A cozinheira Maria Aparecida da Silva, 41, diz estar sem chão. Em menos de 30 dias, ela perdeu a irmã e a casa onde morava, em Abre Campo, na Zona da Mata. O imóvel teve que ser abandonado após ser atingido por uma erosão que engoliu um trecho da BR–262, na altura do KM 96. Quinze dias depois, um acidente de motocicleta na mesma estrada tirou a vida da irmã da cozinheira. Se uma rodovia está mal conservada, tragédias vão acontecer – e Maria é prova disso. “Não tenho a menor ideia do que vai ser agora”, diz ela, desolada.
O impacto que uma estrada sem manutenção adequada causa na vida das pessoas não é circunscrito aos transtornos para quem está dentro dos veículos. Além de alongar viagens, provocar congestionamentos e obrigar motoristas a fugir de buracos, o desleixo das autoridades com as rodovias em Minas Gerais leva toneladas de problemas a muita gente. Estudantes deixam de ir à escola, trabalhadores perdem seus empregos, o abastecimento fica comprometido, pessoas morrem. No início de março, a reportagem de O TEMPO percorreu cerca de 700 km de estradas federais, estaduais e municipais. O contexto encontrado foi de omissão flagrante nas rodovias.
INTERATIVO: Mapa feito por O TEMPO revela problemas em estradas por todo o Estado
O exemplo de Abre Campo representa bem o tamanho do problema. Em janeiro, uma cratera se abriu na BR–262, interrompendo um fluxo brutal de carretas e caminhões que levam todo tipo de suprimento para diversas regiões. Após quase 15 dias de uma interdição total, empresários fizeram um desvio por conta própria – eles alegam demora do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). O improviso deu errado, foi interditado, e outro desvio foi feito, também informalmente. A região vive um caos – a cidade ficou sem ônibus durante vários dias, e a coleta de lixo esteve comprometida. A solução definitiva para a estrada, no entanto, vai demorar no mínimo seis meses. É o tempo estimado pelo Dnit para finalizar as obras na rodovia e acabar com um arremedo de desvio.
“A gente está acostumada com a roça e de repente vê a porta da sua casa se transformar numa BR”, diz a lavradora Maria das Graças de Barros, que agora convive com carretas imensas passando pelos 18 km da estradinha onde mora. O local é um dos trajetos alternativos para caminhões acima de 15 toneladas que não podem passar pelo desvio da 262. São tantos veículos pesados, que até um inusitado congestionamento rural foi presenciado pela equipe de reportagem.
Os pontos que tiram o sono dos motoristas e passageiros, no entanto, se espalham por todo canto em Minas Gerais. Moradores de Itabirito também tiveram que abandonar suas casas depois que a rodovia BR–356 praticamente esfarelou-se na altura do KM 56. Uma cratera levou abaixo quase metade da pista, bem no rumo da curva, e o trecho segue causando perigo ao condutor. A 356, aliás, é outro péssimo exemplo. No caminho entre Nova Lima e Ponte Nova, a estrada apresenta incontáveis pontos de interdições e queda de encostas, como no KM 89, onde um buraco na pista estava sinalizado com arbustos, diante da falta de fiscalização necessária.
Como estão as estradas MGs?
A situação das estradas estaduais não é diferente. Na região Central, o motorista que acessa a MG–262 enfrenta desafios na altura de Mariana, próximo ao distrito de Furquim. Uma cratera de 70 m se abriu na estrada, um desvio foi feito, mas ainda há riscos. Bem perto dali, o motorista de caminhão Adelson Basílio consertava seu veículo quando a reportagem passava pelo local. Ele disse que, somente entre BH e Ouro Preto, passou por dez trechos de risco em função de queda de encostas ou buracos na via. “Você já sai de casa com o risco da profissão e tem que encarar estrada que não dá condição de tráfego”, reclamou.
