Saúde

'Viagra feminino': Por que ainda não existe uma pílula eficaz para as mulheres?

Especialistas explicam a razão do fracasso das drogas criadas para estimular a libido da mulher


Publicado em 17 de junho de 2022 | 05:00
 
 
 
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Segunda-feira de carnaval. Um homem de meia-idade entra numa farmácia, se aproxima lentamente do balcão e logo anuncia para o rapaz de jaleco branco do outro lado da sacada: "Preciso de uma caixa do 'azulzinho'. O senhor tem para vender?". Sem nenhuma pompa, o farmacêutico vai ao estoque e retorna com uma caixinha na mão, no qual pode-se ler nitidamente o nome "Viagra".

"Tenho o original da Pfizer, com quatro comprimidos de 25 mg cada. Ele está por R$ 75". O cliente não titubeia, saca do bolso uma receita amassada e o valor em dinheiro. Em seguida, deixa o estabelecimento feliz da vida.

A cena, tão comum em várias regiões do Brasil e do mundo, evidencia o sucesso da sildenafila – droga oral comercializada em forma de pílula, que desde seu lançamento em 1998, revolucionou o tratamento da impotência e melhorou a vida sexual de muitos homens.

Mas por que uma solução eficaz e prática do medicamento nunca conseguiu ser desenvolvida para ajudar mulheres que sofrem de disfunção e perda de libido?

Segundo especialistas, um dos motivos principais tem a ver com o fato do desejo sexual nas mulheres ser um fenômeno subjetivo e diretamente ligado a fatores afetivos e biológicos.

"Diferente do que ocorre com os homens, o desejo feminino é bem complexo e não envolve somente a parte corporal, mas é muito sensível à questões externas como alterações de humor, flutuações emocionais e até mesmo algum evento estressante", descreve Christiane Ribeiro, médica psiquiatra e membra da Comissão de Estudos e Pesquisa em Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria.

Ela explica que embora já existam opções no mercado voltadas para a saúde sexual das mulheres – como é o caso das pílulas Vyleesi e Addyi, ambas indicadas para o tratamento do transtorno do desejo sexual hipoativo (TDSH), condição clínica que causa redução da libido –, esses medicamentos não conseguiram resultados satisfatórios na maioria dos casos.

"São medicações que podem melhorar momentaneamente o desejo sexual, porém como a libido feminina é complexa e multifatorial, muitas vezes essas drogas acabam tendo pouco efeito", completa.

A ginecologista, obstetra e professora de Saúde da Mulher na Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais, Camila Martins de Carvalho, concorda e acrescenta: "Se a causa fosse exclusivamente hormonal ou vascular, como acontece no caso do Viagra para os homens, certamente seria possível se criar um medicamento para o tratamento da baixa libido feminina", atesta.

Para ela, a propagação de certos tabus relacionados à sexualidade da mulher também contribui bastante para que o chamado "Viagra feminino" não tenha sido desenvolvido ainda.

"Certamente isso é um fator determinante, porém vejo o cenário mudando atualmente", observa. "Já se é possível notar uma menor resistência em relação à temas como a masturbação feminina, por exemplo, que até há pouco tempo quase não era falada na sociedade. Ideias pregadas no passado – com as que diziam que as mulheres deviam se casar virgens ou que elas eram 'proibidas' de ter prazer – estão ficando de lado. Hoje, cada vez mais mulheres têm levantado a voz sobre essa liberdade e lutado por seus direitos ao prazer sexual ao invés de se disporem apenas a dar prazer ao parceiro", aponta Camila.

A psicóloga e psicoterapeuta Rachel de Oliveira Mundim defende que embora haja uma preocupação natural com a busca de um recurso médico eficaz para os transtornos relacionados à excitação feminina, a verdade é que uma solução direta e biológica pode demorar muito ainda a se materializar.

"A falta de desejo é um dos fatores da sexualidade humana. Mas como as questões sexuais femininas estão diretamente ligadas ao emocional, não há milagres em seu tratamento. Nesses casos, é necessário, acima de tudo, uma construção de tempo de qualidade consigo e com o outro para vencer esses problemas", sugere ela.

Rachel diz que a mulher atual tem cada vez mais se dado conta de que a busca pela satisfação sexual precisa, acima de tudo, ser algo íntimo e pessoal.

"Como sua sexualidade é muitas vezes influenciada por causas biológicas, sociais, culturais e religiosas, colocar seu prazer totalmente à disposição de um estímulo orientado – como é o caso de um remédio –, é esvaziar sua relação com a própria intimidade", frisa.

Mais libido, menos remédio

Então, como é possível se lidar com problemas de libido feminino na ausência de um remédio seguro?

"Há sempre a importância de uma boa psicoterapia, autoconhecimento e conhecimento do próprio corpo e suas potencialidades sexuais", afirma o neurocientista e terapeuta, Lucas Kane. 

"Buscar ajuda de terapeutas e profissionais da sexologia pode ser um caminho para essa autodescoberta. Também é fundamental resolver problemas dentro do relacionamento que podem estar causando algum desconforto e influenciando o baixo desejo sexual", aconselha ele.

Já a médica Camila Martins de Carvalho propõe a auto-aceitação como um passo essencial para a cura.

"Sabe-se que a mulher com uma má imagem corporal pode apresentar diminuição da libido. Então, elas devem ser encorajadas e estimuladas a gostar do próprio corpo e enxergar beleza além de padrões estéticos inalcançáveis e irreais. Como já foi dito antes:  amar o próprio corpo é um ato revolucionário", arremata.


Confira algumas dicas para recuperar ou aumentar sua libido

Diálogo: Uma boa conversa é sempre importante, principalmente porque conflitos e discussões frequentes acabam afetando o desempenho sexual.

Conexão na "Hora H": Muita gente não se conecta na hora do sexo e fica preocupada com situações do dia a dia. Isso acaba muitas vezes impactando o desejo sexual. Estar "ligada" no momento é essencial para um relacionamento sexual saudável.

Pense em sexo: Muitas mulheres acabam sobrecarregadas em suas rotinas diárias que deixam de dedicar tempo suficiente para pensar em sexo. Tente organizar momentos para desenvolver pensamentos sexuais e explorar suas fantasias, pois é isso que alimenta a base dos nossos desejos. 

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