Suástica

MP não indica prisão a homem que usou braçadeira nazista em bar de Unaí, em MG

Promotoria solicitou, nas considerações finais da denúncia, que a Justiça faça avaliação da sanidade mental do fazendeiro; ele foi considerado culpado pelo órgão

Por Lucas Negrisoli
Publicado em 20 de maio de 2022 | 15:24
 
 
Homem foi flagrado com faixa de suástica nazista em bar de Unaí Reprodução / Twitter

O homem flagrado usando uma braçadeira com a suástica em um bar de Unaí, no Noroeste de Minas, possivelmente não será preso pelo crime de apologia ao nazismo. Nessa quarta-feira (18), o promotor Athaide Francisco Peres Oliveira apresentou as considerações finais à Justiça sobre o caso e solicitou que o réu tenha a sanidade mental avaliada, mas que continue em liberdade.

O fazendeiro José Eugênio Adjunto foi fotografado com o símbolo do Terceiro Reich em novembro de 2019 e a imagem ganhou repercussão nas redes em todo Brasil. Pessoas que estavam no local chegaram a chamar a polícia, mas ele não foi detido em flagrante.

Cerca de dois meses depois, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) denunciou o homem por apologia ao nazismo. Na época, a promotoria pediu a condenação do fazendeiro pelo crime previsto no artigo 20, parágrafo 1.º, da Lei 7.716/89, que prevê pena de reclusão de dois a cinco anos e multa a quem "fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo".

Fontes ligadas ao caso, ouvidas pela reportagem de O TEMPO, disseram que o texto final apresentado à Justiça pela promotoria demonstra negligência, mesmo que as considerações finais do promotor Athaide Francisco Peres Oliveira apontem o réu como culpado.

Além de não pedir a prisão do fazendeiro por apologia ao nazismo, o MPMG recebeu críticas por demorar em se manifestar sobre o caso. As considerações finais foram apresentadas quase um mês depois da data prevista. O julgamento deve ocorrer em junho. 

Segundo nota enviada à reportagem, o MPMG afirma que "não houve atraso injustificado na apresentação das alegações finais. Isso porque o prazo estipulado inicialmente para as alegações finais tratava-se de prazo impróprio - por ser processo de réu solto. Demonstração disso é que o MPMG foi intimado a se manifestar na oportunidade de 13 de maio de 2022. E o fez, cinco dias depois".

Sanidade mental questionada

Como justificativa para considerar que houve “incidente de sanidade mental”, o MPMG citou relatos de testemunhas arroladas no processo e frisou uma parte do depoimento de Adjunto à Polícia Civil à época do crime. O réu disse que “tem depressão”, usa “medicamentos controlados” e ostentou “o símbolo como sinal de paz e prosperidade”. Chegou a falar, inclusive, que a suástica, em sua visão, era um “símbolo budista”. 

Porém, tanto a polícia quanto o MPMG detalham que Adjunto tinha plena consciência da relação com o nazismo. Mais: ele pesquisou dias antes do crime sobre onde e como comprar uma braçadeira que representasse o regime fascista alemão. O homem teria, ainda, longo histórico de flertes com a ideologia de Adolf Hitler, participado de grupos extremistas na internet e ameaçado, várias vezes, nas duas últimas décadas, cometer atos de terrorismo.

Testemunhas relataram que, antes da repercussão nacional no fim de 2019, o fazendeiro havia alegado que “mataria uma multidão” e cometeria suicídio em seguida. Ele teria dito isso em diversas ocasiões. A defesa do fazendeiro não foi encontrada. 

A reportagem também apurou que, nos dias posteriores ao crime, Adjunto teve a oportunidade de divulgar, a pedido de pessoas próximas e de sua assessoria jurídica, uma carta se desculpando pelo ocorrido – e optou por não fazer.

De acordo com o MPMG, o promotor de Justiça afirma que o pedido de inimputabilidade mental se deu "a partir do evidente quadro de saúde mental precária do acusado, público e notório em toda a cidade, como a própria matéria de O Tempo faz crer em trechos em que reproduz atitudes do acusado como dizer, em várias ocasiões, que 'mataria uma multidão e cometeria suicídio em seguida”.

