Christiana Renault, presidente do Servas - Serviço Voluntário de Assistência Social - é a entrevistada de hoje na temporada Minas S/A Governança, em todas as plataformas de O Tempo.

O Servas, entidade do terceiro setor que atende mais de 500 municípios mineiros, foi criado em 1951 por Sarah Kubitscheck.

Inicialmente chamado de ‘Pioneiras Sociais’, em 1961 passou a se chamar Servas.

Professora, educadora, advogada, Christiana realiza a função de presidente do Servas voluntariamente, sem receber salário.

Somente o custeio do Servas é pago pelo governo de Minas.

“Mas os nossos programas são financiados pela iniciativa privada. Toda vez que eu lanço um programa novo, eu tenho que ter um parceria ou eu tenho que ir em busca de parceiros que financiem esse programa”, explica Christiana.

Ela calcula que a cada R$ 1 que o governo do Estado coloca no Servas para custeio, ela consegue R$ 10 de patrocínio para rodar os programas.

"Temos uma capacidade de arrecadar muito boa. Eu acho que temos potencial para arrecadar muito mais", comemora a presidente. O Servas é a segunda entidade socioassistencial do Brasil e a primeira do terceiro setor em Minas Gerais a ter o certificado ISO 9001. 

O que é o Servas?

O Servas foi criado por Sarah Kubitschek em 1951. Hoje o Servas é uma entidade do terceiro setor. Não integramos a administração pública direta nem a administração pública indireta. Mas temos uma relação com o governo do Estado pautada por um contrato de gestão com a Secretaria de Desenvolvimento Social, em que prestamos serviço para ela. 

Para ter essa infraestrutura com funcionários e orçamento para os projetos sociais, o Servas depende do governo de Minas. Esse dinheiro vem do cofre único do governo?

Só o meu custeio é pago pelo governo de Minas – despesa básica que mantém de pé o Servas e é paga pelo governo –, mas os nossos programas são financiados pela iniciativa privada. Toda vez que eu lanço um programa novo, eu tenho que ter uma parceria ou eu tenho que ir em busca de parceiros que financiem esse programa.

Você não pode ir lá bater no cofre do governo e dizer: “Me dá um dinheiro aí que eu preciso fazer um programa no Servas”?

Não. Temos um programa que distribui um número significativo de cestas básicas: é o programa de segurança alimentar. Esse programa roda com o patrocínio de uma empresa. A campanha Calor Humano roda tanto com doações de empresas como de pessoas físicas.

Então, como você define o Servas? Ele é uma autarquia, uma empresa pública, uma empresa de capital misto?

Não. O Servas não se encaixa nessas definições jurídicas. Ele tem uma caracterização específica dele, que é a de serviço social autônomo. O Servas tem uma lei estadual que o caracteriza juridicamente e administrativamente. Ele funciona com o custeio pago pelo Estado, mas a boa notícia que eu tenho para te dar é a seguinte: a cada R$ 1 que o governo do Estado coloca no Servas para custeio, conseguimos R$ 10 de patrocínio para rodar nossos programas. Temos uma capacidade de arrecadar muito boa. Acredito que temos potencial para arrecadar muito mais. 

Qual é o potencial de arrecadação do Servas? O céu é o limite?

Eu gosto de ter a meta só como uma métrica para que a gente possa se situar em relação àquela campanha no ano anterior. Só como um estímulo para ultrapassar. Mas o céu é o limite, ainda mais agora que temos a certificação ISO 9001.

A certificação ISO 9001 é uma chancela internacional. A gente vê na iniciativa privada que as pessoas até colocam no crachá, no uniforme, que a empresa é ISO 9001. Foi difícil consegui-lo?

Ele é difícil. Tivemos que mapear todos os processos internos, rever todas as nossas rotinas, atingir um grau de transparência elevado, e assim conquistamos a certificação. O Servas é a segunda entidade socioassistencial do Brasil a ter a ISO 9001, e existe outra em Goiás. 

Em Minas Gerais, o Servas é o primeiro do terceiro setor a ter o ISO 9001?

Sim, é a primeira. É uma garantia muito grande para o nosso principal cliente, por assim dizer. Qual é a mensagem que o Servas passa com o ISO 9001? Eu estou dizendo para as empresas que podem participar potencialmente dos nossos projetos, que podem colocar o dinheiro delas com tranquilidade. Em primeiro lugar, o que as empresas colocarem vai chegar na ponta, sem nenhum desconto, porque o meu custeio é pago pelo meu contrato de gestão. Quando eu faço uma doação para outra entidade do terceiro setor que não tem o seu custeio pago, parte do que você doa é absorvido pela própria entidade para ela pagar funcionários, para ela continuar a existir. No caso do Servas, se você doa R$ 1, ou se você doa R$ 1 milhão, ou se você doa R$ 10 milhões, integralmente o que é doado chega na ponta.

Isso faz toda a diferença, não é?

Isso faz toda a diferença porque você sabe que o que você está doando, vai encontrar a sua destinação, que é o motivo pelo qual você está doando. As nossas prestações de contas são impecáveis. Logo após o término das nossas campanhas, nossas prestações de contas já estão prontas porque vamos fazendo essa prestação de contas no decorrer da campanha. A maioria dos nossos projetos tem adesão do Ministério Público do estado de Minas Gerais, ou seja, temos um fiscal como nosso parceiro nos projetos.

