A saúde mental dos colaboradores como dever das organizações foi o tema do terceiro e último painel do seminário “Conexões Profissionais: O Futuro do Trabalho entre Gerações”, realizado na tarde desta terça-feira (20), no Teatro Feluma. Estiveram na pauta do painel “Saúde Mental é dever: como empresas estão transformando cuidado em prática”, que encerrou o ciclo de debates, ideias para implantação de uma cultura de prevenção ao adoecimento mental. Discutiram o tema o professor da FGV EAESP e pesquisador pela USP, Anderson de Souza Sant'Anna, a sócia-diretora na Fidhem, Consultoria Graziela Alves, a TEDx Speaker e ativista da saúde mental, Daniela Bittar, e a gerente de cultura, diversidade e inclusão e saúde mental da Anglo American, Letícia Oliveira.
A editora executiva de O TEMPO Renata Nunes mediou o debate e destacou como são crescentes os números de pessoas afastadas de seus trabalhos em função do adoecimento mental. “Pessoas ao seu lado podem estar com depressão e ansiedade e ainda indo para o trabalho. Mas o que a pesquisa DATATEMPO revelou é que a geração Z deu um basta nisso, porque ela quer cuidar de seu bem-estar”, destaca. Diante do contexto, ela abriu o debate, questionando qual legado a Geração Z deixa para o mercado de trabalho ao priorizar a saúde mental.
Professor da FGV EAESP e pesquisador pela USP, Anderson de Souza Sant’Anna abriu a discussão, destacando que não existem gerações melhores ou piores, mas diferentes. “Na minha geração, por exemplo, fomos preparados para ser empregados. Cada um tinha sua própria carteira, e na frente da sala de aula havia um quadro com as regras. Como diria Freud, o mal-estar na civilização é constitutivo, e a nossa geração aprendeu a conviver com isso. E o que transmitimos aos nossos filhos é que esse modelo está esgotado. A nova geração está chegando para um mundo do trabalho diferente. Na minha geração, não se dizia ‘não’. Mas a nova geração não está sendo socializada para um modelo ultrapassado: ela não é melhor nem pior, mas talvez mais preparada para lidar com o mal-estar do presente e com as transformações que vêm pela frente”, aponta.
Sócia-diretora na Fidhem Consultoria, Graziela Alves complementou o raciocínio de Sant’Anna, ponderando que a sua geração cresceu ouvindo que “dinheiro não aceita desaforo.” “Mas gente também não aceita! As pessoas estão cada vez mais seguras para se defenderem”, aponta. “Crescemos acreditando que tempo é dinheiro, mas isso não é verdade. Não estamos aqui para vender nosso tempo, porque não há dinheiro que realmente pague por ele. Muitas vezes, acabamos aceitando um emprego em que, no fim do mês, recebemos um valor em troca de nossas horas. Vivemos nessa lógica de barganha. Mas, no mundo em que vivemos hoje, esse modelo já não faz mais sentido. Estamos adoecendo por excesso de produtividade, sacrificando nossa saúde e nosso bem-estar”, acrescenta a TEDx Speaker e ativista da saúde mental, Daniela Bittar.
No decorrer do debate, Renata Nunes indagou para os painelistas como os jovens têm lidado com a própria saúde mental, uma vez que a Geração Z está sempre em busca de fazer terapia. Gerente de cultura, diversidade e inclusão e saúde mental da Anglo American, Letícia Oliveira destacou que, mais que reconhecer o que está disponível para nós, é entender o que é o desejo. “A geração Z faz isso muito bem, e as organizações têm trabalhado para tentar conciliar os interesses pessoais com os do mercado de trabalho”, afirma. “Precisamos ter cuidado com o discurso: ‘vou buscar minha melhor versão.’ Tudo bem que buscamos nosso melhor potencial, mas a vida tem dias bons e ruins. Então, precisamos partir desse pressuposto na vida organizacional também. Nos dias ruins, como o líder acolhe? Como ele pode ser humano?”, reflete.
Papel da liderança na saúde mental
Ainda durante o painel “Saúde Mental é dever: como empresas estão transformando cuidado em prática”, a editora executiva de O TEMPO, Renata Nunes, questionou os painelistas sobre qual é o papel das lideranças na saúde mental de seus colaboradores. Sócia-diretora na Fidhem Consultoria, Graziela Alves apontou que um líder é sempre um referencial. “Trazendo para um olhar mais prático: quando um líder celebra o fato de alguém ter trabalhado no domingo para finalizar um relatório, ele está perpetuando a cultura do excesso de trabalho. O líder precisa se libertar da ideia de ‘perfeição’. Precisamos nos debruçar e apreciar os momentos da prática, da construção real, e nos permitir estudar, aprender. Em vez de buscar super-heróis, devemos lembrar que cultura é como o chuveiro, não como o bidê: precisa vir de cima para baixo. É preciso humanizar a liderança. E como fazemos isso? Não idolatrando o líder apenas pelo aspecto técnico ou pela performance”, pondera.
Na avaliação da TEDx Speaker e ativista da saúde mental, Daniela Bittar, ainda falta diálogo entre as lideranças e seus colaboradores. E isso impacta negativamente na saúde mental de todos. “Embora muitas organizações digam que todos os funcionários têm abertura com a liderança, na prática, falta diálogo real. As empresas precisam investir em treinamentos contínuos, não basta fazer uma ação pontual. Se não houver um trabalho constante, não há transformação possível. E esse trabalho, embora desafiador, começa na liderança. Por exemplo, ainda há líderes que veem a maternidade como se fosse um desastre. Mas a verdade é que a mulher é capaz de fazer várias coisas ao mesmo tempo. Dizer que ela vai ‘perder o raciocínio lógico’ mostra o quanto esse pensamento está ultrapassado. É o líder quem dita o caminho da cultura organizacional”, relata.
Como exemplo de um programa de continuidade entre os funcionários que promove o bem-estar, a gerente de cultura, diversidade e inclusão e saúde mental da Anglo American, Letícia Oliveira, cita uma ação que oferece cuidado para quem deseja ampliar sua família, entre casais héteros ou homoafetivos. “O apoio começa no momento da preparação, seja para a gestação ou adoção, e se estende até o retorno do empregado ao trabalho. Inclui também o cuidado em situações como luto perinatal, puerpério e apoio emocional”, indica.
Por fim, o professor da FGV EAESP e pesquisador pela USP, Anderson de Souza Sant'Anna, chamou atenção para o fato de liderança ser diferente de gerência. “O gerente monitora e controla, enquanto a liderança está presente em todos os níveis da organização, ela atravessa todas as áreas. Liderança é relacional, e ela é essencial, e por isso é tão importante desenvolver essa competência. Mas, muitas vezes, esperamos que o indivíduo seja um super-homem. Até que ponto nossas organizações estão se tornando super-organizações? Essa nova geração está nos ensinando que uma organização não pode ser unilateral: os dois lados precisam ser reconhecidos”, arremata.