Saúde e relacionamentos

Quem vive com HIV precisa contar no sexo? Fala de Regina Volpato levanta questão

Especialistas explicam por que essa obrigatoriedade não existe, do ponto de vista médico

Por Gabriel Rodrigues
Publicado em 15 de abril de 2024 | 14:55
 
 
Regina Volpato em vídeo em que fala de pessoa que vive com HIV Foto: Instagram/@regina_volpato/Reprodução

A jornalista Regina Volpato, ex-apresentadora do programa “Casos de Família”, amanheceu pedindo desculpas nesta segunda-feira (15/04). Acusada de sorofobia — o preconceito contra pessoas que vivem com HIV —, ela suscitou um debate nas redes sociais que movimentou médicos, pacientes e quem só desejava opinar: uma pessoa soropositiva precisa compartilhar seu diagnóstico com os parceiros sexuais?

Como é habitual, Volpato abriu a caixa de perguntas de seu Instagram para seus mais de um milhão de seguidores pedirem conselhos. Quando um deles afirmou que estava apaixonado por um homem que contou que vivia com HIV após terem três relações sexuais, ela recomendou que o seguidor se afastasse, porque essa pessoa não mereceria confiança.

É uma visão ofensiva e preconceituosa, ela própria reconheceu, após ser alertada por seguidores e especialistas. O influenciador Lucas Raniel, por exemplo, que vive com HIV e compartilha sua rotina nas redes, sublinhou: “acredito que não é assim que devemos construir um diálogo sobre HIV na sociedade. Da maneira como ela fala, fica parecendo que somos vilões, que todas as pessoas que vivem com HIV são um risco e que vamos ficar sozinhos para sempre. E aí entra a questão da solidão de quem vive com HIV, que é muito forte”.

‘Indetectável = intransmissível’

O sigilo do diagnóstico das pessoas que vivem com HIV é protegido por lei. Além disso, do ponto de vista clínico, sexo com alguém que convive com o vírus e está com o tratamento controlado pode ser considerado mais seguro do que com uma pessoa que não está com os testes em dia, reforça o infectologista e professor da Faculdade de Saúde Santa Casa BH Alexandre Moura, especialista no assunto.

“De maneira geral, depois de seis meses de tratamento, a pessoa não transmite”, pontua. Esse intervalo considera que é necessário ter duas confirmações do controle do vírus, em exames com dois a três meses de diferença entre eles. São testes que demonstram o nível da carga viral no organismo. Em determinado limite, ele é tão baixo que o vírus não é mais transmitido. É um conceito reforçado pelo Ministério da Saúde: “i = i”, ou seja, “indetectável = intransmissível”.

Uma pessoa com esse status, portanto, não coloca os parceiros em risco se não compartilhar seu diagnóstico antes do sexo, pondera Moura. “Do ponto de vista individual, a pessoa indetectável não é obrigada a falar”, reforça. Mas ele recomenda o uso de preservativo em qualquer relação sexual para evitar as demais infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). “A sífilis está muito mais prevalente do que o HIV”, exemplifica. 

Além disso, em uma relação sexual, a responsabilidade pela proteção é de todos os parceiros, e não só de quem vive com HIV. É um ponto de vista compartilhado pelo infectologista Vinícius Borges, que dá dicas de saúde no X no perfil @DoutorMaravilha. “Se a pessoa não está te colocando em risco não é obrigado a te contar. É sigilo médico.  Pois a sociedade é preconceituosa e geralmente a resposta é a rejeição. E você pode utilizar preservativo e/ou PrEP para gerir o seu próprio cuidado. Por que tudo é responsabilidade do outro? Você é adulto!”.

A jornalista Regina Volpato já pediu desculpas e viu que teve uma fala preconceituosa.
Agora é passar a informação correta, se possível convidar uma ativista vivendo com HIV pra conversar e seguir combatendo o estigma.

Voltando ao assunto do relacionamento soro
diferente:

Se a…

— Vinícius Borges (@DoutorMaravilha) April 15, 2024

“Ainda existe o estigma, o estereótipo de que a pessoa que vive com HIV é promíscua, que será sempre um vetor. Hoje, o HIV não tem cara, por isso a importância de sempre nos cuidarmos. Os testes ainda são para todo mundo. O medo da exposição infelizmente se materializa quando você conta para um parceiro ou para a família”, acrescenta o ativista e militante do Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais (Cellos-MG), também formado em gestão hospitalar, Rafael Sann. 

Como casais podem se proteger

Em uma relação de longo prazo, o infectologista Alexandre Moura avalia que compartilhar a informação do diagnóstico é uma questão de confiança, especialmente se os parceiros decidirem abandonar o uso da camisinha. “Primeiro, é importante usar preservativo em uma relação casual ou que está se iniciando. Uma vez no relacionamento, se decidem abrir mão do preservativo, todos devem fazer um checkup médico. Se um for positivo para HIV, o parceiro pode escolher a opção mais interessante”, diz.

Nesse caso, trata-se de uma relação sorodiscordante, em que um parceiro vive com HIV e o outro, não. Uma alternativa, nesse caso, é que a pessoa soronegativa utilize a Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP), uso de medicação diária disponibilizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) que minimiza em 99% a chance de infecção. É uma medida importante para não depender somente do tratamento da pessoa que vive com HIV. Também existe a opção da PrEP sob demanda, que é utilizada para relações casuais e demanda tomar os comprimidos apenas eventualmente.

Além disso, pessoas que foram expostas a risco de infecção — fizeram sexo sem preservativo com alguém que não conhecem bem, por exemplo — podem procurar a Profilaxia Pós-Exposição ao HIV (PEP) no SUS até 72 horas após a exposição. São comprimidos que, se tomados corretamente durante cerca de um mês, impedem a infecção.