Desastre

Cerca de 500 mil atingidos na tragédia em Mariana e nenhum condenado

Quatro anos depois, sete acusados aguardam julgamento, mas estão livres do crime de homicídio

Por Letícia Fontes
Publicado em 04 de novembro de 2019 | 03:00
 
 
Bento Rodrigues, distrito mais devastado, é o retrato da tragédia Foto: Ramon Bittecourt

Dor e impotência são dois sentimentos difíceis de lidar, mas que, desde 5 de novembro de 2015, acompanham os atingidos pelo rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, na região Central de Minas Gerais. A lama provocou 19 mortes, devastou três distritos e deixou um rastro de destruição até hoje imensurável. Levantamento atualizado do Ministério Público Federal (MPF) chegou ao total de 500 mil pessoas atingidas pelo desastre.

Apesar de todo o impacto social, ambiental e econômico causado, ninguém está preso ou foi responsabilizado quatro anos depois. O julgamento dos réus sequer foi marcado. Todos os sete gestores da mineradora Samarco, denunciados por crime de inundação qualificada e desabamento, aguardam em liberdade. Por decisão da Justiça Federal, em abril deste ano, eles não vão mais responder por homicídio doloso (com intenção de matar), como o MPF havia denunciado. 

“Infelizmente, é um processo que vai se arrastar ainda por muitos anos. É frustrante essa postura da Justiça”, ressaltou o procurador da República em Linhares (ES) e membro da Força-Tarefa Rio Doce do MPF Paulo Henrique Camargos Trazzi. 

Reparação

Se o processo criminal não avança, o ressarcimento aos atingidos também é lento. Quatro anos depois, ainda há famílias lutando pelo auxílio-emergencial de um salário mínimo (R$ 998) por mês. Recentemente, 200 famílias conseguiram o benefício em Mariana, mas cem ainda lutam na Justiça para ter o direito, segundo o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). 

“Em quatro anos, o foco, infelizmente, tem sido o cadastro de pessoas para o recebimento de cartões emergenciais. As empresas têm usado sua força para atrasar o processo. Tínhamos que já ter superado isso e estar pensando na recuperação ambiental, alternativa de renda para as pessoas e nas vidas como um todo”, completa o procurador.

No entanto, nem as multas ambientais aplicadas pelo Ibama logo após a tragédia, no valor de R$ 350,7 milhões, haviam sido pagas até o início deste ano – o órgão não informou se foram pagas após isso. Em agosto, a Samarco tentou anular as infrações, mas o pedido foi negado pela Justiça.

Só três das 21 assessorias foram criadas

Após a tragédia de Mariana, quatro anos atrás, nenhuma lição foi aprendida pelas mineradoras e erros estão se repetindo – como no caso de Brumadinho, na região metropolitana –, segundo o promotor do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), André Sperling. Para ele, a contratação de assessorias técnicas, determinadas em acordo com a Justiça para auxiliarem na comprovação de direitos dos atingidos. No entanto, das 21 que deveriam ter sido criadas, apenas três foram contratadas em Mariana. 

“Em Brumadinho, a Vale está questionando todo o escopo das assessorias. É uma tática deles. Se a gente não consegue ter as assessorias técnicas, a gente não consegue fazer o processo de reparação”, disse Sperling.

Só três das 21 assessorias foram criadas

Após a tragédia de Mariana, quatro anos atrás, nenhuma lição foi aprendida pelas mineradoras e erros estão se repetindo – como no caso de Brumadinho, na região metropolitana –, segundo o promotor do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), André Sperling. Para ele, a contratação de assessorias técnicas, determinadas em acordo com a Justiça para auxiliarem na comprovação de direitos dos atingidos. No entanto, das 21 que deveriam ter sido criadas, apenas três foram contratadas em Mariana. 

“Em Brumadinho, a Vale está questionando todo o escopo das assessorias. É uma tática deles. Se a gente não consegue ter as assessorias técnicas, a gente não consegue fazer o processo de reparação”, disse Sperling. 

 

Minientrevista
Guilherme Meneghin
Promotor de Justiça da Comarca de Mariana

Qual é sua avaliação sobre a reparação das vítimas e dos danos, passados quatro anos do desastre em Mariana?

É uma tragédia continuada. O que me deixa insatisfeito é precisar judicializar tudo. Eles não cumprem o que eles falam que vão fazer. Com isso, tudo leva mais tempo. Um desgaste que poderia ser evitado se houvesse boa vontade da Renova e das empresas, mas elas fazem isso para ter mais tempo e para dificultar o processo. 

Que situações são proteladas?

Até o auxílio de um salário mínimo para um idoso, por exemplo. E dinheiro não falta, os lucros das empresas são milionários.

Quais as principais dificuldades dos atingidos?

Pessoas com depressão, frustradas, porque não veem nada acontecendo. Essa pessoas foram atingidas duas vezes, na tragédia e agora. Elas precisam se humilhar para serem reconhecidas.

Qual seu sentimento diante de tudo?

Fico abismado com o comportamento dessas mineradoras, sem nenhum tipo de empatia. Tem que fazer estudo psiquiátrico em quem comanda essas empresas, porque não é possível assistir o sofrimento humano dessa forma.