Qual é o recado que você tem para a sociedade civil?

Se você quer investir em assistência social ou em investimento social, use o Servas. Estamos aqui para ser uma ponte entre a sua empresa e o público no qual você deseja investir: sejam crianças, sejam idosos, sejam pessoas com algum tipo de deficiência. O que for o seu objetivo, nós estamos aqui para te ajudar a investir na assistência social prestada a esse público vulnerável.

Você assumiu a presidência do Servas em 2023. De lá pra cá você tem um histórico do público atendido?

Temos um investimento mensal de cerca de R$ 130 mil, temos 32 funcionários e duas voluntárias, que somos eu e a vice-presidente Dinorá. Realizamos um trabalho muito grande de reorganização interna nos dois primeiros anos até atingir a certificação ISO 9001. Os programas que estavam em funcionamento quando eu entrei para o Servas continuam a existir. Estamos em mais de 500 municípios mineiros. 

Essa capilaridade é importante.

Nós não fazemos entregas direto a pessoas físicas, nós fazemos as entregas a entidades socioassistenciais. 

Elas já têm a expertise para entregar?

Com o nosso tamanho seria muito difícil ter capilaridade em todo o estado de Minas Gerais. Ao mesmo tempo, as instituições socioassistenciais já têm expertise, credibilidade e experiência. Elas precisam de nós e nós precisamos delas. 

Elas já têm o controle?

Nosso papel é fiscalizar essas entidades para ter a certeza de que essas entregas são bem feitas. Nosso programa de cestas básicas, por exemplo, sai com um QR Code rastreável. Então, se a cesta básica for parar num lugar muito diferente daquele ao qual ela foi enviada, tem alguma coisa estranha. Frequentemente, as entidades que trabalham conosco têm que atualizar o cadastro. 

A doação gera uma roda do bem, uma sensação boa.

Sim. É uma roda que gira. É uma corrente virtuosa; fora a sensação imediata. O esforço que nós costumamos fazemos é o de colocar os doadores em contato direto com os destinatários finais. Se recebemos um grande número de cobertores para a campanha Calor Humano ou um grande número de agasalhos, nós procuramos fazer uma cerimônia de entrega em que a gente traz alguns beneficiários para a sede do Servas, traz os doadores, e o doador tem a oportunidade de pelo menos uma parte daquela doação ele entregar diretamente para aquele destinatário final. Não há quem não se emocione. O doador que participa se engaja mais no próximo ano e tem uma satisfação pessoal enorme.E a pessoa fala como aquela doação está mudando a vida dela. Quando Toninho – Antônio de Salvo, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Minas Gerais (Faemg) – esteve aqui, por causa da doação de 2.000 litros de leite por mês que recebemos da Faemg em parceria com a CCPR e a Associação do Gado Gir, foi um momento tocante, pois eles viram pessoas que irão consumir o leite doado.

É muito bonito estar proporcionando alimento num país em que grande parte do PIB é do setor agropecuário. Vocês vão continuar nessa parceria do setor agropecuário?

Vamos continuar.

Outra pessoa que falou muito bem de você foi o CEO da Gerdau, Gustavo Werneck. Ele me disse que ficou impressionado com a visão de futuro do Servas para fazer o bem. Isso vai mostrando uma corrente para outros empresários de outras empresas, de outros setores, entrarem também. É uma cruzada, não é?

É uma cruzada. Nós estamos construindo um projeto a quatro mãos com a Gerdau, ainda não vou falar a respeito dele, porque ele está sendo gestado. Mas, assim que for apresentado, eu conto pra vocês. O projeto que está sendo gestado é igual a um embrião, igual a um feto, ele precisa ficar protegido pela barriga até ficar pronto. Na hora que ele nascer, ele será apresentado pela sociedade. Eu costumo falar para todos os empresários que nos procuram e que gostariam de realizar alguma campanha conosco. Nós já temos um portfólio e programas. 

São quantos programas?

São vários. Mas, além disso, eu apresento os nossos programas, o nosso portfólio, dizendo: enxergue o que está aí, mas enxergue também o que não está aí. 

Se a empresa quiser fazer uma sugestão, ela pode?

Sim, pode. Eu pergunto: há algum tipo de iniciativa que a sua diretoria de ESG gostaria de atingir, de realizar? Ou tem algum público vulnerável que não está contemplado por algum dos nossos programas? Porque a gente pode construir um programa, um projeto a quatro mãos, para executar juntos. 

É agregar valor.

A gente entende que a empresa tem uma cultura própria. Há empresas que preferem investir em determinado tipo de vulnerabilidade ou num público específico.Tem a ver com o sonho do patriarca que criou a empresa. Seja o que for a motivação da empresa: eu trabalho com empresa familiar, eu trabalho com empresa de capital aberto, nós precisamos também dos sonhos dos empreendedores. Pode ser uma educação para levar a pessoa a sair da vulnerabilidade dela, pode ser uma educação por uma cidadania melhor, algum aprendizado específico. Traga seu sonho, porque vai fazer sentido para nós e para a empresa.