Medicamentos abortivos ilegais como o Cytotec – que tem como princípio ativo a substância misoprostol – podem ser facilmente comprados nas ruas da área central de Belo Horizonte ou mesmo pela internet. Os produtos têm comercialização para o público proibida desde 1998 e não possuem registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em reportagem publicada nesta sexta, O TEMPO mostrou que os remédios estão sendo vendidos livremente nos campi da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na capital, e da Universidade Federal de Viçosa (UFV), na Zona da Mata.
Na última semana, a reportagem circulou pelos arredores da rodoviária, no centro, para negociar a compra do abortivo. O primeiro contato foi com um vendedor de cigarros na rampa de acesso à estação de metrô Lagoinha. Ele informou onde era possível encontrar o medicamento. “Você pode ir até uma lojinha que fica quase na esquina, ao lado de uma loja grandona. Procure pelo Cesar, ele tem esse tipo de remédio”, disse, buscando discrição em um tom de voz baixo.
A loja é uma espécie de box, próximo ao terminal, onde são vendidos meias, mochilas, carregadores de celular e outros apetrechos. O vendedor se mostrou desconfiado quando a reportagem explicou que estava à procura do Cytotec e fez várias perguntas antes de dizer que poderia encomendar o medicamento a um fornecedor.
“Você é de onde? O que faz? Para quem você quer (o remédio)? Sabe que é perigoso, né?”, questionou. Depois de obter as respostas, disse que poderia vender no ato uma cartela de Pramil, fármaco para tratamento de disfunção erétil, por R$ 50. Já o Cytotec seria “um pouco mais complicado”.
“Se for pego vendendo esse remédio, complica. Posso ligar para a pessoa que me passa ele. Quando você pode voltar aqui para pegar? É remédio de confiança, não é falso como esses aí da praça Sete”, afirmou o homem. “Posso fazer um desconto legal para você”, completou.
Em outra loja, o vendedor demonstrou-se igualmente desconfiado, mas agiu de modo ríspido. “Você não pode me sacanear, velho! Faço por R$ 700, mas olha a sacanagem”, exclamou.
Whatsapp. Quem se interessa pelo Cytotec ainda tem a comodidade de adquirir o remédio com vendedores pela internet. Os traficantes disponibilizam seus números de telefone e fazem todo o processo de negociação pelo aplicativo WhatsApp. Além disso, enviam depoimentos de mulheres que usaram o abortivo.
A reportagem contatou quatro vendedores do medicamento, e, até o fechamento desta edição, três haviam dito ter o Cytotec para venda. O preço variou entre R$ 700 e R$ 800.
Penalização
Crime. O aborto no Brasil é permitido só para casos de estupro ou risco de morte para a mulher. A venda do Cytotec é considerada crime hediondo e pode render até 15 anos de prisão.
Saiba mais
Sedex. Um dos vendedores contatados pela reportagem disse que poderia enviar por Sedex as cartelas de Cytotec. Alegando “honestidade recíproca” entre ele e o comprador, afirmou que só receberia o pagamento de R$ 800 após o medicamento já estar entregue ao cliente.
Explicação. Todos os vendedores afirmaram que explicariam como o remédio deveria ser tomado para “que nada desse errado”.
Comércio ilegal gera debate entre estudantes no Facebook
No Facebook, alunos da UFMG debateram a venda de abortivos no entorno da universidade durante o dia desta sexta. O grupo na rede social tem 12 mil participantes, e os estudantes mostraram-se divididos quanto à comercialização. A descriminalização do aborto deu a tônica de boa parte dos comentários.
“Um absurdo vender esse tipo de droga no campus, e mais absurdo ainda o aborto não ser legal e acompanhado por um médico”, disse um aluno. Alguns compararam a UFMG com a praça Sete, ponto da capital conhecido pela venda de produtos ilegais.
“Não sabia dessa venda, e, pelo que conversei com minhas amigas, todas estavam bem chocadas. Acho extremamente perigoso para a vida das mulheres que podem ter comprado o remédio”, destacou outra estudante.
O TEMPO mostrou
UFMG. Nesta sexta, O TEMPO mostrou a venda de abortivo no campus da Universidade Federal de Minas Gerais. A reportagem negociou oito comprimidos por R$ 550 em contato com dois traficantes. Eles disseram que a droga era fornecida a eles por alunos de medicina e farmácia.
UFV. Na Universidade Federal de Viçosa, na Zona da Mata, uma aluna contou que comprou o remédio por R$ 800 de uma estudante.
Silêncio. As escolas disseram não saber dos casos e que só tomariam providências após denúncias serem feitas.