Com tantas incertezas geradas pela pandemia, nem as estatísticas dão conta de afirmar ao certo o tamanho do problema, mas têm sido fundamentais para evitar que ele aumente. De acordo com um mapeamento feito pela Prefeitura de Belo Horizonte, o maior número de casos graves está concentrado nas regionais Centro-Sul e Oeste. As regiões Norte e Barreiro são aquelas com menos casos. Mas, de acordo com o subsecretário municipal de Saúde, Fabiano Pimenta, não significa que as regiões tenham maior índice de transmissão.
“Essa distribuição geoespacial considera as internações por síndrome respiratória aguda grave com comprovação da Covid-19, de acordo com o endereço residencial do paciente. Mas não podemos afirmar que essa pessoa pegou nas proximidades de casa. São informações que nos fazem refletir sobre a necessidade da continuidade das medidas de prevenção”, destaca Pimenta.
O mapa sinaliza a intensidade do total de casos confirmados e mortes. Quanto maior a concentração, mais vivo é o tom do vermelho, que indica a chamada “área de calor” dos casos positivos. Para fazer o georreferenciamento, a PBH usa apenas as regionais. Entretanto, uma sobreposição no mapa dos bairros dá uma ideia de onde há mais casos do coronavírus. No caso da região Oeste, por exemplo, bairros como Prado e Gutierrez aparecem em uma zona de calor mais forte.
Ontem, o advogado João Medeiros, de 32 anos, foi à praça Leonardo Gutierrez para tomar sol e fumar, mas contou que passa a maior parte do tempo em casa. “O pessoal está tomando todos os cuidados. Eu acho que aqui, na região, as pessoas geralmente têm poder aquisitivo melhor e mais acesso a testes e plano de saúde. Pode ser que, por isso, o número de casos confirmados aqui seja superior”, disse.
De acordo com o pesquisador e professor de ciências econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) João Tonucci, não é possível fazer nenhuma constatação a partir do mapeamento, pois ainda não existem dados consolidados de um período longo, com um volume significativos de casos avaliados. No entanto, ele também acredita que pode haver uma relação entre a concentração de casos e o poder aquisitivo. “É apenas uma hipótese, mas a escassez de testes e a demora dos resultados podem ser uma explicação. Pessoas que moram nas regiões Oeste e Centro-Sul podem ter mais acesso a testes particulares, só que isso ainda não reflete a realidade, pois temos indícios de que, com a subnotificação, podemos ter até dez vezes mais do que os casos já confirmados”, explica.
Na região Norte, que tem poder aquisitivo mais baixo, nenhuma mancha vermelha aparece. De acordo com o subsecretário Fabiano Pimenta, a estatística ainda não tem força para comprovar um padrão. “Lá não tem muitos casos, mas, por outro lado, temos dois óbitos na região”, pondera.
Depois da região Norte, vem o Barreiro. Embora seja a região mais populosa de Belo Horizonte, onde a renda média também é inferior às das regiões Oeste e Centro-Sul, a incidência de casos também é fraca. Segundo a funcionária de um mercadinho no bairro Olaria, Solange Dias, de 57 anos, o comportamento dos moradores pode ter ajudado. “Aqui tem pouca gente na rua, as pessoas estão ficando mais em casa. Eu acho que o uso da máscara tem grande influência na proteção”, avalia Solange.
Prevenção independe de bairro
Seja para quem mora em bairros com mais casos de Covid-19 ou com menos, a recomendação é a mesma: prevenção. O subsecretário de Saúde ressalta que, neste momento, o mais importante são as medidas de segurança individuais e coletivas. “No futuro, a gente até pode usar os indicativos do mapa da distribuição geoespacial para nortear medidas fiscalizatórias, educativas e de reorientação de outras medidas já adotadas. Mas agora o importante é que as pessoas só saiam de casa se for essencial, usem máscaras e lavem as mãos”, afirma.
O aposentado Paulo Roberto Ciriaco, de 66 anos, mora no Barreiro há 24 anos. Ele está cumprindo as regras da quarentena com rigor. Nem o treino do time Associação Atlética Vargem Grande, do qual ele é presidente, está sendo feito. “Parece que o último jogo foi 3 ou 4 de março”, lembra Ciriaco. “Aqui a gente só vê movimento na padaria, açougue e mercado, o povo está dentro de casa. Eu acho que a tendência é melhorar, porque piorar não tem jeito”, afirma.
No Prado, na região Oeste de Belo Horizonte, a movimentação tem sido baixa. Nesta quarta-feira (29), quando a reportagem esteve no local, apenas estabelecimentos considerados essenciais, como padarias e farmácias, estavam funcionando, e algumas pessoas ainda não usavam máscara, contrariando o decreto municipal que determina a utilização obrigatória do item.
A oficina onde trabalha o mecânico Tardely Ricardo dos Santos, de 32 anos, está fechada. Ele diz que não percebeu aumento no fluxo de pessoas nas últimas semanas. “Aqui tem um fluxo maior de carros porque há hospitais próximos, mas o comércio está todo parado. São poucas pessoas nas ruas, não vejo justificativa para o número de casos ser maior aqui”, disse.
O comerciante Ismael Coelho, de 56 anos, é dono de uma padaria no Prado e contou que o movimento no local caiu cerca de 80% desde o início das medidas de isolamento. “Não aumentou nada para mim, e todos os clientes vêm de máscara. Nós aqui passamos a usar máscara e álcool em gel toda hora, e o resto é Deus. Temos que fazer nossa parte, mas, se tiver que acontecer, vai acontecer”.
Preocupação
No Gutierrez, também na região Oeste, a mediadora de conflitos Julieta Ribeiro Martins, de 40 anos, percebeu que o movimento de pessoas aumentou nas últimas duas semanas, nas ruas e nos supermercados, apesar de ainda estar menor do que o normal.
“Acho que o pessoal está relaxando um pouco. Tem bastante gente sem máscara, às vezes até dentro do supermercado. Os próprios funcionários, em alguns casos, trabalham com a máscara pendurada no pescoço”, afirma Julieta.
Ela confessa que sente medo e só sai de casa quando necessário. “Saber que o bairro onde moro é um dos com mais contágio me angustia. Faço uma limpeza muito rigorosa de tudo que compro, tomo banho quando chego em casa, lavo as mãos com frequência, o que dá para fazer eu estou fazendo”, garante.
Casos confirmados na capital crescem 16,4% em uma semana
A Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte só atualiza o mapa de distribuição geoespacial dos casos graves de coronavírus quando há mudanças significativas. O último foi divulgado no dia 23 de abril, quando Belo Horizonte tinha 482 casos da doença e nove óbitos. De lá para cá, o total de confirmados subiu 16,4%, saltando para 561. Já o número de mortes praticamente dobrou, chegando a 16.
De acordo com o subsecretário da pasta, Fabiano Pimenta, de todos os indicadores mostrados no mapeamento, o mais revelador é sobre o grupo de risco. “Cerca de 90% dos óbitos aconteceram em pacientes que tinham mais de 60 anos ou alguma comorbidade”, afirma.
A reportagem solicitou à secretaria os dados regionalizados por bairros e aguarda a compilação.