Outros que acumulam prejuízos são os empresários. À frente do Memorial Cotochés, em Abre Campo, José Eduardo Russo teve que demitir metade dos 46 funcionários do restaurante, que fica às margens da estrada. Segundo ele, os problemas na rodovia impactaram mais a região do que as restrições da pandemia. “O fluxo diário caiu de 5.000 clientes por dia para mil”, calcula. “É algo desumano”, resume um motorista de ônibus fretado, que pediu anonimato. Ele tentava vencer o desvio, mas sem sucesso. Com dez anos de experiência na estrada, ele diz que a situação da 262 melhora somente em terras capixabas. “Tinha que ser recapeado, mas eles não fazem”, reclama. Como o desvio improvisado não autoriza a passagem de ônibus ou carretas maiores, o tempo de viagem pode até dobrar em alguns casos, como no trecho BH-Vitória, já que os veículos precisam pegar caminhos alternativos que podem aumentar o percurso em até 120 km.
Quem costuma passar pela BR–381 já sabe que vai enfrentar problemas ao ingressar na estrada, como afundamento de pistas, desvios arriscados e remendos precários. O comerciante Leandro Pedroso é um deles. Ele passa pela rodovia cerca de quatro vezes por semana, no trajeto de Ipatinga a Nova Era, e percebe que os transtornos têm aumentado nos últimos meses. “Toda semana tem que trocar o pneu do carro, porque estoura”, diz. É na altura de Nova Era, inclusive, outro ponto de caos na rodovia. Em janeiro, um deslocamento de terra provocou o rompimento da pista, que ficou totalmente interditada por 21 dias. Obras estão em andamento no local, que conta com pista única, mas os trabalhos devem demorar seis meses para serem finalizados. “Tive um prejuízo de R$ 200 mil”, contabiliza o vereador e empresário Roberto Bicalho, que tem uma lanchonete bem ao lado do trecho.
Problema se repete nas cidades
As águas que atingiram as rodovias federais e estaduais também se esparramaram cidades adentro. Municípios da região, como Nova Era e Rio Casca, registraram alagamentos, deixando muitas estradas nas zonas rurais totalmente intransitáveis. É outro problema que as cidades não conseguem superar, devido à falta de orçamento. Apenas uma das 11 estradas rompidas em Rio Casca vai demandar R$ 200 mil da prefeitura, segundo Amon Moreira, secretário de Agricultura, Pecuária e Meio Ambiente do município. “A gente já sabe que isso vai ser recorrente, as chuvas serão cada vez mais constantes e num acumulado maior, então é preciso ter prevenção”, reflete o gestor.
São problemas que já estavam ali, mas alguns foram agravados no período chuvoso. Em janeiro, quando centenas de estradas foram total ou parcialmente interditadas em decorrência de danos diversos, como queda de barreiras e de pontes, várias cidades ficaram ilhadas. Na época, a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) fez um levantamento para apurar os impactos econômicos em função das dificuldades de trânsito de pessoas e mercadorias entre os municípios. Segundo a entidade, no dia 13 de janeiro, pelo menos 33 cidades foram diretamente afetadas pelo cenário. Só na indústria, mais de 3.000 estabelecimentos foram prejudicados.
“Nós fizemos um estudo prévio para ver quais cidades tiveram de fato o acesso totalmente interrompido. Depois, tentamos entender o impacto socioeconômico da paralisação de atividades nesses municípios do ponto de vista logístico. E, no fim, chegamos a um valor, mas que com certeza é conservador”, explica o economista da Fiemg Marcos Marçal. A estimativa da federação, levando em conta só os dez primeiros dias do ano, foi de um prejuízo superior a R$ 1,1 bilhão, o equivalente a 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado.
Consultado, o Dnit informou que “atua de maneira prioritária na recuperação dos trechos das rodovias federais de Minas Gerais”. O órgão disse ainda que o trabalho ocorre de maneira ininterrupta, desde o final de dezembro de 2021, para restaurar a trafegabilidade das rodovias impactadas.