Pode ser reto, em zigue-zague, cheio ou em cruz. O bordado tem pontos que não mudam, e o que se mostra infinito nessa arte milenar são as possibilidades de criação, construção de novas histórias e quebra de preconceitos. Guilherme de Rezende, 33, é um exemplo disso tudo. Cresceu numa família de bordadeiras e fazedoras de artes manuais, em Conselheiro Lafaiete, na região Central de Minas. A avó paterna, Hilda Fernandes, fazia bonecas, flores artesanais e crochê para vender. A mãe, Rita Rezende, se sustentou por um longo período por meio do bordado e do vagonite. 

Ele sempre acompanhou o ofício e tinha muita vontade de aprender, mas esbarrava no preconceito. “Tinha receio de falar com a minha mãe, por achar que isso era uma atividade exclusivamente feminina”, recorda. Sem poder verbalizar, o garoto até que tentava demonstrar o interesse de forma discreta. “Eu ficava sempre ali, participando de forma indireta. Minha mãe comprava novelos no quilo. Eu ajudava desembolando linha, mas queria fazer mais”, relembra. 

O encanto pelo bordado o acompanhou ao longo da vida e foi determinante na escolha da profissão. Guilherme se formou em design de moda pela UFMG. “Foi depois que entrei na faculdade, em 2016, que aprendi a bordar. E trouxe o artesanal, que já era lá da minha infância, para moda”, conta. Na faculdade, Guilherme também descobriu que, embora a arte de decorar com imagens e figuras, utilizando fio e agulha, seja ancestral, sempre há espaço para criar algo novo.

“No meu TCC estudei a renda renascença, tradicional do Nordeste. Trouxe uma proposta de fazer a renda com o crochê. E minha mãe participou do processo. Ela fez o crochê, e eu fiz uma interferência em cima dele. Partindo de uma renda tradicional, criei outro design de superfície com materiais e técnicas diferentes”, conta o designer, que acredita que o trabalho foi também uma forma de dar novas cores e contornos para sua história familiar. “Acho que foi uma espécie de resgate, de voltar e suprir aquilo que eu não fiz naquela época. E trabalhar junto com minha mãe”, diz.

A professora Sandra Maia, do curso de design de moda da Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg), destaca que a história de Guilherme diz muito sobre o importante papel que as universidades desempenham na preservação de técnicas ancestrais, mas com um olhar direcionado ao desenvolvimento.

“Trabalho muito com os meus alunos a parte da experimentação têxtil. A gente mistura diversas técnicas, o bordado entre elas, com materiais diferentes. Se o bordado está ali com uma linha, a gente pega outro fio ou outro material e consegue resultado diferente sem perder essa raiz”, ressalta a professora.

Saber e afeto

E foi isso que Guilherme fez: inovou a técnica, uniu o amor ao conhecimento e o transformou em negócio. Ainda na graduação, ele e o sócio Urbano Ribeiro da Silva, 45, criaram uma marca de vestuário, com peças sob medida, que sempre levam o bordado em linha, em pedraria e em renda renascença. O nome da marca, Dona Jandira, é uma homenagem às avós maternas homônimas dos dois. 


Slow fashion: a sustentabilidade
em moda

Em tradução livre, “slow fashion” significa “moda lenta”. Um conceito que descreve o oposto da moda rápida, defensor da fabricação de roupas e vestuário em respeito às pessoas, ao meio ambiente e aos animais. “O mundo tem mostrado que não dá conta de tantas coisas descartáveis. As pessoas querem memória afetiva, um pouco mais de sentimento nas coisas. É onde entra essa questão dos trabalhos manuais, do bordado”, comenta Urbano Ribeiro da Silva, de 45, sócio-proprietário da marca Dona Jandira. 

No ateliê, todas as peças são feitas sob medida, personalizadas, com tecido de qualidade e acabamento em bordado à mão. “São peças feitas para durar. Um projeto nosso é oferecer a opção para as clientes que comprarem um vestido, por exemplo, poderem voltar e reformá-lo. Às vezes cortar esse vestido e usar de outra forma”, destaca Urbano. O estilista ressalta a importância de o público valorizar profissionais que se dedicam à produção e resgate dessa moda consciente. “É um tipo de trabalho que demanda muito tempo. É uma peça artesanal, então o valor financeiro precisa ser justo também”, pontua.

Na contramão da produção mecanizada, o fazer artesanal tem ganhado relevância pela exclusividade e sustentabilidade. “Torna-se algo mais raro, algo mais valorável. Existe uma diferença entre o manual e a esteira da indústria. Não à toa, até hoje a alta-costura é manual”, destaca Sandra Maia, professora do curso de design de moda da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg). “O manual resgata esse tempo de que as coisas podem ser feitas dentro do tempo humano, diz sobre valores e afetividade”, afirma.