. A presunção entre investigadores criminais na coleta de evidências de DNA na cena de um crime é a de que cada vítima e cada criminoso deixa para trás pistas de um código de identificação único – e não dois, incluindo um segundo personagem dez anos mais novo que vive a milhares de quilômetros de distância.
Para Brittney Chilton, da divisão de ciência forense, se outros pacientes responderem de forma similar ao transplante e cometerem um crime, isso poderia desviar a atenção de investigadores. Ela lembra que não seria a primeira vez.
Em 2004, agentes que atuavam na apuração de um crime no Alasca extraíram o perfil do DNA de uma amostra de sêmen e compararam com uma base de dados, que apontou para um suspeito em potencial.
Havia um problema, contudo: o homem estava na prisão na época do estupro. Descobriu-se, então, que ele havia recebido um transplante do irmão, que acabou condenado.