Sob chamada dos nomes das cerca de 90 pessoas desaparecidas na tragédia da Vale, familiares das vítimas ainda do rompimento da barragem I da mina do Córrego do Feijão, respondiam emocionados, "presente, presente, presente" em ato organizado nesta segunda-feira (25).

Passados exatos dois meses do desastre que, de acordo com a Polícia Civil, matou 214 pessoas, o sentimento do luto ainda não pode ser vivenciado por parentes que ainda não conseguiram sepultar seus familiares. A aposentada Raimunda Luiza Altino, 65, perdeu o filho caçula, o mecânico João Paulo Altino, 36.

"Ele ficava na Vale de segunda a sexta. No domingo, antes da tragédia, tomamos nosso último sorvete. Ele estava e era muito feliz. Na quinta nos falamos por telefone e eu não sabia que seria a última vez. É um sofrimento que não acaba. Dinheiro nenhum vai trazer meu menino", disse emocionada.

Vestida com as roupas de trabalho do marido, cujo corpo foi encontrado na última sexta-feira (22), Shirley Aparecida Oliveira, 39, protestava pela morte do soldador Josué Oliveira da Silva, 27. "Essa empresa é assassina. Eles sabiam. Tiraram dele e de mim todos os sonhos: o de ter filhos, de ter nosso negócio. Dia 2 de fevereiro faríamos um ano de casados. Tudo o que sonhamos foi consumido pela lama. Sei bem o que é a dor da incerteza, de não ter ao menos um corpo para enterrar, pois fiquei quase dois meses sem a resposta de onde estava o Josué", afirmou.

Lágrimas e revolta fazem parte do cotidiano da técnica em meio ambiente Ivone Ferreira, 60. Dos cinco familiares que morreram no desastre, entre primos e sobrinhos, dois ainda seguem .

"Meu Deus, é uma agonia sem fim. Quatro eram da Vale e uma estava cumprindo aviso na pousada, estava treinando a mocinha que ficaria no lugar dela. Por pouco, eu também não morri. Não sou da Vale, mas trabalho perto da via férrea e só não estou debaixo da lama porque estou em tratamento. Eles sabiam da tragédia desde a quarta que antecipou o rompimento. Eu, como técnica em meio ambiente sabia que aquilo ia cair. Por que não deram férias coletiva para essas pessoas?", questionou.

Um culto ecumênico é realizado neste momento com participação de religiosos. Durante cerimônia ecumênica realizada em frente ao monumento que leva o nome da cidade de Brumadinho, o bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, Dom Vicente Ferreira, fez um pedido aos familiares que participaram do ato que marcou dois meses da tragédia envolvendo a barragem da Vale.

"Não vamos nos referir a essas pessoas como desaparecidas. São pessoas não encontradas. Essas pessoas não estão desaparecidas, não nos nossos corações. Não no coração de Deus", considerou o religioso. Durante a cerimônia, palavras de conforto e pesar foram direcionadas aos presentes, que buscavam na religiosidade amparo para seguirem a vida.

"Como citado pelo pastor que também participou desse ato, a união é muito importante, pois nos faltam palavras, mas tem uma força que mora no mais profundo de nós, que é uma força de Deus que vai nos auxiliando a encontrar palavras e ações neste momento", afirmou Dom Vicente. Após um minuto de silêncio, uma salva de palmas marcou o encerramento do encontro.

INDÍGENAS

Representantes da tribo Patachó Hãnhae compareceram ao ato em Brumadinho para prestarem condolências aos familiares das vítimas da tragédia ainda não localizadas.

Esposa do cacique da tribo, a índia Ãngoho Gonçalves, 53, disse que, mesmo sem parentes envolvidos na tragédia, toda a aldeia está de luto pelas vidas e pelo meio ambiente. "Estamos às margens do Rio Paraopeba e fazemos parte da região atingida. A Vale matou nossos peixes. As crianças e anciões querem se banhar nesse calor e não podem. A minha comunidade se sente desamparada. Sem igualdade social. Se a Vale se importasse, não colocaria tantas vidas em risco, com o refeitório debaixo da barragem", lamentou

Localizada a 22km do ponto em que a barragem se rompeu, a tribo, segundo a representante pede providências com relação a qualidade da água do Rio Paraopeba. "Eles (Vale) foram à aldeia e nos deram 70kg de carne, mas o que queremos é o Rio Paraopeba vivo de novo. O rio sangra enquanto a impunidade está limpa, seca e escancarada nas nossas faces".

Texto atualizado às 15h25