A reportagem solicitou entrevista ao promotor responsável para esclarecer as alegações, mas o órgão pontuou que ele se negou falar à imprensa “neste momento”.

Na manhã desta sexta-feira (20) o MPMG pediu segredo de Justiça para o caso. De acordo com o órgão, o pedido de decretação de sigilo do processo "se deveu também à ausência de higidez psíquica do réu, que pode ser agravada pela divulgação dos fatos contidos nos autos".

O MPMG discorda que a alegação final do promotor teria indicado que o réu não fosse preso pelo crime de apologia ao nazismo. "Na conclusão das alegações finais apresentadas pelo promotor de Justiça, além do pedido relativo ao conhecimento da questão de ordem (incidente de sanidade mental), reitera-se, no mérito, a condenação do réu, que já é fato gerador da prisão por ocasião de sentença", segundo o órgão.

Mas fica claro nas alegações finais que, ao menos durante os trâmites em outras instâncias, o fazendeiro deve permanecer em liberdade: "Sobre a liberdade provisória ou decretação da prisão preventiva, mister a manutenção da liberdade corpórea advinda do trânsito processo-crime. Nessa esteira, consoante os permissivos do processo penal, é viável a permanência status libertatis ao lume dos vetores constitucionalizados da (a) proporcionalidade, da (b) adequação e de (c) razões aptas para o processamento criminal sem restrições libertárias", diz o texto assinado pelo promotor.

Comunidade judaica defende punição

Assistente da acusação de Adjunto, a Federação Israelita do Estado de Minas Gerais (Fisemg) defendeu, em nota, que “o fato foi cometido de forma ostensiva e insistente à vista de todos, mostrando grande desprezo pelos valores que regem os mais comezinhos princípios de respeito à civilização e à vida humana”. 

“A Fisemg tem confiança nas mãos firmes das autoridades Judiciárias do Estado de Minas Gerais. A defesa do Estado Democrático de Direito e da própria decência humana pressupõe uma resposta rápida e dura das autoridades contra qualquer propaganda nazista, neonazista ou de quaisquer extremismos”, pontua o texto. 

Julgamento foi adiado duas vezes

O julgamento do fazendeiro José Eugênio Adjuto foi adiado por duas vezes na Vara Criminal e da Infância e da Juventude da Comarca de Unaí. Inicialmente, ele deveria ter ocorrido em 20 de setembro de 2021.

O primeiro adiamento no processo ocorreu após o MPMG pedir que duas testemunhas fossem incluídas. À época, a defesa de José Eugênio Adjuto havia alegado que as pessoas não estavam arroladas na ação do órgão e, por isso, o julgamento foi postergado.

“Estão tratando ele como se fosse ‘doidinho’, excêntrico. Ele cometeu um crime e ameaçou (cometer) atentados várias vezes. É um criminoso”, desabafou uma das fontes anônimas a O TEMPO. Um dos argumentos usados para considerar negligentes os pedidos do MPMG é de que, logo após o ocorrido em Unaí, houve uma série de incidentes parecidos no Brasil. Em dezembro daquele ano mesmo, um jovem foi a um shopping de Curitiba mostrando uma braçadeira com a suástica

Neonazismo avança no Brasil

Em números, a abrangência de células neonazistas e denúncias de crimes cibernéticos envolvendo o fascismo alemão saltaram nos últimos anos. Entre 2015 e 2021, o número de grupos identificados no Brasil saltou de 74 para 530. A quantidade de ocorrências de apologia ao nazismo nas redes sociais, no mesmo período, foi de 1.200 para mais de 9.000. 

Respectivamente, os dados foram apurados pela antropóloga Adriana Dias e pela Central de Denúncias de Crimes Cibernéticos da Safernet Brasil e divulgados pela imprensa no ano passado. 

A “CNN” publicou, em outubro de 2021, que a Polícia Federal registrou 282 inquéritos para apurar denúncias do tipo ao longo de dez anos. Em 2011, eram 11 investigações dessa natureza, enquanto em 2020 o número subiu para 110. Só nos dez primeiros meses de 2021, 51 investigações haviam sido iniciadas.